quinta-feira, 30 de junho de 2011

TELEVISÃO EM PEDAÇOS: ENTREVISTA CLAUDIA PIÑEIRO



    UM COMPÊNDIO DE PROBLEMAS: MULHER, POLICIAL E BEST SELLER

Não tenho muito tempo para a telinha, nem assino a TV a cabo. Faço assim não por contestação  e talvez houvesse motivos para isso. É por opção e por outras prioridades.


Mas, de vez em quando consigo pedaços de programas incríveis. Documentários, filmes, notícias.


Um dia desses, assisti a um pedaço de entrevista de uma escritora argentina. De Buenos Aires, citou a época da ditadura quando corpos eram atirados no Rio da Prata. Era a época em que estava na escola, menina ainda, e sentia que era diferente das outras porque sabia de coisas que as outras não tinham a menor idéia. Pelas informações de seus pais tinha conhecimento de uma situação política difícil. Os anos de chumbo argentinos.

A entrevista mostrou uma mulher bonita de cabelos escuros, lisos e longos, na altura dos ombros. Os olhos escuros guardavam ainda, quem sabe, algumas sombras tristes da época da infãncia, mas o sorriso na boca, desmentia em seguida tudo. Sua voz firme indicava uma clareza, uma integridade madura e simples. Ela tem uma autonomia no momento presente, que não lhe dá tempo para outros tempos.

Sua atividade de escritora marcou o depoimento (o pedaço que me coube). O programa chamava-se Sangue Latino, na TV Cultura.

Ela respondia a respeito do seu processo criativo, de como compunha suas histórias. De início, uma imagem começa a incomodá-la. Depois, cresce dentro dela junto a outras que se vão agregando até formar uma soma que lhe indica ser esse o momento de escrever.
Falou também da sua vivência de solidão e de como gostaria de ficar mais tempo só para ler e escrever e mais nada. Gostaria de estar mais só ainda? Mas ela sabe que isso é impossível.



Essa postura faz parte de sua maneira de ser e lhe possibilita guardar as coisas, como em compartimentos mentais para depois as usar em suas histórias.

Ainda a ouvi no youtube a respeito de como nas relações  com os homens, as mulheres devem seduzir o tempo todo para mantê-los, pois eles são volúveis. Coisa "tonta", segundo ela, mas necessária para quem quer ficar ao lado dos homens. Falou ainda de Clarice Lispector, escritora transcendental que lida com aspectos do feminino com uma "profundidad asonbrosa".  Já temos tradução do livro As viúvas das quintas feiras.  Quem tiver lido ou for ler, me conte. Ainda outro depoimento marcou sua imagem. Falando de sua observação no dia-a-dia, que é grande e não para nunca, descreveu essa experiência típica de escritor com uma outra imagem. Em uma festa, em geral as pessoas vivem as situações de festa simplesmente comendo, bebendo, conversando. Ela estaria como que fora do corpo, observando tudo, como se fosse duas ao mesmo tempo. Uma vivendo e a outra observando de outro patamar, com um espaço intermedíário. 

terça-feira, 21 de junho de 2011

TENSÃO ENTRE DISCIPLINA E CAOS



Wolfgang Rihm (1952), compositor alemão, escreveu a peça Ernst Gesange em que, homenageando Brahms, faz alusões à sua obra. Ele mescla a preocupação formal, marca de Brahms, e o caos, característica da escrita de Rihm, diz a entrevista em jornal da grande mídia.

Na entrevista, o compositor ainda diz: A oposição entre caos e disciplina é o que me interessa. " É o ponto em que a arte pode surgir./.../Como artista, você precisa da disciplina para transformar o caos em algo consistente. Mas para que sua disciplina tenha algum poder, não é possível prescindir do caos."

Para ele, o caos o rodeia e ele se sente, "como diziam os gregos", em um espaço livre no meio dele. "É aqui que você trabalha", sem dar um passo fora, em um clima de tensão. É esse equilíbrio que gera a arte.   

Muitas vezes me perguntei a respeito do trabalho do artista. Estudo e técnica ou ciratividade?  A criatividade seria o caos, de onde pode acontecer a idéia nova.  Essa colocação de Rihm alivia algumas de minhas dúvidas. Mas, não todas.  

segunda-feira, 20 de junho de 2011

UMA LINDA MULHER


ARACY, SEGUNDA MULHER DE GUIMARÃES ROSA

O rosto da jovem mulher é brejeiro. À frente do piano, ela vira o rosto olhando a câmera fotográfica, com um meio sorriso nos lábios. Em março deste ano, ela faleceu aos cento e dois anos.

Ela tem o nome no Museu do Hocausto (Yad Vashen) em Israel, com seu nome na lista dos "Justos entre as Nações" e é homenajeada no Museu do Hocausto de Washington (EUA).
Ter ajudado judeus a entrar no Brasil, fugindo da perseguição nazista, enfrentando também uma lei de Getúlio Vargas, não era pouca façanha naqueles anos.

Aracy Moebius de Carvalho era funcionária em Hamburgo, na Alemanha, quando nosso autor lá chegou como cônsul-adjunto, aos trinta anos de idade. Apaixonaram-se e casaram-se no México, pois o Brasil ainda não tinha a lei do divórcio.

Grande sertão: veredas (1956) foi dedicada a ela que sempre o acompanhou com opiniões, fazendo inclusive as revisões de texto. Parceria inestimável. 

Senti falta dela no livro de Wilma (Relembramentos: JGR, meu pai), filha do primeiro casamento de Guimarães Rosa. Há disputas entre os herdeiros sobre a publicação de um diário que ele escreveu na Alemanha. Coisas da natureza humana. É desnecessário grande esforço para imaginar os motivos dessa querela. Em 2010, por informações incompletas, atribuí a ele a intervenção pelos judeus. Justiça seja feita a essa linda mulher. 
Ampla e irrestrita.      
      

    segunda-feira, 13 de junho de 2011

    MINHAS TARDES COM MARGUERITE

    Fui ler as apresentações do filme com Gérard Depardieu (perfeito no papel). Uma resenha falava da amizade entre ele e Marguerite (linda senhorinha).Uma segunda apontava as questões culturais na França contemporânea, como a da presença dos estrangeiros, trabalhando na construção civil. Outra dizia ser esse filme próprio para o público da terceira idade (ui).  

    Não que eu tenha discordado dessas opiniões, mas me detive em outro aspecto: na ligação das duas personagens através da leitura.
    Não podemos escapar de nossos repertórios pessoais quando fazemos a leitura de filmes, de tudo.

    Então, comemorei outro filme que fala da mudança de alguém através dos livros, da literatura.
    Nada mais bonito do que perceber como o dicionário e as palavras novas entram na vida do Chazes. De como ele, mudando o vocabulário, se distanciou dos amigos. Não se afastou fisicamente, mas nos interesses. Fez um filho, construiu uma especial amizade, resolveu um problema com a história de sua infância.

    Claro que tudo isso foi acontecendo no contexto narrativo.
    Dialogando com Marguerite, num banco de uma praça, ao lado de pombos, enquanto ouvia as frases, vivia imagens que lhe despertavam a imaginação.

    Assim, foi percebendo outro mundo para si mesmo.

    A transformação aconteceu pela ação da palavra.
    Uma ação de Mercúrio, aquele que nos abre o mundo pela linguagem e que também nos traz a possibilidade de aprendizagem, de ouvir o outro.

    E foi o que a personagem fez, ele que era quase analfabeto. Somente abriu-se à leitura de Marguerite e aprendendo, descobriu. Percebeu, então, que poderia retribuir, que podia ler para o outro ouvir.   

    Tudo muito bonito, delicado.

    sexta-feira, 10 de junho de 2011

    GRAFITE E PICHAÇÃO

                                                                                 
    Pichação suja a cidade e desrespeita o patrimônio público e privado. Grafite, após a lei que foi aprovada pela Câmara recentemente (e poderá ser sancionada pela presidente nos próximos dias) será legal, desde que feita com aprovação do proprietário do imóvel.

    Há muitos anos que sigo esta questão, visto que aqui na minha cidade (Sâo Paulo) temos uma quantidade imensa dos dois. Tenho muita pena pelos muros e prédios sujos com letras que se multiplicam em tons escuros e sem sentido. Por outro lado, desfruto das imagens coloridas presentes em alguns locais (em bairros, como a Vila Madalena e em viaduros, como na Avenida Paulista), e que se multiplicam por aí, mostrando a presença viva de uma força que procura a todo custo espaço para acontecer.

    Ambos, pichação e grafite, representam uma forma de protesto. Ler e interpretar é preciso.
    A lei pode ampliar a reflexão sobre o tema e estabelecer um diferencial importante para as pessoas que fazem o grafite.

    Reflexão sobre a necessidade do poder público intervir possibilitando a educação e conscientização sobre o assunto. Sobre os problemas conceituais dos dois (não são a mesma coisa, não). Sobreio o diferencial estético que precisa ser levado em conta, embora os limites para avaliações sejam delicados e requeiram parâmetros novos.

    O diferencial é que não pode haver mais dúvidas. Pichação é crime. Grafite é forma de exercício artístico e pode ser também instrumento para desenvolvimento de cidadania por meio da arte e da participação na vida urbana.

    A lei não resolverá os problemas todos advindos dessas presenças nas cidades, mas é para ser comemorada.
    PS: Zezão (o meu grafiteiro preferido) na frente de sua obra.

    quinta-feira, 9 de junho de 2011

    CONCERTO A QUATRO PIANOS

                                                                                  
    Naquele dia, minha vizinha, no início da noite, veio me convidar para ir com ela ao concerto na Sala São Paulo. Haveria a apresentação do Gershwin Piano Quartet, de que eu já lera matéria em jornal. Eu não planejara assistir àquele concerto.

    Mas, quando me vi, estava pronta, estava lá, estava procurando o local marcado no ingresso. O repertório passava por Gershwin, Piazzolla, Ravel e Cole Porter.  Uma mistura interessante para pensarmos na propriedade de rótulos e teorias, como diz Sergio Chnee, maestro e compositor, nos comentários do programa. Qual é o limite entre o erudito e o popular?

    A multiplicação de pianos e sonoridades no palco iam além do teclado, pois os músicos iam ao interior do piano e inventavam sons variados de percussão.

    Além disso, houve algo talvez inesperado para todos. Criou-se uma enorme sintonia entre os quatro, uma alegria acompanhada pelo público e que se esparramou pelas três músicas que eles tocaram após o final do programa. Num crescendo, entraram pela improvisação de cunho jazzístico, brincando com as notas e variações. Num riso livre e solto, confraternizaram em criatividade e respeito uns pelos outros.

    Só quando damos espaço ao outro pode surgir a identidade do todo, cada um sendo á sua maneira parte desse conjunto, disse a amiga musicista. Todos brilhavam. Todos brilhamos naquela sala.

    PS: Ana Maria Leite Ferreira http://gerencia.regencia.vilabol.uol.com.br