segunda-feira, 31 de agosto de 2015

SER ESTRANGEIRO OU SIMPLESMENTE SER

Samba é um filme francês produzido em 2014, dirigido por Olivier Nakache e Éric Toledano, de Intocáveis. O tema mais evidente é a questão dos imigrantes irregulares na França. Também encontramos simpáticas referências à cultura brasileira tais como músicas e expressões linguísticas. Mas há muito mais. Leia e opine.

O FILME

samba_1_ago15.jpgVindo do Senegal, na África, Samba Cissé (Omar Sy) há 10 anos na França, inicia o filme como lavador de pratos em um restaurante, mas tem problemas com a imigração e, depois disso entre outros eventos, passa por  uma maratona de pequenos trabalhos. Em uma ONG que atende imigrantes em situação de dificuldades, ele se encontra com Alice (Charlotte Gainsbourg). Ela é uma executiva que sofreu uma crise de "burnout", por causa do ritmo estressante de seu trabalho. Depois de internamento em clínica de tratamento e no processo de recuperação, faz trabalho de voluntária.

O que eles podem ter em comum? Para começar, ambos são um pouco estrangeiros em seus contextos.

Além deles, há a presença de um tio de Samba, interessante figura que lhe dá chaves de convivência com a sociedade francesa a que está bem adaptado nos limites a ele permitidos. Outros imigrantes personagens fazem parte desse mundo oculto atrás do mundo das luzes, como fica patente na inteligente apresentação do filme.
       
Eles chegam da África, Ásia e América e se espalham em sub-empregos, com inúmeras dificuldades nas suas próprias comunidades ou com as autoridades. Estão em descompasso com a sociedade francesa que os observa de soslaio.  Alice, a personagem feminina francesa, por sua vez, também está deslocada vivendo as questões de sua sociedade com critérios de cobrança que provocam efeitos questionáveis nos indivíduos. Sem contatos no grupo a que pertence, perdeu entre outras coisas a capacidade de rir. Ela, como Samba, não consegue dormir.

Dividir comprimidos para dormir é um primeiro passo da possível identificação e cumplicidade entre ambos.

                          
QUESTÃO DE IDENTIDADE
Falta de documentaçao gera uma vida ilegal para Samba. Esconder-se o tempo todo é consequência inevitável,  tendo que estar sempre atrás de documentos de identidade, com foto e nome falsos. Fugir por janelas, alçapões e tetos de prédios e perder sapatos é só parte de uma comédia que não tem graça  nenhuma. A busca por um documento de identidade dirige os passos da personagem ao longo da narrativa.

Em meio a seus atos desajeitados, a personagem procura seguir os conselhos de seu tio para sobreviver até que uma possível solução resolva sua  estada na França. Vestir-se com roupas mais discretas à moda europeia, não beber, evitar o metrô. Isso tudo poderá evitar que ele seja visível na sua ilegalidade. Mas também impedirá que ele seja quem é. Ele reconhece os efeitos dessa ausência pois anda na multidão sob olhares excludentes de muitos, carregando o peso de ser diferente.

Ao final do filme, cansado, ele confessa: Eu nem sei mais meu nome.

samba_6a_ago15.jpgEssa sensação de esgotamento seria inevitável. A invisibilidade social assim alongada é insuportável. Nossa experiência de vida é marcada por sinais de identidade. Ela é formada por aspectos individuais e sociais. Emoções partilhadas e valores comuns nos constituem, assim como nosso nome, estilo e vocação pessoal. Tudo isso junto, nossa história pessoal e social, nos identifica. Somos únicos e também somos enquanto participamos de um grupo. Mas, a sensação de pertencimento a um grupo não é algo dado pelas circunstâncias ou mesmo apenas por componentes biológicos. Ela é uma construção cultural intencional em que o indivíduo deve se envolver. A personagem árabe conhece as regras do mundo em que vive. E entende que é mais fácil sobreviver fazendo-se passar por brasileiro. Então, faz-se de brasileiro. Vale tudo, vale até inventar a própria origem.

Assim, Samba depende do contexto social da França nesse momento, o que se torna cada vez mais difícil. A disputa por vagas de pequenos trabalhos e a perseguição policial são frequentes na vida de todos os estrangeiros como ele. Vida de solidão. Cada um por si. Mas a complexidade dessa vida de imigrante é ainda maior.

Perto do posto de atendimento a estrangeiros vemos o aeroporto. Aviões estão em movimento, chegando ou saindo? Ao lado dele há um local para detenção, uma prisão. Limitação do movimento. Os homens jogam bola enquanto Samba olha pelas grades. Qual é o sentido e a dimensão da liberdade em sua atual opção de vida? Haveria exílio maior do que o de si mesmo? Essa é a questão. Como ser alguém e ser alguém na sociedade em que vive?

Mas ele quer ficar e com o tio, presença de mestre, sustenta duro diálogo. Você quer ser um fracassado?,pergunta o tio. Com tom de melancolia, essa personagem tem os pés no chão e traz para Samba o contato com a realidade. Desenha o confronto com a verdade. Perto dele não e escondem as várias inadequações de Samba. Mas esse tutor também traz o sonho de voltar para a África. Ele sugere: Voltemos como reis.

Eis o que ele deseja: ser rei, dono da própria vida e de um pedaço de chão. Ele recoloca o sonho de ter uma casa à beira de um lago na África. Mas, Samba prefere decidir por si mesmo. Ele luta para ser alguém à sua maneira. Com toques de ingenuidade às vezes até infantil.

Também à sua maneira, Alice é estrangeira em seu contexto. Não tem vínculos na vida pessoal. Precisa aprender de novo a se ligar. Não tem sensações, está fora de si mesma. Rompeu, quebrou. Ao dividir comprimidos para dormir e histórias de vida, aprende a rir de novo com Samba. 

Ambos resolvem seu problema e reconquistam suas vidas. Seu modo de ser. A capacidade de rir juntos aparece como alternativa para reconstruir identidades perdidas de si mesmas. Além disso, ele repete mais de uma vez para ela:Você é especial . Ser especial é também ser autêntico e único. Eles se reconhecem em diferenças e semelhanças.

samba_3_ago15.jpgNão é que todos os problemas tenham se resolvido para eles. Ela sabe que tem que voltar para seu trabalho, o mesmo da situação inicial. Só que desta vez leva uma visão diferente de si mesma e uma perspectiva nova para sua vida. Ele ainda tem um nome falso. Mas já consegue o trabalho que desejava. Não vai querer de novo ultrapassar limites.
         
Ao final, ela carrega um olhar firme e quase desafiador. E ele anda pela calçada de Paris com molejo africano, como um cidadão que sabe para onde vai.

No caso de ambos, deixaram de ser estrangeiros. Encontraram um modo particular para sua inserção no mundo em que vivem. Confirmaram suas identidades pessoais, o que é mais do que um sinal ou efeito de uma vinculação afetiva construída por ambos. É trunfo para outra dimensão na experiência de vida.

PS: Se você anda de ônibus, sabe que acontecem coisas incríveis nos trajetos pela cidade. Certo dia, encontrei um motorista que intencionalmente sabe fazer a diferença no trabalho que realiza. Leia a crônica e divirta-se.

http://coisasdoimaginario.blogspot.com.br/search/label/CR%C3%94NICA
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quarta-feira, 19 de agosto de 2015

PLANETAS TRANSATURNINOS (I), por Sílvia Ceres

O artigo que segue traz interessante abordagem a respeito de Urano, Netuno e Plutão. Os planetas trans-saturninos são desafio constante para nossa interpretação. Cabem sempre novos argumentos para nossa reflexão. Daí ser bem-vindo o texto de Sílvia Ceres, astróloga argentina. Leia a seguir.
O original está no link indicado ao final do texto. A tradução ficou a meu cargo (Ana Maria M González).
PLANETAS TRANSATURNINOS (I), por Sílvia Ceres
Por várias razões eles são energias que colocam dificuldades no momento de sua interpretação em um tema natal.
A primeira delas é uma marcada contradição básica. Por um lado eles são denominados transcendentes embora sejam definidos como de ação imprevisível -Urano-, enganoso e predisposto à fraude -Neptuno- e descobridor do oculto debaixo do tapete -Plutão-.
Mas, vejamos, alguém pode explicar qual é a relação existente entre a transcendência e o azaroso, o espelhismo e a função do aspirador de pó? Suponho que não. É provável que passado um momento, alguém tenha uma compreensão importante desses acontecimentos, mas o mesmo se poderia dizer de qualquer outra ativação planetária.
A segunda razão é que lhes é concedida uma regência sobre os signos no mesmo plano que os planetas do setenário tradicional. Assim todos os nascidos sob Aquário estão pela manhã, tarde e noite perfilando teorías revolucionárias, os piscianos estão perpetuamente em estado de devaneio, enquanto que os escorpianianos vivem sua existência dentro de um vulcão transformativo.
Convenhamos que não há psiquismo humano que resista a esse nível de tensão constante. Os hospitais neuropsiquiátricos provavelmente tenham entre seus pacientes uma boa quantidade de pessoas com estas energias desencadeadas: los paranoicos uranianos, los esquizofrênicos netunianos, as psicoses violentas plutonianas.
Se nos referirmos às pessoas “normais”, ou simples neuróticos, devemos ter em conta junto aos transaturninos, a regência tradicional dos signos .
Assim, somente pode romper as formas -Urano- quem domina as leis de sua atividade -Saturno-. Diz-se que Einstein sonhou a fórmula da teoria da relatividade, mas antes era um profundo conhecedor da física. Se alguém de nós sonhássemos essa série de números incompreensíveis, rejeitaríamos e esqueceríamos de imediato tamanho disparate. Picasso rompeu as formas estabelecidas porque previamente foi un exímio desdenhador. Para romper criteriosamente é indispensável conhecer as normas daquilo que se vai transcender.
No caso de Netuno e sua relação com a inspiração artística e a mística, é importante contar con uma determinada cosmovisão que oriente e dê sentido à busca -Júpiter-. É difícil pensar em Santa Teresa ou em San Juan deixando de lado o Cristianismo ou ao Sufismo separado do Islamismo, ainda que suas visões vão mais além do dogma religioso.
Por último, Plutão transformará em busca da essencialidade a quem possa viver como um sujeito autônomo que deve cuidar de si mesmo -Marte-.
Resumindo: os sete planetas tradicionais descrevem o indivíduo em suas vivêcias, vínculos, pensamientos, etc. Os transaturninos abrem as portas a uma busca de maior alcance que permite acessar outros níveis de compreensão, tanto do homem como da vida.
Terceira questão, serem “geracionais” é um bom argumento para passar sem lhes prestar-muita atenção. É verdade, visto que Urano transita 7 anos por um signo, Netuno 14 e Plutão um número de anos ainda maior, embora o intervalo não seja tão preciso devido a sua órbita irregular .
No entanto, exceptuando-se a hipótese de que o dono da carta avaliada se tenha criado em uma nave espacial ou em um submarino a grande profundidade, ele é um filho de sua época, pelo que estará atravessado pelas buscas e inquietudes próprias de seu momento histórico e social. Algumas posições dos transaturninos –posicionados em casas angulares, aspectos com os planetas pessoais- o envolverá mais com o espírito de seu tempo que a outros, mas ninguém cresce fora de seu contexto.
Fica então por definir novamente na próxima postagem do blog Urano, Netuno e Plutão.




segunda-feira, 10 de agosto de 2015

PESQUISA NA GAIA/SP E NA ASTROLOGIA BRASILEIRA

Este ano comemoram-se os dez primeiros anos de existência da Central de Pesquisas na Gaia, Escola de Astrologia em SP. Essa data merece ser marcada porque no Brasil a pesquisa e seu registro escrito existe primordialmente nos ambientes acadêmicos em que ela é obrigatória como trabalho de conclusão de curso, os TCC.
Na Astrologia, temos poucos grupos que realizam a tarefa de pesquisa como programa de trabalho.  Ela em geral acontece de forma espontânea, mas nem sempre são acompanhadas por registro escrito. Daí que os trabalhos escritos são a parte que faz a diferença nesse projeto da escola Gaia.
Este artigo pretende indicar a existência e as publicações de grupos de trabalho pois me parece que eles podem ser uma maneira eficiente para construirmos uma cultura de pesquisa. Por sua vez, tal cultura pode ser instrumento útil na formação profissional do astrólogo e, indo um pouco mais longe, pode também contribuir para a constituição de uma identidade da Astrologia brasileira.

CPG - CENTRAL DE PESQUISAS DA GAIA
No mês de fevereiro de 2005, eu visitei Robson Papaléo para lhe propor um trabalho de metodologia de pesquisa voltado à Astrologia. Era começo de ano e eu desejava passar à Astrologia o que eu vinha desenvolvendo no campo acadêmico em que atuava como professora.
Ele já tinha pensado no assunto e, por isso, acolheu a ideia com entusiasmo. Sugeriu que eu voltasse em março. Após consultas na escola, ele programou uma reunião aberta no dia cinco de abril seguinte. Nesse dia, quase quarenta alunos da escola estavam reunidos e dispostos a ouvir o que eu tinha a dizer sobre metodologia de pesquisa, podendo então decidir (ou não) participar de um programa que Robson Papaléo já tinha então planejado nesse meio tempo. Foi assim que se iniciou a pesquisa na Gaia, com cerca de dez grupos sob a minha coordenação.
Uma necessidade da escola se juntou a minha disponibilidade e iniciamos um projeto de trabalho que aos poucos foi se desenvolvendo e ganhando uma forma cada vez mais adequada às possibilidades da escola e aos objetivos de pesquisa. Havia uma coordenação, um curso de princípios de redação textual e uma metodologia com encontros e prazos para a realização dos trabalhos. Tal esquema se mantém até hoje com pequenas modificações.
Depois de dez anos, uma cultura de pesquisa está sendo estabelecida aos poucos entre os alunos devido ao departamento CPG  subvencionado pela escola e hoje em dia sob a coordenação de João Henrique Bianco. Inúmeros alunos têm experimentado a tarefa de desenvolver uma pesquisa com suporte técnico em todas as etapas até seu registro escrito, o que é importante para profissionais da astrologia e de qualquer área de estudo. Todos os trabalhos estão na biblioteca da escola e alguns deles ganharam versão publicada nos Cadernos Brasileiros de Astrologia ( CBAs), que tem a organização do grupo Gaia Brasilis.

NO BRASIL
Não tenho notícia de outra escola que realize tal tarefa, mas posso citar alguns outros exemplos de publicação de texto, frutos de trabalho em grupo.
No Rio de Janeiro, a Editora Espaço do Céu, tem duas publicações provenientes de trabalho em grupo. O livro  Astrologia e Saúde - Trabalhos de Pesquisa (2005) inclui os trabalhos finais do curso "Astrologia Mitologia e Simbologia de Saúde" ministrado pelo Dr Sergio Mortari.  O segundo volume é O Timeu de Platão e a Astrologia (2004), resultado da pesquisa do grupo de estudos sob a orientação de Marcus Reis, astrólogo e doutor em Filosofia e coordenação de Celisa Beranger.
A Unipaz-Sul em Porto Alegre mantém um Programa de Estudos Avançados em Astrologia. Para celebrar dez anos de existência desse curso de formação, a coordenadora Lúcia Torres reuniu alguns dos temas apresentados nas Jornadas Gaúchas de Astrologia e Transdisciplinaridade em artigos escritos por alunos, professores e astrólogos convidados, no livro Astrologia no Paralelo 30 Sul,(Porto Alegre: Gênese Editora, 2014) .
Tais publicações indicam que, embora seja difícil, é possível – e bem-vinda- sua realização.
Que outros grupos se mobilizem para a construção coletiva da reflexão e que possamos ampliar esse registro escrito de pesquisas astrológicas brasileiras.

PS: Além dessas publicações coletivas, temos algumas outras reunidas no artigo de Fernando  Fernandse no site  Constelar e organizadas com diferentes e variados objetivos.

Em segundo artigo, Constelar indica as publicações individuais de astrólogos brasileiros:  http://www.constelar.com.br/constelar/174_dezembro12/autores-brasileiros.php