segunda-feira, 30 de maio de 2016

UMA ESPECIAL DECLARAÇÃO DE AMOR AO CINEMA


O filme Ave, César é mais do que parece. O sequestro de um ator pode ser um ponto importante na narrativa. Mas, desconfie, não se distraia, pois há muito mais do que isso. Trata-se de um grande filme dos irmãos Joel e Ethan Cohen (Hail, Caesar! 2016). Mais do que uma simples comédia. George Cloone, no papel de ator meio canastrão nos encanta de novo com seu talento.

HISTÓRIAS DENTRO DE OUTRAS HISTÓRIAS

As muitas histórias entrelaçadas podem deixar o espectador um tanto perdido, mas ele também se divertirá nas camadas mais engraçadas ou bonitas entre as quais imagens que nos lembram os musicais de Hollywood dos anos 1950. Não se trata de uma simples comédia que nos faz rir. É mais uma sátira elaborada, carregada de ironia e, por isso, mais inteligente. Tudo nesse filme dos Cohen passa pela crítica e pela revisão. 

A crítica especializada tem dito que este filme é uma declaração de amor ao cinema. Ao longo do estudo, vamos tentar juntar argumentos para concordar com essa opinião.

Edward Mannix (Josh Brolin), personagem principal e executivo da Capitol Pictures, se depara com situações pessoais e profissionais bem variadas. Ele tem que resolver os problemas das estrelas do estúdio de cinema envolvidas em escândalos e polêmicas como por exemplo uma gravidez inesperada, elaborar politicamente as ameaças e fofocas de duas jornalistas e irmãs gêmeas e lidar com o desconforto de um diretor com a contratação de novo ator.

Enquanto isso, também tem que dar conta de esconder que o ator da superprodução Ave,  César!, um conto sobre Cristo,  Baird Whitlock (George Clooney), é sequestrado no meio das filmagens por uma organização chamada "Futuro. Nesse grupo (uma célula comunista) encontram-se reclamações e mágoas com o modo de funcionamento dos estúdios de Hollywood. 

Era a época do comunismo nos anos 50. Mas não é do interesse dos irmãos Cohen debater a questão política. Observamos de um lado os esforços de Mannix para que se mantenha a produção dos filmes planejados, contando com as ações necessárias para cumpri-las e, do outro, a sátira do grupo comunista com todos os seus trejeitos, mostrados explicitamente, como cabe a uma caricatura inteligente.

Então nos deparamos com o submarino soviético com estrela vermelha, o cachorrinho de nome Engels que não para de latir, a reunião secreta, a linguagem que nos remete à teoria da dialética histórica, da crítica ao sistema e ao capitalismo. Sobram termos do jargão relativo ao pensamento esquerdista. Em meio a essa reunião de estudos, acontece a sedução de Baird que fica submetido à teoria e se filia ao partido comunista.

Ele é salvo do sequestro e levado de volta ao cenário de Hollywood por Alden Ehrenreich, ator de filmes de faroeste que deve atuar em filme dramático por imposição do estúdio. O cowboy percebe a trama em que está metido o Baird e o libera. Seu comportamento revela significativa aceitação da realidade, apesar de sua dependência aos diretores dos estúdios em que trabalha. Tal contexto não parece afetá-lo, o que pode demonstrar uma razoável maturidade e capacidade de lidar com os limites de seu mundo. Ele é parceria de Mannix na resolução do sequestro.

Por sua vez, Baird continua sem poder avaliar a situação por que passara. Mannix lhe dá umas bofetadas para acordá-lo. Pragmatismo e senso de realidade de Mannix?


A ORDEM DAS COISAS DA VIDA

Essa cena em que Baird (Clooney) tem a consciência recuperada à força recoloca o cinema e as coisas no lugar. O executivo retoma a filmagem principal e ordena ao protagonista: "Vá e seja um astro!" Na verdade, ele defende os limites desse mundo que gerencia. Trata-se de personagem que tem um viés moral. Como? Há muitos detalhes relacionados a questões religiosas.

O filme começa com música sacra e a imagem de Cristo na cruz onde ocorrem as várias confissões de Mannix. Tais confissões principiam e finalizam a narrativa. Há um filme religioso dentro do filme pelo qual a hierarquia de várias religiões se reúne porque não deve ocorrer equívocos na representação de Cristo. Todos esses elementos parecem significativos demais para que possamos dispensá-los.

Eddie Mannix surge mais de uma vez com terço nas mãos e em momentos de reflexão solitária como se algo o incomodasse muito. E ele está em momento de definição de sua vida profissional. Esse impasse se resolve no confessionário. A uma pergunta de Mannix, o padre responde: "Deus quer que façamos o certo". Ainda segundo ele, "a voz interior diz o que é certo, isso vem de Deus".  Mannix ao ouvir tais palavras, aliviado, toma a decisão pelo caminho mais difícil deixando de lado as tentações das facilidades prometidas. E o caminho difícil é seguir na sua função de fazer cinema, uma fábrica de histórias segundo ele.

Difícil é ter certeza das razões pelas quais os Cohen fizeram a opção de situações religiosas e morais. Quem sabe ainda tenhamos que juntar mais argumentos para poder levantar qualquer hipótese?

A ficção é dirigida pela voz de um narrador pela qual os diretores armam a narrativa. Ela observa os eventos a partir de uma perspectiva de fora dos acontecimentos, como um foco narrativo que amplia o âmbito de observação. Cria-se um tipo de ficção em que essa voz pretensamente impessoal conduz as situações. É ela que estabelece a análise final do conflito da personagem de Mannix, interpretando a resolução desse conflito. E aponta para leis internas que regeriam a vida dessa personagem vindas de um local sensível de contato com Deus.

São insuficientes as teorias políticas que tentam forjar outra história e um novo homem e também aquelas religiosas que, cada uma a sua moda, explicam a representação de Cristo, sem consenso. Pode ser que haja outra maneira menos precária de se relacionar com as contingências das coisas. Pelo menos essa é a saída que Mannix, capaz para lidar com a realidade, encontra nessa busca de uma decisão importante.

Mas como se trata de uma sátira inteligente com níveis de ironia sutis, essa interpretação pode ser questionada. Cabem contraponto e controvérsias.
   

ESPECIAL DECLARAÇÃO DE AMOR

E como se faz a declaração de amor ao cinema?  Este filme apresenta vários níveis de acontecimentos. Ele carrega filmes dentro do filme, uma metalinguagem em que podemos assistir a essa declaração de amor através de camadas de significação, ironia e crítica.  

A decisão profissional da personagem confirma seu amor ao cinema. A outra proposta profissional foi apresentada desqualificando o cinema observado como atividade frívola, fútil e pouco séria. É tudo faz de conta, disse o proponente. Mas, não para Eddie.

Nem para a voz narradora que diz ser o cinema a representação da "cota dos sonhos dos indivíduos desgastados do mundo". O cinema seria então uma indústria que fabrica histórias que têm uma função importante na vida das pessoas. E para certificar-nos dessa força, os diretores refazem cenas que nos lembram musicais antigos de uma época de ouro.

Mas, junto dessa lembrança dos anos 50, surgem dados da realidade crua atrás da beleza construída pela ficção: a vida real dos atores-celebridades, as fofocas da mídia, a guerra pelo poder econômico. Há a construção de uma ilusão que se desfaz logo em seguida em um desmanche quase cruel. Os irmãos Cohen não perdoam essa falha inevitável perante o funcionamento da arte do cinema como ela é. Que bom seria se Baird (Clooney) não esquecesse a última palavra de um diálogo fundamental no filme Ave, César. Ou que a mocinha linda das águas não fosse infeliz em seus casamentos.

É imenso o efeito da indústria hollywoodiana nos espectadores. Representação de uma ingenuidade, beleza ou força, que na vida real não existem. Local de sedução, reconhecemos nesse universo a busca de uma perfeição que só existe na fantasia e, que apesar disso ou por isso, deve ser mantida.

As histórias como a de Mannix não vão acabar nunca, diz a voz narradora. Elas começam e não terminam nunca de serem contadas. E se repetirão em seus detalhes sórdidos ou grandiosos, morais e religiosos. E o cinema estará pronto para contá-las.

Essa seria a matéria do cinema, a razão maior para que ele seja amado. Histórias de vida nunca acabarão. O cinema traz uma ilusão que é alívio e escape da vida real. Assim o cinema é absolvido pelos irmãos Cohen de suas imperfeições.

Amor consciente dos defeitos do objeto amado é forma especial de amor.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

ISSO VAI PASSAR, LAURA

Ela tem vinte e cinco anos. Clara e cabelos escuros na altura do pescoço. Maquiada, unhas bem tratadas e com esmalte escuro, brincos e uma roupa alinhada. Era um almoço de aniversário, um churrasco no alto do prédio, com visão ampla do bairro e da cidade. O Museu do Ipiranga ao longe, farta vegetação à  volta, um céu azul e calor convidativo à cerveja e ao encontro de amigos.
Mas, ela era só tristeza. Dos lábios vermelhos de batom, saíram palavras de mágoa. O namoro tinha acabado havia quinze dias. E o que doía mesmo era a maneira como ele terminara o relacionamento. Foi se afastando, devagarzinho e depois, pelo telefone, rápido e sem muito tempo para conversa. Na verdade, isso era o grande desconsolo. Frustrante. Como? Sem explicação?
Durara por longos cinco anos e meio. Onde empacotar e guardar tanta memória? Em que desvão da vida enterrar um amor desastrado?  Chegara a hora de uma revisão. Quando ela se distraiu? Que comportamentos ela não percebera? Sim, lembrava-se de um dia. Em outra situação, uma conversa, palavras desconexas. E um ou outro telefonema prometido e que não se realizou. Agora talvez tudo fizesse mais sentido. Triste caleidoscópio de lembranças.
Infelizmente, uma história pouco original. E a reação de Laura possivelmente também repetirá o lugar comum.  Ela vai chorar, sofrer, conversar tempos longos com amigas, ao vivo e por telefone, skype e msn, whatsApp, amadurecendo e encorpando as mágoas, ouvindo as opiniões variadas, medindo e comparando as sugestões.
Entretanto, nada aliviará as sensações de altos e baixos, de humores e emoções voláteis, imagens a lhe visitar os olhos vidrados, a atenção distraída. Quem solucionará o problema? Quem lhe falará a palavra mágica que a libere da dor de amor?
Ninguém, Laura. Essa demanda será tempo perdido. As soluções são, em geral, paliativas e não vão à raiz da dor.
Sei que será muito difícil você me ouvir, pois todo o contexto social lhe conta uma história diferente, que pesa em seu comportamento de forma muito sutil. Ouvi escapar de sua boca a reclamação com tom fatal: “Já tenho vinte e cinco anos.”  Você talvez acredite mesmo que sua vida só será completa quando se casar. Talvez se sinta sem opções e – pior- velha. Será? Sim, mudar essas ideias, pedras fundadoras de uma cultura,  é muito difícil.
Você conseguirá permissão para outras alternativas? A sugestão para abrir espaço entre sua dor e a realidade talvez não faça sentido. Se eu lhe pedir que coloque em outra perspectiva o sofrimento, no canto que lhe cabe, fará menos sentido ainda. Como observar de forma mais distante se dói tanto? É difícil relativizar o sofrimento neste momento de falta em que escorregamos para um buraco que se abre.
Em vão tento um diálogo mudo. Então, me faço cúmplice silenciosa dessa mulher a partir do feminino que nos une. Lembro neste instante de todas as mulheres que já se sentiram assim tão sem esperança em momento de plena juventude. Tão aberta à parceria e a uma vida a dois. O peso que sobrou para você, muitas mulheres já levaram e continuam levando nos ombros. Uma espécie de luto pela perda de um sonho, sem contar o abandono da própria identidade em relação a um conceito social cobrador e até repressor.   
Laura, esse tipo de homem não dá. Você apostou muitas fichas nesse jogo. Foi fiel por cinco anos. Hoje, você pede revanche à vida: “Ele ainda vai se lembrar de mim.”. Não vai, Laura.  Ele vai tentar esquecer tudo e vai fazer novos relacionamentos, criar novas situações. Para se lembrar, teria que ser outra pessoa.   
Seja você outra pessoa. Seja a mulher linda que você é. Lembre-se agora das mulheres de Atenas, das árabes e africanas de hoje, das mulheres de todos os tempos e de todos os lugares. Ponha-se ao largo dessa tormenta. Nem é necessário queimar sutiã ou dizer palavras de ordem. Faça uma revolução interna. Que seja breve este momento triste. Depois dele, faça a sua hora de preparo para o momento seguinte, para o encontro com o masculino, em outra esfera de grandeza. Haverá outro homem à sua espera.
Mude a cor do batom e refaça a maquiagem. Isso, com certeza, vai passar. 

segunda-feira, 2 de maio de 2016

ASSIM ACIMA COMO ABAIXO


Há frases que repetimos sem pensar muito em seu significado. “ASSIM ACIMA COMO ABAIXO” é uma delas. No artigo a seguir, o astrólogo faz reflexões interessantes.

Brad Kochunas trabalhou um período largo em um presídio nos EUA e lá desenvolveu um trabalho terapêutico com os presidiários utilizando a astrologia.  Ele dá palestras e escreve artigos. Escreveu o livro THE ASTROLOGICAL IMAGINATION, where psyche and cosmos meet. New York: Universe , Inc, 2008.
A seguir, links para seu site e para uma apresentação no youtube (2013).
  
“ASSIM EM CIMA, COMO EMBAIXO”
Se eu pudesse usar uma varinha de condão e astrólogos nunca mais pronunciassem "assim em cima como embaixo..." eu ficaria imensamente feliz. Esta frase parece sempre aparecer como se descrevesse a astrologia sucintamente em quatro palavras, mas o contexto do qual estas palavras foram retiradas é que dá à frase completa seu significado poderoso.
A dificuldade com esta frase singular é que ela parece privilegiar a parte de cima sobre a de baixo, a mais alta sobre a mais baixa, em uma interpretação carregada de valor, como se o  acima precedesse o abaixo, causando o de baixo ou sendo maior que o de baixo. Isso reforça a idéia de que nós dançamos ao som dos planetas o que invalida imediatamente qualquer pensamento segundo o qual a carta natal é um reflexo ou que os planetas são peças do tempo/relógios. Tente repetir a frase, "Assim abaixo, como acima," várias vezes e sinta quão desajeitada e incorreta ele parece.
No entanto, se você examinar várias traduções da Tábua de Esmeralda (www.sacred-texts.com ), você vai descobrir que a linha 2 também é traduzida como: "O que está acima provém do que está abaixo, e o que está embaixo provém do que está acima, operando os milagres do Uno " Ou "Isso confirma:.O de cima a partir do de baixo, e o de baixo a partir do de cima – a obra/trabalho do milagre do Uno " E, por último,"Assim abaixo como acima; e assim acima como abaixo. Com este conhecimento por si só você pode fazer milagres. "
Claro, há também traduções desse texto em que a linha 2 começa com "Assim acima, como abaixo ...". E esta é a frase sem contexto que nós normalmente aplicamos. Como não há perspectiva de lugar nenhum no entanto, o contexto é sempre relevante e pode, potencialmente, reorientar nossa abordagem à astrologia.
O que a declaração completa realmente indica é a causalidade. Nenhum desses reinos causa o outro, precede o outro, ou é privilegiado em relação ao outro, o que significa que não podemos olhar para o céu como a razão para nossa situação, caráter, talentos ou infortúnios. O acima e o abaixo surgem juntos, mutuamente dependentes, nenhum existindo sem o outro; com o mesmo espírito que figura / fundo, frente / trás, aqui / lá, organismo / ambiente. A polaridade com um único terminal é uma impossibilidade. Nós não vivemos em um mundo com apenas o Pólo Norte, apenas um lado de cima ou a perspectiva de felicidade eterna ou recompensa.
O que isto significa para os astrólogos psicológicos é que movemos nosso pensamento de uma causalidade inerente de acordo com a mecânica newtoniana e mudamos nossas imaginações para uma física mais contemporâneo onde a realidade parece ser uma rede transparente de relações interdependentes. A causalidade torna-se verdadeiramente uma coisa do passado.
Podemos optar por ser mais conscientes no uso de nossa linguagem a fim de eliminarmos qualquer cheiro de determinismo estrelado e, o mais importante, restaurando assim a responsabilidade pessoal sobre nossas vidas. Podemos usar a linguagem que represente os planetas como reflexos de quem somos ou narrativas de acontecimentos em nossas vidas, em vez de semear o medo para um próximo trânsito de um quadrado de Plutão ou Saturno. Podemos parar de usar os planetas como explicações para os nossos problemas. O perigo é que quando inconscientemente falamos sobre os planetas "lá fora", em contraste com o 'aqui', estamos capacitando os planetas, não a pessoa e isso faz de todos nós vítimas.