sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A ÁRVORE DA VIDA, O FILME

                                                                     

Saí do cinema com a sensação de que faltava algo. Gostara sim, era bonito, cheio de signifIcados. Mas faltavam diálogos? Algo na narrativa? Faltava, talvez, mais conhecimento do livro de Jó para alinhavar os fatos e fazer a compreensão brotar dentro de mim.


Cheguei a minha casa e pude ler dois artigos sobre o filme. Agora sim, entendia e podia dizer que o filme era muito bonito. Mas, será que eu gostara? Essas informações tinham em dado o alívio de que eu precisava?


Não, não, ainda faltava algo. Verdade que eu sempre busquei história e texto no cinema. Beleza, também. Havia muita filosofia, mas faltava cinema. 

Acabei de ler a notícia de que o ator Sean Penn disse que não gostara da edição final e que seu papel era dispensável. Talvez seria melhor uma narrativa mais convencional e mais clara. O ator completa: “É um filme que eu recomendo contanto que a pessoa vá sem preconceitos. Cada um tem que achar uma conexão emocional ou espiritual. Aqueles que conseguem geralmente saem do cinema muito tocados”. 

Não posso dizer que o filme não me tenha tocado com tantas cenas lindas e situações intensas. Mas, concordo com ele. Foi abstração demais.

O MELHOR FOI O BIS

                     

Ontem, conheci um compositor austro-húngaro chamado Korngold (acima), compositor aos nove anos, que foi para a América em 1936 e compôs para cinema. Nunca foi perdoado por seus pares que o criticaram sempre por causa disso. Entretanto, fez sucesso de público e escreveu  um concerto lindo, tocado pelo violino do francês Renaud Capuçon : Concerto para Violino em Ré Maior, Op. 35 (1945).

Essa primeira parte do programa mereceu um bis do violinista. Então, ele solou (sem a orquestra) um tema de Gluck. Era uma melodia plangente, doce de fazer a respiração parar para ouvir melhor. O bonito músico tocou com toda a alma. Foi um momento de suspensão do corpo. Todos na enorme sala convergiram para aquela pessoa e se emocionaram com a expressão de seu som.

Na segunda parte, foi a vez de Prokofiev (ao lado), que não quis ser o segundo russo em Paris (onde havia Stravinsky) e nem na América (onde havia Rachmaninov). Foi para sua pátria e se submeteu ao governo da época e toda uma sorte de humilhações e frustrações. 

Mesmo assim, soube falar da alma soviética, vicissitudes do povo e de sua condição humana.  A maestrina Marin Alsop, se esmerou tanto que também teve que apresentar com a orquestra um bis. Ouvimos, então, uma peça de Edu Lobo, em arranjo especial, com uma série de solos de vários instrumentos e em ritmo bem brasileiro. Que Marin Alsop anunciou em português. 

Claro que gostei do programa prometido e realizado. Mas pela primeira vez, me agradaram mais ainda os dois números extras, não esperados.  Pela delicadeza do primeiro (abaixo, o bonitão)e pela vibração da orquestra e da maestrina no segundo.   

                                                                 

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

INCENTIVO À PESQUISA NA ALEMANHA

Hoje fui a uma palestra em que se descreveu um programa para o desenvolvimento de excelência na pesquisa alemã: The German Excellence Inciative (na Fundação Alemã de Pesquisa -Deutsche Forschungsgemeinscharf, DFG).

O responsável pela apresentação do programa demorou quase uma hora para das detalhes de como as instituições acadêmicas e outra não-acadêmicas têm se unido em volta dele para dar incentivo à qualidade do conhecimento que se constrói por lá.
Parece bem coisa de alemão, não é mesmo?

Mas, deu uma vontade louca de fazer o mesmo por aqui. Na área da Astrologia, por exemplo, a quem faria tanto bem um programas de incentivo à pesquisa desse tipo.

Lá, eles trabalham com muito dinheiro (são milhões e milhões de euros anuais), que vem também do governo (desde a crise de 2008). Desde 2005, em um esquema complexo de etapas. E já há o planejamento para a fase 2012/2017.

Com muitos critérios e parcerias, o trabalho vem se desenvolvendo. Fiquei imaginando se não haveria possibilidade de fazer algo em escala muito menor(menor mesmo) sem dinheiro (ai, que a dificuldade é grande). Acredito que sim.

Não há mágica. Há ações adequadas e movimentos pessoais estimulados por um programa de coletividade, de grupos.

Por que não?

PS:Fundação Alemã de Pesquisa (Deutsche Forschungsgemeinscharf, DFG),

terça-feira, 9 de agosto de 2011

MIA COUTO E A SABEDORIA DAS NARRATIVAS

             
Eu o conheci em uma palestra em um congresso organizado pela Associação de Leitura do Brasil. Era um estádio de esportes cheio de professores - talvez uns três mil -e ficamos em silêncio ouvindo com delicadeza suas palavras. Somente com delicadeza se pode entender o que ele fala. Ele deve escrever assim também. Sutilmente, escolhendo cada palavra, que segundo ele "hoje se despiu da dimensão poética.

No novo livro de ensaios, sobre seu possível ceticismo, diz que "a questão não está na dualidade entre crença e descrença, mas sim em interrogar a própria crença: temos de construir a fé na mudança do mundo antes mesmo de pensarmos. Quero dizer que o próprio pensamento não está certo; é preciso colocar em questão os instrumentos que nos levam a olhar o mundo."   

Diz que trabalha para desvendar a linha de demarcação entre ficção e ensaio. " O trabalho de  um romancista é tão solene e ligado à essência das coisas como o dos não ficionistas. A narrativa está presente nos dois lados e é isso o que importa."

E ela nos é necessária, Mia Couto. Ouvir histórias (ficção) e  pensamentos (ensaios) deve se fazer presente como parte de nossa vida, para, quem sabe, recuperarmos assim a dimensão poética que se perdeu no mundo.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

HOMENAGEM E EXPERIÊNCIA DE VIDA

                                       
A EXPERIÊNCIA E A ARTE 
    
Com quarenta e sete anos, risonho, irradiava toda a alegria pela homenagem que recebia naquela noite pelos trinta anos de trabalho como oboísta na Orquestra Sinfônica de São Paulo, onde chegara aos dezessete anos apenas. Seu pai, um sargento da Polícia Militar, o forçara a estudar música, assim como fizera com seu irmão, Roberto, maestro de sucesso).  Ele enxergou talento dos filhos. Olhar sábio.

E a noite foi sua, Arcádio Minczuk. As peças da primeira parte do concerto o fizeram primeira estrela, enquanto solava as melodias que sua respiração e alma assopravam.

Com a voz emocionada ele contou um pouco de sua vida com a orquestra: as alegrias e as dificuldades nas crises. Mas, dessa história, sobressai também a atitude paterna, a orientação da família que, embora imposta, deu certo. 

Porém, como saber o que está correto? O tempo diz se erramos ou acertamos, por uma ordem que não é lógica.  Não há cartilha para nos dar o caminho. Nesse caso, houve acerto e, pela disciplina e confiança; a arte construiu uma vida de sucesso. Que se faça também homenagem à atitude do pai!

Ainda naquela noite, na segunda parte do concerto, ouvi o ciclo completo (orquestrado somente) de Richard Wagner, em O Anel de Nibelungo. Uma de suas peças, As Valquírias, me lembrou um filme impressionante, Apocalipse Now. Intensidade e paixão, tons de drama. E a incrível cena de helicópteros se preparando para atacar.

Conversando com amigos, me dei conta de que para mim, aquele filme começava naquela cena com aquela música. E ela não sai da memória e é significativa em relação ao filme, mais ainda depois desse concerto em que senti todo o clima que inspirou Wagner em sua composição. 


É esse um dos poderes da grande arte: marcar experiências estéricas individuais. E, com sorte e afinco, marcar vidas, como a do oboísta na expressão correta de seu talento. 





  

quarta-feira, 27 de julho de 2011

COMPROMISSO DE AUTOR

Fragmentos de leitura de jornal, apenas.

Em frases de uma entrevista dada a jornal, no dia 24 de julho, Aleksandar Hemon,  escritor bósnio que mora nos EUA, diz sobre literatura: "A literatura se baseia no campo da experiência humana que é, simultaneamente, delimitado pelo banal e pelo sublime."


Em resposta a uma pergunta do jornalista Ubiratan Brasil sobre a possível obrigação moral com seus personagens e com seus leitores, ele diz: "Com os personagens, certamente, não - nada mais que um compositor teria com suas próprias notas. Com os leitores, haveria uma obrigação ética (mais que moral) se eles fossem um grupo definível, monolítico e estático.  Ou se o escritor fosse alguém que tivesse a certeza sobre como seria sua relação com o mundo antes de começar a escrever. A ética literária emerge durante o processo da escrita, bem como a ética da vida emerge no processo de viver."

ANIMAÇÃO E CRIAÇÃO

O Festival Internacional de Animação do Brasil, ou Anima Mundi, aconteceu em São Paulo e Rio de Janeiro, em julho, com exibiçao de curtas, médias e longas-metragens, seriados e comerciais. Trata-se de um festival de animação anual que movimenta um universo enorme de produtores e pessoas afeitas ao gênero.  Eu não fui assistir a nada. Pena.

Mas, fiquei me perguntando o que seria animação.  Fui consumidora de desenhos animados na época em que a televisão iniciava seu caminho. As sessões eram bem repetitivas mas, quem se importava com isso? Mickey, Pato Donald e o Pica-pau


Naquela época, tratava-se de "animação por célula" ou "animação desenhada à mão". O gato Félix foi lançado em 1919 e apareceu pela primeira vez na animação  Feline Follies ("Folias Felinas"). 


Como decorrência natural da tecnologia, esses desenhos animados da infância de muitas gerações se transformaram em animaçao digital. Com direito a contínuas inovações, pois é uma prática relacionada com a computação gráfica.  

Quem é o animador, o responsável pela criação das personagens que animam as histórias?

Uma matéria de jornal me indicou essa questão, quando contou a dificuldade de Carlos Saldanha (criador de A Era do gelo e Rio) para encontrar o animador que iria fazer o Blu dançar samba. Não foi o porto-riquenho, mas um lituano que conseguiu fazer a arara azul sambar no pé.  Assim também, o criador do Bob Esponja é uma pessoa tranqüila que ensinava biologia marinha para crianças. E o criador de Cowboy Bebop, um senhor japonês que em nada parece compatível com faroeste espacial. Nenhuma relação aparente entre o criador e a criação.   

Saldanha reflete: " O que inventamos é o que somos de verdade, não? Ou talvez sejamos mesmo "um personagem", como os atores são".

Tais personagens movimentam nosso mundo interno, nossas personagens e nossas histórias.

Esse universo maravilhoso, que tem tanto apelo infantil, fala mesmo de nossa natureza humana, dispondo imagens para sua representação.
    
        

terça-feira, 19 de julho de 2011

TECENDO A MANHÃ E O CONHECIMENTO

Neste último final de semana, participei de um evento na Escola Gaia de Astrologia, convivendo com amigos e aprendendo muitas coisas. Como a Astrológica de todos os anos, o espaço estava cheio de informação, disposição e alegria. 

A convite da organização fiz uma palestra no sábado, cuja pesquisa iniciou, no começo do ano, quando fiz a análise do filme Bravura Indômita, candidato ao Oscar 2011. A oportunidade da palestra de sábado me abriu janela para a continuidade do tema.

Acontece muito. Quando fazemos pesquisa, sempre temos sobras, pedaços de assunto, rabos de outros temas.Fui em frente, então, na busca de entender mais o gênero faroeste e os símbolos masculinos em relação ao mundo dos heróis em geral. Na observação do papel de palestrante.  

Essa experiência me deixa sempre à mercê de algumas surpresas que merecem indicação. Uma delas é a observação de um público que nunca é igual, tem respiração e corpo. É com ele que tenho que conversar e junto dele tenho que pulsar na voz e na velocidade com que expresso as informações. Sair dessa harmonia possível é fraudar o sucesso da comunicação. Nesse dia, ele estava atento e dialogava com os olhos e bocas.

Outro ponto é a troca de idéias com os participantes. Dúvidas e contribuições possíveis que alargam horizontes. Algo que eu pensei se conecta com algo que outros pensaram,trazendo novas informações.

Nesse dia, a partir de colocações feitas, houve ampliação de campo de pesquisa a partir dos dados da palestra.

Isso é rede de conhecimento. Um elo que se liga a outro e vai construindo algo maior do que todos os integrantes da rede. Como dizem os versos de João Cabral de Melo Neto, Tecendo a Manhã:


Um galo sozinho não tece uma manhã: 
ele precisará sempre de outros galos. 
De um que apanhe esse grito que ele 
e o lance a outro; de um outro galo 
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos 

que com muitos outros galos se cruzem 
os fios de sol de seus gritos de galo, 
para que a manhã, desde uma teia tênue, 
se vá tecendo, entre todos os galos.


      

domingo, 10 de julho de 2011

O DESFILE/32 E AS FANFARRAS

        
Ontem, fui buscar uma amiga de Manaus, em parada estratégica por aqui, a caminho da Holanda (obrigada, Mônica). Na volta do aeroporto de Congonhas, passamos pelo Ibirapuera, palco de um desfile militar em comemoração da Revolução Constitucionalista de 32.  Confessei-lhe (timidamente) que gostava dessas paradas. Ela também e foi mais longe nas memórias, lembrando-se de um desfile em que as fanfarras das escolas de sua cidade estavam presentes. No calor do Amazonas, os alunos de esmeraram no som e nas roupas e gestual. Escorrendo por suas faces o suor e a alegria, seus sorrisos.

Relevante é, em casos como esses, o empenho pelo trabalho em conjunto, por algo maior. Por uma data? Por uma escola? Por uma cidade, estado ou país? Sim, haverá vaidades individuais. Mas, haverá também um professor, um instrutor, uma mentalidade de grupo sendo desenvolvida. Um valor sendo disseminado.

Manifestações como essas fazem falta nestes tempos de crise e de céu pesado. Fazem muita falta.

Ainda ontem, li, no jornal duas cartas de leitores a respeito da revolução, motivo da parada militar.  Uma contava com ênfase como  os paulistas "numa explosão de amor cívico ao Brasil" levantaram-se no intuito de restabelecer o regime democrático, que na época era subjugado (desde 1930). O tom era entusiasmado (obrigada, Antônio) assim como era o do outro leitor que falava da revolução como vitoriosa, embora outros brasileiros a identifiquem como "um movimento separatista derrotado".


Lembra ele que não foi derrotada, pois, ocorreu a convocação da Constituinte de 34, revogada em 37 por Getúlio Vargas(obrigada, Roberto). Bom, a discussão poderia ir muito mais longe. 

O que me interessa é a possibilidade que esses debates e manifestaçõs coletivas abrem em nossa rotina, podendo nos levar para outros níveis de percepção da realidade.

E também, como tais manifestações comemorativas grupais podem fazer a diferença entre os jovens, que estão necessitados de apoios, de valores. A violência, as drogas, a corrupção, a degeneração moral, tudo isso pode ser apenas motivo de um vazio a ser preenchido por algo que se tiver uma dimensão maior, fará a realidade mais fácil de ser levada.

       

segunda-feira, 4 de julho de 2011

MEMÓRIA DO CINEMA (E OUTRAS)

Em um país (ou época?) em que a memória é dita como perdida, há movimentos de resgate aqui e ali. É reeditada uma revista virtual que estava fora do ar há três anos.
Um artigo sobre a história das cinematecas. Há outros assuntos. Isso ocorre n´Os Cadernos Cedem, publicação eletrônica semestral do Centro de Documentação e Memória da Unesp (Cedem). 

O artigo no link abaixo conta essa história. Informação para os cinéfilos no link abaixo:  
“Sex, Money, Social Climbing, Fantastic!” – A lógica cultural dos anos de chumbo no cone sul e a história das cinematecas (arquivos/ museus de cinema).   (por Fausto Correa Jr)
        

quinta-feira, 30 de junho de 2011

TELEVISÃO EM PEDAÇOS: ENTREVISTA CLAUDIA PIÑEIRO



    UM COMPÊNDIO DE PROBLEMAS: MULHER, POLICIAL E BEST SELLER

Não tenho muito tempo para a telinha, nem assino a TV a cabo. Faço assim não por contestação  e talvez houvesse motivos para isso. É por opção e por outras prioridades.


Mas, de vez em quando consigo pedaços de programas incríveis. Documentários, filmes, notícias.


Um dia desses, assisti a um pedaço de entrevista de uma escritora argentina. De Buenos Aires, citou a época da ditadura quando corpos eram atirados no Rio da Prata. Era a época em que estava na escola, menina ainda, e sentia que era diferente das outras porque sabia de coisas que as outras não tinham a menor idéia. Pelas informações de seus pais tinha conhecimento de uma situação política difícil. Os anos de chumbo argentinos.

A entrevista mostrou uma mulher bonita de cabelos escuros, lisos e longos, na altura dos ombros. Os olhos escuros guardavam ainda, quem sabe, algumas sombras tristes da época da infãncia, mas o sorriso na boca, desmentia em seguida tudo. Sua voz firme indicava uma clareza, uma integridade madura e simples. Ela tem uma autonomia no momento presente, que não lhe dá tempo para outros tempos.

Sua atividade de escritora marcou o depoimento (o pedaço que me coube). O programa chamava-se Sangue Latino, na TV Cultura.

Ela respondia a respeito do seu processo criativo, de como compunha suas histórias. De início, uma imagem começa a incomodá-la. Depois, cresce dentro dela junto a outras que se vão agregando até formar uma soma que lhe indica ser esse o momento de escrever.
Falou também da sua vivência de solidão e de como gostaria de ficar mais tempo só para ler e escrever e mais nada. Gostaria de estar mais só ainda? Mas ela sabe que isso é impossível.



Essa postura faz parte de sua maneira de ser e lhe possibilita guardar as coisas, como em compartimentos mentais para depois as usar em suas histórias.

Ainda a ouvi no youtube a respeito de como nas relações  com os homens, as mulheres devem seduzir o tempo todo para mantê-los, pois eles são volúveis. Coisa "tonta", segundo ela, mas necessária para quem quer ficar ao lado dos homens. Falou ainda de Clarice Lispector, escritora transcendental que lida com aspectos do feminino com uma "profundidad asonbrosa".  Já temos tradução do livro As viúvas das quintas feiras.  Quem tiver lido ou for ler, me conte. Ainda outro depoimento marcou sua imagem. Falando de sua observação no dia-a-dia, que é grande e não para nunca, descreveu essa experiência típica de escritor com uma outra imagem. Em uma festa, em geral as pessoas vivem as situações de festa simplesmente comendo, bebendo, conversando. Ela estaria como que fora do corpo, observando tudo, como se fosse duas ao mesmo tempo. Uma vivendo e a outra observando de outro patamar, com um espaço intermedíário. 

terça-feira, 21 de junho de 2011

TENSÃO ENTRE DISCIPLINA E CAOS



Wolfgang Rihm (1952), compositor alemão, escreveu a peça Ernst Gesange em que, homenageando Brahms, faz alusões à sua obra. Ele mescla a preocupação formal, marca de Brahms, e o caos, característica da escrita de Rihm, diz a entrevista em jornal da grande mídia.

Na entrevista, o compositor ainda diz: A oposição entre caos e disciplina é o que me interessa. " É o ponto em que a arte pode surgir./.../Como artista, você precisa da disciplina para transformar o caos em algo consistente. Mas para que sua disciplina tenha algum poder, não é possível prescindir do caos."

Para ele, o caos o rodeia e ele se sente, "como diziam os gregos", em um espaço livre no meio dele. "É aqui que você trabalha", sem dar um passo fora, em um clima de tensão. É esse equilíbrio que gera a arte.   

Muitas vezes me perguntei a respeito do trabalho do artista. Estudo e técnica ou ciratividade?  A criatividade seria o caos, de onde pode acontecer a idéia nova.  Essa colocação de Rihm alivia algumas de minhas dúvidas. Mas, não todas.  

segunda-feira, 20 de junho de 2011

UMA LINDA MULHER


ARACY, SEGUNDA MULHER DE GUIMARÃES ROSA

O rosto da jovem mulher é brejeiro. À frente do piano, ela vira o rosto olhando a câmera fotográfica, com um meio sorriso nos lábios. Em março deste ano, ela faleceu aos cento e dois anos.

Ela tem o nome no Museu do Hocausto (Yad Vashen) em Israel, com seu nome na lista dos "Justos entre as Nações" e é homenajeada no Museu do Hocausto de Washington (EUA).
Ter ajudado judeus a entrar no Brasil, fugindo da perseguição nazista, enfrentando também uma lei de Getúlio Vargas, não era pouca façanha naqueles anos.

Aracy Moebius de Carvalho era funcionária em Hamburgo, na Alemanha, quando nosso autor lá chegou como cônsul-adjunto, aos trinta anos de idade. Apaixonaram-se e casaram-se no México, pois o Brasil ainda não tinha a lei do divórcio.

Grande sertão: veredas (1956) foi dedicada a ela que sempre o acompanhou com opiniões, fazendo inclusive as revisões de texto. Parceria inestimável. 

Senti falta dela no livro de Wilma (Relembramentos: JGR, meu pai), filha do primeiro casamento de Guimarães Rosa. Há disputas entre os herdeiros sobre a publicação de um diário que ele escreveu na Alemanha. Coisas da natureza humana. É desnecessário grande esforço para imaginar os motivos dessa querela. Em 2010, por informações incompletas, atribuí a ele a intervenção pelos judeus. Justiça seja feita a essa linda mulher. 
Ampla e irrestrita.      
      

    segunda-feira, 13 de junho de 2011

    MINHAS TARDES COM MARGUERITE

    Fui ler as apresentações do filme com Gérard Depardieu (perfeito no papel). Uma resenha falava da amizade entre ele e Marguerite (linda senhorinha).Uma segunda apontava as questões culturais na França contemporânea, como a da presença dos estrangeiros, trabalhando na construção civil. Outra dizia ser esse filme próprio para o público da terceira idade (ui).  

    Não que eu tenha discordado dessas opiniões, mas me detive em outro aspecto: na ligação das duas personagens através da leitura.
    Não podemos escapar de nossos repertórios pessoais quando fazemos a leitura de filmes, de tudo.

    Então, comemorei outro filme que fala da mudança de alguém através dos livros, da literatura.
    Nada mais bonito do que perceber como o dicionário e as palavras novas entram na vida do Chazes. De como ele, mudando o vocabulário, se distanciou dos amigos. Não se afastou fisicamente, mas nos interesses. Fez um filho, construiu uma especial amizade, resolveu um problema com a história de sua infância.

    Claro que tudo isso foi acontecendo no contexto narrativo.
    Dialogando com Marguerite, num banco de uma praça, ao lado de pombos, enquanto ouvia as frases, vivia imagens que lhe despertavam a imaginação.

    Assim, foi percebendo outro mundo para si mesmo.

    A transformação aconteceu pela ação da palavra.
    Uma ação de Mercúrio, aquele que nos abre o mundo pela linguagem e que também nos traz a possibilidade de aprendizagem, de ouvir o outro.

    E foi o que a personagem fez, ele que era quase analfabeto. Somente abriu-se à leitura de Marguerite e aprendendo, descobriu. Percebeu, então, que poderia retribuir, que podia ler para o outro ouvir.   

    Tudo muito bonito, delicado.

    sexta-feira, 10 de junho de 2011

    GRAFITE E PICHAÇÃO

                                                                                 
    Pichação suja a cidade e desrespeita o patrimônio público e privado. Grafite, após a lei que foi aprovada pela Câmara recentemente (e poderá ser sancionada pela presidente nos próximos dias) será legal, desde que feita com aprovação do proprietário do imóvel.

    Há muitos anos que sigo esta questão, visto que aqui na minha cidade (Sâo Paulo) temos uma quantidade imensa dos dois. Tenho muita pena pelos muros e prédios sujos com letras que se multiplicam em tons escuros e sem sentido. Por outro lado, desfruto das imagens coloridas presentes em alguns locais (em bairros, como a Vila Madalena e em viaduros, como na Avenida Paulista), e que se multiplicam por aí, mostrando a presença viva de uma força que procura a todo custo espaço para acontecer.

    Ambos, pichação e grafite, representam uma forma de protesto. Ler e interpretar é preciso.
    A lei pode ampliar a reflexão sobre o tema e estabelecer um diferencial importante para as pessoas que fazem o grafite.

    Reflexão sobre a necessidade do poder público intervir possibilitando a educação e conscientização sobre o assunto. Sobre os problemas conceituais dos dois (não são a mesma coisa, não). Sobreio o diferencial estético que precisa ser levado em conta, embora os limites para avaliações sejam delicados e requeiram parâmetros novos.

    O diferencial é que não pode haver mais dúvidas. Pichação é crime. Grafite é forma de exercício artístico e pode ser também instrumento para desenvolvimento de cidadania por meio da arte e da participação na vida urbana.

    A lei não resolverá os problemas todos advindos dessas presenças nas cidades, mas é para ser comemorada.
    PS: Zezão (o meu grafiteiro preferido) na frente de sua obra.

    quinta-feira, 9 de junho de 2011

    CONCERTO A QUATRO PIANOS

                                                                                  
    Naquele dia, minha vizinha, no início da noite, veio me convidar para ir com ela ao concerto na Sala São Paulo. Haveria a apresentação do Gershwin Piano Quartet, de que eu já lera matéria em jornal. Eu não planejara assistir àquele concerto.

    Mas, quando me vi, estava pronta, estava lá, estava procurando o local marcado no ingresso. O repertório passava por Gershwin, Piazzolla, Ravel e Cole Porter.  Uma mistura interessante para pensarmos na propriedade de rótulos e teorias, como diz Sergio Chnee, maestro e compositor, nos comentários do programa. Qual é o limite entre o erudito e o popular?

    A multiplicação de pianos e sonoridades no palco iam além do teclado, pois os músicos iam ao interior do piano e inventavam sons variados de percussão.

    Além disso, houve algo talvez inesperado para todos. Criou-se uma enorme sintonia entre os quatro, uma alegria acompanhada pelo público e que se esparramou pelas três músicas que eles tocaram após o final do programa. Num crescendo, entraram pela improvisação de cunho jazzístico, brincando com as notas e variações. Num riso livre e solto, confraternizaram em criatividade e respeito uns pelos outros.

    Só quando damos espaço ao outro pode surgir a identidade do todo, cada um sendo á sua maneira parte desse conjunto, disse a amiga musicista. Todos brilhavam. Todos brilhamos naquela sala.

    PS: Ana Maria Leite Ferreira http://gerencia.regencia.vilabol.uol.com.br
                                                              

    quinta-feira, 26 de maio de 2011

    MUMBAI PELOS OLHOS DE ANTÔNIA PELLEGRINO

    O que me fascinou não foi a cidade de Mumbai ou a descrição de aspectos da cultura indiana, mas a visão de tudo isso pelos olhos de Antônia. A confissão de sua experiência. Única, realista. Sem medo de marcar sua decepção, pela falta de higiene ou pelos maus modos dos homens em relação a mulheres. Sim, estes talvez sejam somente detalhes, possivelmente irrelevantes no conjunto.                                                         
    Tratava-se de um depoimento em programa da TV Cultura. E ela estava á vontade para falar do mês que passou em Mumbai com o objetivo de coletar informações e um assunto para romance de grande editora.

                                                                                                 
    Seu tom não escondia desconsolo, raiva e decepção. Bem informada a respeito da literatura e aspectos da cultura indiana, ela indicava competência profissional enquanto discursava muito à vontade, sem compromisso a não ser com sua experiência pessoal, livre para elogiar e criticar.

    Aí está o melhor de tudo.  Viajar com ela, que soube ponderar sobre tudo o que percebeu. Olhos maduros, apesar da pouca paciência. Ou por causa deles. Foi bom, andar por aquelas ruelas de novo, e pelas pequenas multidões de indianos por suas mãos. Por suas considerações justas, por seus olhos bem abertos para a realidade.

    E, houve ainda uma imagem de namorados ao cair da tarde. Ela descreveu olhos femininos,  possivelmente temerosos, levantando-se tímidos ao encontro dos olhos de seu namorados. Casais em movimentos delicados, exercitando a aproximação vagarosa no amor possível àquela sociedade.
    De repente, tudo o que era feio desaparecera, como se Antônia enfim tivesse perdoado todo o resto de que não gostara.
                                                               

    domingo, 22 de maio de 2011

    POR UM MUNDO MELHOR

    Plínio Montagna  (presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo) diz no jornal de hoje: "Passado e futuro são referências apenas do presente. É disso que trata uma psicanálise. /.../ Mais do que conjeturar o passado, importa configurar graus crescentes de liberdade interior para o indivíduo lidar com o presente e com a trama que imprime às suas relações, se apropriando daquilo que se vai revelando verdadeiro em seu ser. A apropriação de sua singularidade radical, a favor da vida, pode-se dizer o escopo nuclear de um processo analítico."

    Ele explica a pessoa pode na "sala de análise pode-se reconstruir imaginativamente seu passado, não necessariamente o factual, vivido "de fato", mas, sim, a narrativa que dele faz para si mesmo."

    E daí nos é possível redimensionar e reorganizar o passado, e viver melhor o presente, afirma ele.

    E vai mais longe: "O futuro se ancora nas escolhas que fazemos hoje, dentre aquilo que a vida nos apresenta e nossas criações próprias."

    Talvez, a imagem abaixo ilustre uma pessoa que, com certeza, nos estimula a fazer esse movimento de revisão para a construção de um mundo melhor.  Em Madrid, reclama e protesta em praça pública. Seu compromisso com um ideal nos lembra de que sair em busca de novos futuros depende de nossas ações pessoais possíveis dentro de muita liberdade.

    Ele saiu em busca de algo; Todos podemos nos fazer capazes desse movimento, de dentro de nossa singularidade radical e a favor da vida.