quarta-feira, 24 de agosto de 2016

OLÍMPIA E AS OLIMPÍADAS

As Olimpíadas são evento mundial e apresentam o melhor do ser humano. Visitemos a cidade em que tais jogos começaram, muito longe de nós no tempo e no espaço. E celebremos este feito humano! Por Zeus! 



OLÍMPIA E AS OLIMPÍADAS  

Eu estava no primeiro dia do voluntariado junto aos atletas chineses no clube de que sou sócia. Outro sócio espiava o treino na piscina. Antes de sair, puxou mais um dedo de prosa: Minhas filhas não quiseram vir. Não se interessaram por nada. Pena, ele completou. Concordei e me alegrei por ver que ele tinha a mesma sensação de entusiasmo com o que estávamos vivendo.

A conversa tinha sido formalmente finalizada, mas esse pequeno diálogo me levou longe. De lá, me vi em Olímpia, na Grécia antiga procurando vestígios daquilo que eu estava experimentando. Era algo ainda não identificado, não reconhecia seus limites.

Nesse local estava a origem das Olimpíadas. Possivelmente lá eu encontraria o sentido do ser olímpico e daquilo que move milhares de pessoas em torno do esporte.

A OLÍMPIA GREGA

Na verdade, Olímpia era um santuário e pertencia à cidade de Pisa. Geograficamente, ele se situava no bosque Áltis, perto do Monte Cronos, entre os rios Alfeu e Cladeu, na região do Peloponeso. Essa descrição não faz muito sentido no espaço físico, não é verdade? Nem para mim. Mas, fiquei nas palavras, nesses nomes que me lembram poesia. Esse lugar de nome tão feminino estava ligado indelevelmente aos jogos esportivos.

Nessa localidade na Grécia Antiga, há mais de 2700 anos já se realizavam os jogos a cada quatro anos que reuniam atletas em nome do deus Zeus, o rei de todos os deuses. Eles disputavam honra e fama. Há mais de um mito relacionado às origens dos jogos. Entre eles, a figura de Zeus estaria presente e era dele uma grande estátua feita de marfim e ouro pelo escultor Fídias em um dos templos de Olímpia.

Segundo a mitologia, seria o lugar em que Zeus teria derrotado seu pai Cronos. Olímpia seria então uma referência ao Olimpo e ao próprio Zeus, chamado Olímpico.

Atualmente, nesse sítio arqueológico há sinais indicativos de visitação de fieis e de oferendas. Algumas de suas descobertas são datados do século X a.C, época em que se acredita já ter havido a prática de esportes no local. Ao longo do tempo, esse santuário foi se constituindo de muitas edificações: templos, altar para sacrifícios, hipódromo e o estádio, entre outras. Os gregos relacionavam as competições esportivas às celebrações religiosas.

No ano de 776 a. C., Olímpia realizou a primeira edição dos Jogos Olímpicos, pela qual começou a ser mais conhecida. Durou um dia e a corrida era a modalidade esportiva. Era uma Grécia bem diferente do que conhecemos. Difícil imaginar, mas contamos com um período de mais de mil anos em que tais jogos aconteceram. O imperador romano Teodósio I, o Grande teria proibido cultos e práticas pagãos em 393 d.C.

Depois de um longo intervalo, Pierre de Coubertin retomou a ideia, desejando resgatar a experiência do ser olímpico.  Como educador ele poderia perceber a necessidade de trazer tais práticas para os jovens de sua época. Ele sabia que o jovem grego treinava nos ginásios e pistas em suas cidades, o que era uma prática na formação para a vida adulta. O esporte possibilitaria o desenvolvimento de força e competência pessoal. Ainda que elitistas, os gregos assim se diferenciavam dos bárbaros. Era uma civilização de cultura que se alimentava de virtudes e valores.

OS JOGOS DE OUTRORA E OS DE HOJE

O Barão Pierre de Coubertin idealizou um plano para a realização dos Jogos Olímpicos como na Antiguidade. Inspirado na descoberta das ruínas arqueológicas de Olímpia apresentou um projeto em congresso internacional em junho de 1894, na Sorbonne em Paris. Nesse congresso foi constituído o Comitê Olímpico Internacional (COI). Desde então, a cada quatro anos o mundo volta a atenção para os novos deuses que disputam medalhas e conquistas. Mas as Olimpíadas não são isentas das máculas da sociedade humana.

Será que mais recentemente, temos atingido o que os jogos gregos teriam conseguido e o que Coubertin sonhou? Vivemos uma época diferente em que o doping ocupa as manchetes dos jornais. Como é ser olímpico em tempos de terrorismo? Os jogos ao longo do século XX foram inseridos de politização e outras disputas. O que é ser olímpico na atualidade? O que era esse conceito na antiguidade? Não temos mais um Zeus a quem nos reportar.

Os jogos foram fruto de uma civilização que honrava seus deuses. Havia um mérito no esporte e na força física. O reencontro com o espírito olímpico pode ser almejado, mas, na verdade, aspectos da atualidade quase deturpam tal aspiração.

Mesmo assim, ouvimos histórias de vitórias, de superação, de imenso esforço a respeito de atletas que estão nesta olimpíada moderna. Rafaelas da Silva suportam estresse, dor e restrições tendo à frente um objetivo que as mobiliza. Conquistas que têm um valor pessoal e também coletivo. São todos exemplos de compromisso e responsabilidade, de resistência e disciplina. A perfeição lá na frente, no coração e na mente. Atletas são todos heróis.

Duramente o tempo do voluntariado junto à equipe dos chineses, observei e refleti, me alimentei disso tudo.

A partir desse voluntariado eu me reencontrei com o espírito olímpico mais essencial. Me senti um pouco olímpica, mais perto dos valores que inspiraram os habitantes de Olímpia e o Barão de Coubertin. Imagino todos os atletas possivelmente sob a égide implícita de Zeus que abençoava os primeiros atletas das cidades gregas e que talvez abençoe ainda os jogos modernos, que acabam se safando dos fantasmas que podem empanar o seu brilho.

A pira olímpica ainda hoje é acesa na cidade de Olímpia, na Grécia, aquela entre os rios Kladios e Alpheios, em um vale, no território de Pisatis, na região do Peloponeso.

Lindo, não é mesmo? Fiquemos um pouco por ali. Que desde o Olimpo Zeus abençoe todos os atletas.

ILUSTRAÇÕES: Ruínas arqueológicas de Olímpia, sede dos jogos na Antiguidade.  
PS 1: Site oficial do SÍTIO ARQUEOLÓGICO de Olímpia: http://whc.unesco.org/en/list/517
PS 2:  Muitas das informações para este texto foram coletadas no link a seguir. Leia mais.http://seguindopassoshistoria.blogspot.com.br/2012/08/olimpia-e-os-jogos-olimpicos.html    


segunda-feira, 15 de agosto de 2016

CLUBE OLÍMPICO


O sócio que espiava o treino na piscina puxou mais um dedo de prosa antes de sair: “Minhas filhas não quiseram vir. Não se interessaram”. Pena, ele completou. Ops! Não só concordei como estava feliz e surpresa de ver que ele tinha uma sensação especial como a que eu estava tendo com todas as novidades desse voluntariado.

Relembrei as etapas desde o começo. Ao receber o convite para participar do programa, um alvoroço enorme. Aí então, a primeira fase com preenchimento de questionário. Quando chegou o aviso da entrevista, mais ansiedade.

Alívio quando veio o email de confirmação de participação e o calendário com as reuniões de treinamento.Sensação adolescente! Seriam quatro ou cinco encontros para informações a respeito do clube, das Olimpíadas, da cultura e costumes dos chineses e ainda outros dados necessários para a preparação dos voluntários. Que função teriam eles? Ser um ponto de contato entre os atletas e os sócios, entre outras funções das quais eu não tinha a menor ideia. Nem os colegas com quem eu tive contato. Éramos muitos, cerca de 180 no início.

E quais teriam sido as motivações que teriam levado tantas pessoas a se interessar por um programa de voluntariado no clube? Os jogos e esportes das Olímpiadas? A proximidade junto aos atletas? Mera curiosidade? O kit do uniforme e mochila, lindo?

Com certeza, motivações particulares e diferentes. Mas, havia a solidariedade e disponibilidade comum a todos, certamente.
E para iniciar o trabalho logo se organizou um grupo no whatsapp que fez o papel de contato rápido entre os participantes. As situações eram novas para todos, inclusive para a equipe de organização. Nem eles talvez pudessem ter previsto situações que foram se apresentando e definindo ao longo dos dias.

Dentre todas as situações novas, aprendi particularidades a cada uma das modalidades esportivas. Eram cerca de catorze. Entre atletas, técnicos, equipes médica e outras, eram cerca de 350 chineses. Aprendi também as nossas funções, tais como limpar os tapetes no salão do badmington, água no CIAA ou gelo na natação. Com quem estão as chaves da sala de esgrima?  Onde está guardada a TV do nado sincronizado?  Os pro-pés estão acabando. Convenhamos que tais funções são bem simples. Mas tinham que ser resolvidas na hora. Sem titubeio. Nunca os edifícios do clube foram visitados tanto em tão pouco tempo. Pernas pra que te quero!

Além desse vai-e-vem entre inúmeras pequenas ações de cunho operacional, ocorreram outras tantas coisas divertidas e carinhosas. Nos plantões de que participei, pude contar com o apoio dos funcionários. Desde os que permaneciam nas recepções e portarias até os responsáveis pela eletricidade, pela limpeza e pela zeladoria. Me pareceu que a aproximação era fácil e o aperto de mão, forte. Cheguei a ganhar uma maçã de um dos seguranças, um mimo a mais. Sinal de uma simpatia com os voluntários?

Houve também a oportunidade de identificar afinidades e desenvolver contatos novos. Amigáveis encontros no QG estabelecido embaixo de uma grande árvore a que eu nunca prestara atenção.

A equipe organizadora para estabelecer os critérios de funcionamento do enorme grupo de voluntários, se muniu de flexibilidade necessária à ordem, eficiência e às surpresas da equipe chinesa. Ou seja, mais rigidez nas regras de proibição das fotos e filmagens? Menos? Isso era sério, pois os chineses queriam total privacidade. Mais conversa com os sócios mais inconformados com mudanças no horário de treinos? Quantos sócios por vez poderiam presenciar em treinos? Da ginástica artística? Mudanças de horário e cancelamento de última hora pelos chineses. Nossa! E agora? Pouco a pouco as questões foram se assentando e tudo se ajeitava. No geral, os voluntários se saíram bem no trabalho que foi intenso e visível a todos. Problemas no grupo? Como impedir em grupo tão grande? Paciência e pra frente, p orque não havia tempo sobrando. Lá vem a equipe do pentatlo para o CIAA!

Mas, a parte mais importante não foram esses aspectos mais explícitos. Um certo clima pairou no ar balizando nossas ações. Havia a percepção de exigência e rigor dos técnicos. O compromisso dos atletas, uma referência clara à vontade imensa que dirige o atleta a seu desejo: a competição, a superação de seus limites humanos. O atleta de alta performance chega próximo à representação do herói.

O treino para a atingir a perfeição do gesto, do movimento do corpo. A busca incansável do detalhe. Isso tudo é o que de melhor temos na natureza humana. Tudo ali bem pertinho de nós! Privilégio.

Ser olímpico é essa busca dentro da disciplina e até da dor. É ter um objetivo maior. É quando o ser humano se transforma em ser olímpico, mesmo em tempos de doping, de questões políticas e de terrorismo.
Acredito que foi esse clima um dos aspectos que mais me motivou, junto da alegria e oportunidade de ser voluntária. Fui incorporando, me alimentei dele.

Prefiro imaginar que todos no clube estavam sentindo algo diferente por causa desses atletas olímpicos e desses treinamentos tão próximos de todos.

Por um espaço de tempo, meu clube, o clube de todos os sócios, voluntários e funcionários foi olímpico! Comemoremos!

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

COMO EU ERA ANTES DE VOCÊ, O FILME


O filme até tem sido bem aceito pela crítica, apesar do tom romântico. Ele contém um castelo, um príncipe e uma mulher que vira princesa. Mas não temos o happy end tradicional. Ele vai além de qualquer simplificação adolescente. Tais dados talvez o safem da crítica azeda da crítica especializada.

MAIS DO QUE UM FILME ROMÂNTICO

O roteiro foi escrito por Jojo Moyes, autora do livro que lhe serve de base e a direção é o primeiro trabalho no cinema de Thea Sharrock com larga experiência de teatro. Louisa Clark (Emilia Clarke) é uma mulher alegre em busca de um emprego para ajudar a família. Will (Sam Claflin) é um homem rico que está em uma cadeira de rodas por causa de um atropelamento, com comprometimento de movimentos em todo o corpo.  Sem a vida anterior, cabe-lhe uma rotina de dores e de exercícios sem promessa de melhoras. Qual é a função de Clark ao lado dele? Animá-lo como cuidadora. Mas, ela faz mais do que isso segundo ele mesmo confessa.

No início ele é mal humorado e ranzinza, pois perdeu a vida cheia de possibilidades e sucesso. Daí que não deseja mais viver e faz um contrato com a empresa suíça Dignitas (Viver e morrer com dignidade) e dá aos pais seis meses de convivência. Enquanto aguarda que sua decisão seja cumprida, Emilia entra em sua vida com suas roupas exóticas e sua tagalerice. Não é fácil, mas o gelo é quebrado e eles começam a interagir.

Algumas situações facilitam a aproximação. Ela confronta seu mau gênio e se emociona com um filme de conteúdo, mostrando-se de sensibilidade. Consegue que ele faça a barba e corte o cabelo. Pouco? Não, não é pouco para alguém que confessa que apenas existe, toma remédios aos montes para as dores e crises que acompanham seu quadro delicado.

Seis meses, portanto, é o tempo de trabalho para Louisa Clark. Uma espécie de gata borralheira que ajuda o protagonista a superar seu mau humor. De ambos os lados, temos histórias de transformação e o desenvolvimento de um vínculo de amor.

Só que não há um final feliz. E essa história é interrompida pelas circunstâncias do protagonista. O debate cai no colo do expectador junto à perplexidade e indignação de Clark. O que acontecerá com a dupla amorosa? Perante a decisão de uma morte assistida, o que sentimos? Em que momento a vida se torna insuportável?  

A questão é tratada pela diretora com delicadeza. Sutilmente somos colocados a par dessa determinação e surpreendidos, cumprindo os mesmos passos de inconformidade junto a Clark. E o que acontece, então?

REALIDADE E FANTASIA

Essa situação serve de base para que possamos nos deparar com paradoxos entre diferenças e semelhanças, entre fantasia e realidade.

O título (Me before you) enfatiza uma situação anterior. Mas, a quem se refere a frase-título? A ele ou a ela? Ambos mudaram suas vidas a partir do encontro. Esse título nos avisa de antemão que a situação de transformação mútua pode ser a pedra de toque para a compreensão do conjunto do filme, mais do que tudo. Clark traz o imponderável a Will e ele propicia a ela um refinamento que sua condição social e econômica não lhe permitia. A sintonia se estabelece entre eles apesar das diferenças.

Sob esse ponto de vista, observamos que a história de amor ultrapassa os limites de situações comuns. Frustrada a possibilidade de futuro, o que sobra?

Ela, desesperada por não conseguir impedir a realização do projeto de Sam, consegue ouvir seu pai: “Não se pode mudar as pessoas. Podemos apenas amá-las.” Então, ela decide acompanhar o amado na jornada final.

Por sua vez, apesar da decisão terrível, ele continua a se preocupar com a vida de Emilia, sobrevivendo na leitura de uma carta, estabelecendo planos para ela. De certa forma, ele abre uma janela de futuro em que também participa.

O sentido de amor ultrapassa limites espaciais ou físicos, atingindo níveis de parceria e de esperança. Temos a ampliação do significado do amor, que surge na excelência de generosidade e desprendimento.

A mistura acertada dos ingredientes de realidade e de fantasia é o diferencial deste filme inglês. Saímos do cinema com a sensação de que não fomos traídos. E que a história não para nos clichês de um protagonista que deixa de ser mal humorado e da moça desajeitada vira princesa. Mas, o castelo fica presente o tempo todo, em uma recorrência que acaba tendo efeitos.  

São cerca de nove as vezes em que nos deparamos com a imagem do castelo. Na apresentação do filme, na placa do ônibus, na neve, com chuva, refletido em vidros de janelas. E é ainda nesse castelo que os dois chegam às alturas das torres mais altas, com um vento avisando de imensas extensões e infindas possibilidades.

A memória de infância do protagonista nesse seu espaço preferido traz brincadeiras com espada imaginária quando ele incorporava possivelmente o papel de guerreiro a matar dragões. Ele partilha com ela as dimensões de seus sonhos passados. Com ela, ele revive a viagem a Paris com tudo que isso significa de beleza e alegria. Ele já sabia nesse momento que ela precisava abrir na vida maiores limites dos que aqueles que ela vinha experimentando.

Esse castelo é fio condutor desse filme, insistência feliz. Coloquei-me em meio às realidades precária e dura dos protagonistas e me deixei levar pelo cenário medieval, um universo de histórias e fantasia, com todos os sonhos a serem desenvolvidos junto a outros malogrados.

E essa troca de sonhos ocorre entre eles com grandeza humana, generosidade, desprendimento e cumplicidade. Partilharam sonhos e tristezas, viveram amor.

Não foi acaso a escolha do castelo sempre presente. Intencional, a diretora nos conduz às nossas histórias de castelos, com príncipes, espadas e gatas borralheiras que se transformam em princesas. Quem não as tem? Histórias que sobraram da infância (ou não?) em meio às realidade da vida de cada um de nós.