quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

RAINHA VITÓRIA E ABDUL, UMA AMIZADE IMPROVÁVEL

Ana Maria M. González

Não fosse a curiosidade e empenho de uma jornalista, esta história estaria ainda embaixo do tapete e do preconceito da sociedade inglesa de final do séc XIX . Um jovem indiano consegue quebrar o protocolo e se transforma em amigo e confidente da Rainha Vitória. Uma amizade realmente improvável!  E ao mesmo tempo mobilizadora e inspiradora. Vejamos esta amizade e um pouco de história para entender melhor o que ela pode ter representado naquele contexto.

O ACASO

O diretor Stephen Frears construiu um filme que segundo alguns críticos, é adequado para o chá da tarde: VITÓRIA E ABDUL, O CONFIDENTE DA RAINHA (2017). Claro que há nessa qualificação um tom depreciativo. Como opiniões podem divergir, não concordo com elas. Trata-se de um filme bem feito, algo sofisticado e com variação entre tons mais sérios e outros cômicos. Todos com elegância e beleza.

Judi Dench está linda no papel de Victoria e Ali Fazal é um correto Abdul Karim. Interessante dizer que a jornalista responsável pela descoberta da história afirmou que “o filme é 90% fiel aos acontecimentos relatados em seu livro”. Em se tratando de narrativa de cunho histórico essa afirmação não é pouca coisa.

A jornalista Shrabani Basu encontrou na residência de veraneio da rainha do Reino Unido na ilha de Wight, documentos e foi em busca de mais. Seus achados revelaram a história desse jovem indiano (1863-1909) que foi elevado a uma posição de destaque ao lado da Rainha Vitória (1819-1901) a ponto de incomodar a corte inglesa.

UM POUCO DE HISTÓRIA


A história desse encontro foi intencionalmente escondida e provocou desde conversas nos corredores e tramas de todo tipo até confrontos mais sérios entre a corte e a Rainha. Depois de seu falecimento, houve uma queima de documentos e de objetos que pudessem revelar o que ocorrera entre ela e Abdul. Felizmente, a jornalista foi competente em sua pesquisa tendo conseguido desvendar o que estava escondido.

Além da descrição dessa amizade, outro dado pode nos surpreender. A imagem da Rainha Vitória não combina com a imagem que podemos ter a partir do que teria sido a era vitoriana da sociedade inglesa. Ela aparece como uma rainha que se entedia nas reuniões sociais típicas da corte e se transforma em contato com Abdul. Como se enquadraria nesse quadro, a ideia mais ou menos generalizada de uma era vitoriana severa?  

A Inglaterra do século do século XIX, apresentava valores “puritanos” : a poupança, a dedicação ao trabalho, a defesa da moral. Nesse panorama cultural, os homens tinham prioridades e as mulheres eram submissas ficando responsáveis pela manutenção do lar e da educação dos filhos. Havia um moralismo excessivo que chegou à condenação de Oscar Wilde e de Lorde Alfred Douglas por terem mantido um caso amoroso, para citar um caso mais conhecido de repressão de costumes.

Levando em conta estes dados, a Rainha Vitória pode estar um tanto fora do que se esperaria dela dentro desse contexto cultural sendo mulher e sendo rainha, portanto, com papel de mantenedora de um quadro conservador de comportamentos. Ao contrário do que poderíamos esperar dela, observamos que ela se mostra capaz de quebrar regras e de abrir horizontes e novos comportamentos.

ESTE ENCONTRO, OUTROS ENCONTROS

Foto real da Rainha Vitória e do jovem indiano
Segundo a narrativa do filme, o relacionamento entre a rainha e o jovem indiano teria começado por um olhar curioso do jovem que deve ter encontrado o olhar curioso velha rainha. Interessante, né mesmo?

No início do filme, ela aparece visivelmente enfastiada à mesa junto da corte. Nesse posto, ela deve ter se submetido a inúmeros jantares e banquetes próprios a função que desempenha. Sem se lembrar dos outros convidados, ela se interessou pelo jovem indiano que estaria na corte para lhe entregar uma moeda comemorativa. À primeira vista, o jovem indiano foi uma figura fora do esquema formal desse contexto. Quem sabe, um alívio na mesmice desses rituais sociais?  

Esse primeiro encontro entre eles aconteceu em 23 de junho de 1887, quando ele tinha apenas 24 anos e ela já chegava a 68 anos. Daí começou uma relação que se expandiu em assuntos ligados à Índia tendo acendido dentro dela o desejo de conhecimento. E ele tinha o que dizer para a velha senhora, tornada discípula segundo ela mesma que o elevou ao papel de seu mestre. Foram conversas de cunho cultural e pessoal, aulas da língua própria à elite indiana. Tudo isso agradava à velha rainha que rejuvenesceu nesse contato em alegria e disposição.

Mas, isso tudo significava romper normas sociais ligadas a preconceitos e, possivelmente, a interesses políticos. Dessa forma, enquanto viveu, a Rainha Vitória pode proteger Abdul perto de si, nas funções que eram possíveis. Chegou a trazer a família dele da Índia mostrando respeito e atenção.

Porém, quando ela morreu ele foi imediatamente mandado embora e teve seus documentos queimados. Na perspectiva da corte, esse relacionamento era uma exceção a ser evitada: uma amizade proibida.

São muitos os casos de relacionamento como esses que acontecem e muitas vezes, poderiam acontecer. Para que eles ocorram é necessário coragem e muita curiosidade que me parece neste nosso caso, o fator a deflagrar a situação. A coragem é necessária para romper com os preconceitos e para o confronto com todos eles, que serão sempre muitos.  

É maravilhoso que haja um trabalho de pesquisa histórica acordando fatos como esses que nos mostram como a vida acontece em todos os lugares nas ruas ou na corte. São encontros improváveis a nos ensinar como a vida pode ser surpreendente. E como a natureza humana é grandiosa sendo que, nesses casos, não pode ser explicada por critérios comuns. Tais amizades ultrapassam o que julgamos ser o normal, o adequado, o sensato. Mas têm espaço porque há afeto, respeito e admiração.

Claro que podemos encontrar elites ociosas e cortes disfarçadas em outros contextos geográficos e temporais. Cortes que se comprazem em repetidos jantares e formalidades monótonas. Ou outros rituais semelhantes na essência, mantenedores de formalidades vazias de sentido.  Mas, sempre haverá também olhares curiosos como os de Abdul e da Rainha Vitória.

Não percamos essas oportunidades quando passarem por nós! O improvável pode ser maravilhoso! Que esse possa ser um tema para nosso 2018! Que o exemplo de amor e de respeito entre a rainha e o jovem, possa  ser inspirador de olhares curiosos e amplificadores de nossa realidade!

Que o NATAL tenha passado em paz! Que 2018 seja próspero e cheio de saúde!

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

MARIA MARTINS, ARTISTA E MULHER

Ana Maria M. González

MARIA MARTINS? O documentário MARIA, NÃO ESQUEÇA QUE EU VENHO DOS TRÓPICOS descreve sua vida e obra. É uma escultora, gravurista, pintora, desenhista e escritora brasileira. Esposa de embaixador do Brasil. Agora você poderá saber que mulher extraordinária ela foi. Difícil estar entre esses papéis no começo do século XX. Daí o interesse por suas opções. Conhecê-la é estímulo para todas as mulheres, artistas ou não.


UMA VIDA DE MUITOS PAPÉIS

"Eu sei que minhas Deusas e sei que meus Monstros

sempre te parecerão sensuais e bárbaros.
/.../"você esquece
que eu sou dos trópicos, e de mais longe vinda,
vc esquece tudo isso, que de mais longe vindo
se mistura ainda nas minhas veias/.../”



O documentário MARIA, NÃO ESQUEÇA QUE EU VENHO DOS TRÓPICOS, com direção de Francisco C. Martins e Elisa Gomes, apresenta com inteligência uma quantidade enorme de entrevistas com historiadores, artistas, familiares da artista e especialistas do mundo das artes, além de imagens das obras de Maria (filmes e fotos). Além disso, o bom uso da linguagem do cinema e muita sensibilidade realizaram um filme lindo. Aquela sensação meramente jornalística que temos de documentários passa longe. 

Fiquei entusiasmada e, depois de assistir a essa obra-prima, li uma biografia de Maria Martins e andei por conteúdos dispersos pela internet. Por que motivo? Para saber mais a respeito de como ela construiu sua biografia e sua obra de artista.  

Maria nasceu em Campanha( 1894) e morreu no Rio de Janeiro (1973). Separou-se do primeiro marido, o historiador Otávio Tarquínio de Sousa, com a desaprovação da família, o que não deve ter sido fácil naquela época. Essa rebeldia, custou-lhe a perda da guarda da filha.

 Seu segundo marido foi o diplomata gaúcho Carlos Martins. Com ele, viveu parceria de objetivos e modo de vida. No papel de esposa de embaixador, ela viveu no Japão, Europa e nos EUA e participou de inúmeras atividades sociais e culturais, papel que desempenhava bem com sua beleza e personalidade vibrante.

Na Bélgica estudou com Oscar Jespers. Em Washington com Jacques Lipchitz, com quem aprende a trabalhar o bronze, abandonando o figurativismo. Quando monta um ateliê em Nova York, começa uma fase de dedicação intensa a sua atividade artística. Participou de mostras coletivas e em 1941, ganha uma exposição individual em Washington. Nada mal para quem teve em 1939 uma exposição abortada por causa da guerra, quando ainda estava na Europa.

Essa mesma guerra trouxe grande parte dos artistas para os EUA. Nessa época, então, conhece André Breton e, a partir dele, entre outros Piet Mondrian e Marcel Duchamp (com quem teve um relacionamento amoroso). Maria teve contato com todos, sabendo se dividir entre os compromissos de embaixatriz e os parceiros de sua vida de artista.

A partir da década de 50, voltando para o Brasil desempenhou papel essencial na propagação da arte tendo sido importante na organização das três primeiras Bienais de São Paulo.

Quando surgiram dificuldades para esculpir, começou a escrever. Foram artigos para o Correio da Manhã e livros sobre a China, a Índia e Nietzche. Elaborou outros assuntos como religiões e mitos que se fizeram presentes em sua obra de escultora.

Nesse percurso de mais de sete décadas, sua obra apresenta múltiplas expressões. E a escultura foi a mais produtiva. Mas, o que há ainda em sua história?  Falta a obra propriamente dita.

A OBRA

Dividida entre a vida de embaixatriz e a da escultora ela construiu uma obra que já ganhou sala especial na Bienal de SP em 1998; retrospectiva em Nova York (1998), cujo catálogo traz textos de André Breton, Micjel Tapie, Amedée Ozenfant e Murilo Mendes; biografia em 2004; retrospectiva no MAM-SP pelos quarenta anos de seu falecimento (2013) e documentário este ano. E esta lista não é completa.

E como são as esculturas de Maria? Formas intensas, tocadas por uma tensão emocional expressas em torcidos e retorcidos que impressionam. A própria Maria qualifica suas formas como deusas e monstros.

Maria Martins era “uma mulher de força extraordinária” e expressa esse vigor em suas peças. Há nelas uma vida e erotismo intenso. Suas figuras apresentam mãos e pés “que têm fome de espaço”, de acordo com um entrevistado. Falam de desejo e de uma fêmea devoradora.

A artista traz para suas formas uma energia selvagem junto a especial criatividade. Tendo entrado em contato com a Amazônia, incorporou seus mitos e suas divindades, “seu animismo e sua fecundidade tropical”.

Em toda sua obra, podemos perceber inquietação e ousadia. Podem ser, sim, formas que perturbam quem as observa por indicarem experiências humanas e misteriosas. É assim a escultura de Maria Martins: representa forças da natureza humana que gritam e nos mostram o que nem sempre é claro na existência humana.

Uma de suas peças que marca mais claramente esse aspecto quase primitivo é “O impossível” de 1946 que mostra duas criaturas possivelmente uma feminina e outra masculina, com cabeças em forma de tentáculos ameaçadores uns na direção dos outros.

Os especialistas nas artes identificam nessa obra o processo da atração sexual e da ameaça de morte. Talvez exista nele a expressão do amor como impossível. As formas se tocam e se repelem, contrapondo contato e perigo. Talvez essa peça represente o relacionamento entre ela e Marcel Duchamp.

Com charme e elegância foi esposa de embaixador, cumprindo todos os papéis sociais. E também foi a artista talentosa e com obra de repercussão internacional. Assim foi Maria, por quem Duchamp se apaixonou conforme demonstram as cartas que ele escreveu depois que ela voltou ao Brasil e que são lidas no documentário. Esse amante saudoso talvez tenha sido o parceiro na arte. Mas isso é apenas uma suposição da minha imaginação.

Pergunto-me como teria sido o relacionamento de Maria com Duchamp. Pelo documentário ficamos sabendo que a influência de um na obra do outro foi grande. Do ponto de vista pessoal, ela manteve seu casamento e família. Ele escreve cartas suspirando longamente seus desejos não mais preenchidos e sua saudade, os resmungos pela distância, a necessidade, a esperança de um novo encontro, tudo o que os amantes sofrem. Tudo está lá em delicadas cartas de amor.

Confesso uma curiosidade que se alonga também por essas paragens mais pessoais. Coisa de fã, quase de tiete. Maria Martins, além de ter sido eficiente nas recepções sociais, você foi artista e amante de Duchamp!

O crítico de arte Jayme Maurício (1926 -1997) diz a respeito dela: “Maria foi a personalidade que, sem abdicar jamais de sua feminilidade, representou no Brasil moderno do século XX tudo o que significou o surrealismo, na arte da escultura, na literatura, no sonho, na psicanálise, nas ciências, na política, no erotismo, na eterna busca do "Eu" e do "outro ", desde a natureza pujante da Amazônia à estratificação da mulher e sua atuação decisiva na virada do século”. Incrível, não é mesmo?

Maria nasceu mineira e morreu mulher da arte e do mundo. No recorte deste artigo, faltaram muitas informações a respeito dela. Que eu possa pelo menos ter deixado com você um pouco do retrato de uma mulher de uma força extraordinária.


PS:  Seguem o link para as entrevistas do comentário de 2017 e a indicação bibliográfica da biografia lida. https://www.liligopro.com.br/maria  (entrevistas)
Maria Martins, uma biografia . CALLADO, Ana Arruda. RJ: Gryphus;  Brasília, DF: Ministério da Cultura; BH: CEMIG, 2004.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

ADOLESCENTES E FANTASMAS ITALIANOS

Ana Maria M. González


Dois adolescentes e a presença das disputas da Máfia. Imaginação, excelente fotografia e direção. Eis os ingredientes para este bom filme: O FANTASMA DA SICÍLIA. A entrevista com os diretores, que estiveram em SP a convite da organização do evento, deu-me elementos para uma reflexão a respeito de aspectos da arte do cinema e da formação de público jovem. 

NOVIDADES DOS FESTIVAIS DE CINEMA 

Aconteceu em setembro último em oito cidades brasileiras um festival de cinema italiano, iniciado em Lisboa (2008). Tive a oportunidade de entrevistar os diretores Fabio Grassadonia e Antonio Piazza desse filme, que foram convidados pela organização do evento para vir ao Brasil. Esse seu segundo longa abriu a Semana de Crítica do Festival de Cannes deste ano e vale lembrar também que eles ganharam o prêmio revelação de Cannes em 2013 com seu primeiro no longa metragem (SALVO).

Este filme é uma adaptação do conto “Non saremo confusi per sempre” de Marco Mancassola e parte de um incidente real ocorrido na Itália nos anos 90, em que Giuseppe Di Matteo é sequestrado. Sua amiga e namorada (Luna) sentindo falta dele na escola, sai em busca de solução. É a partir de sua busca que se constrói a narrativa com características de sua imaginação e boas doses de desconsolo, tristeza e saudade. 

A entrevista que os diretores me concederam ocorreu em uma tarde clara à sombra de uma larga árvore. Foi interessante saber como anda a opção pelo cinema entre os jovens italianos e como esses diretores lidam com essa questão. Muitas semelhanças com o que ocorre no Brasil.  
 

CINEMA E LITERATURA     

A história do filme se baseia em um texto literário  e nos faz lembrar de Romeu e Julieta, também italianos. E fomos indagar o motivo desta escolha. Segundo os diretores, a garota Luna que é uma personagem inventada, permite a Giuseppe a experiência do amor que ele não teve em vida. 

E esse era o único ponto possível de ingresso na história porque a realidade era dura demais. Sem essa mudança, o filme contaria uma história sem esperança e eles desejavam que o filme fosse um ato de amor à história de Giuseppe. 

Luna é solitária, criativa e gosta de ficar quieta, fechada, escrevendo e desenhando. Não tem um contato fácil com o mundo natural que a circunda. Ela afirma que se sonhamos qualquer coisa, podemos dizer que isso existe. 


Giuseppe, ao contrário, é um garoto social, de comportamento vital, em harmonia com a natureza. Ele era apaixonado por cavalos e chegou a ter sucesso no salto de obstáculos na região em que morava. Era intenção dos diretores manter dados da realidade de Giuseppe. 

Temos a insatisfação e rebeldia dos adolescentes em contato com o inalcançável mundo do adulto com suas questões sociais e políticas. Por outro lado, temos também outras realidades criadas que abrem espaços para a experiência de amor. A possibilidade do amor entre os jovens é construída na imaginação. É no céu que eles se encontram, já que Giuseppe está no inferno. Trata-se de uma realidade escura em que não há tempo, imóvel, em que o casal se encontra a despeito do tempo da morte. A imaginação ganha a função nobre de salvar a humanidade. 


Além de cavernas e águas profundas, temos a cena das colunas gregas no alto de um monte, perto da praia, à frente da extensão imensa do mar. Há vento e horizonte. Esse espaço surge duas vezes e é a imagem da beleza siciliana que resiste a tudo, ao longo dos séculos e que se confronta à brutalidade, como se essa beleza fosse um baluarte contra o mal. 

Segundo os diretores, ainda que haja a opressão na Sicília, os garotos sabem reconhecer o valor dessa beleza. A experiência de dor faz Luna aprender a viver. Nesse espaço atemporal, ela refaz sua sensação de vida.

                             
AS PREFERÊNCIAS DOS DIRETORES

A literatura e a experiência como roteiristas fizeram parte da formação dos diretores e contribuíram sobremaneira para a realização dos dois longas, já que eles não fizeram um curso técnico de cinema. O seu método de trabalho acontece durante o processo de escrita. Nesse momento todos os detalhes de cenas, fotos e som são pensados. 


Sua prática de cinema tem um compromisso de refletir sobre a realidade, mas também de formar público. Por isso O FANTASMA DA SICÍLIA é um filme dedicado a um garoto siciliano e foi desejo que ele chegasse ao público jovem. Diferentemente de um filme de autor, que muitas vezes tem ambições intelectuais, eles tiveram a intenção de acompanhar o expectador em uma viagem emotiva, de modo a não passar pelo filtro protetivo da intelectualidade para que ele se abandonasse aos sentimentos dos protagonistas da história. Fábio e Antonio desejavam entrar na história com o coração, com a intensidade de uma experiência sensorial, pelas imagens. 



O público jovem em geral não gosta dos filmes italianos considerados por ele pouco interessante já que há uma natural preferência por aventuras e filmes de outras mídias. O que tem acontecido com esse filme é diferente e realiza as intenções dos diretores. 

A partir dessas observações, perguntei então o que é cinema para eles. Para Antonio Piazza, que respondeu sem hesitação, o cinema é o sonho, é sonhar. “Nosso imaginário cinematográfico guarda um legado do cinema clássico.”
 
Fábio Grassadonia expressa uma experiência pessoal. Em sua aproximação com os livros e com as narrativas sempre houve a participação da mente. Mas o cinema, que viveu desde pequeno com o pai, é uma experiência de se abandonar às emoções daquilo que está sendo visto. Ele diz: “Ainda que eu estude cinema, que ensine, que me interessa como funciona a máquina, quando vou ao cinema, vivo uma experiência emotiva.” No contato com a narrativa, com os livros, ele diz ter a possibilidade de afinar seus instrumentos e recursos. “No cinema, tenho a experiência de ser um expectador. ” 

A entrevista elucidou algumas intenções e ideias dos diretores acerca desse filme e de como eles desenvolvem sua obra. 

Mas, ainda há muito a ver nesse filme que traz um universo de metáforas e poesia, uma realidade em que o amor se torna possível a despeito da morte. Encontramos cores escuras, surpresas e mistério, um mundo lunar. E também uma praia, um mar imenso e colunas gregas atemporais, um mundo solar. Um filme que gera mundos de arte e de beleza. 

Mas, mais que tudo isso, é um filme que nos comove o coração e nos oferece uma experiência que além de estética é também emotiva. Mais uma expressão da arte do cinema.

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

A CIDADE E EU

Ana Maria M. González

Como você vive a cidade em que mora? Pergunta estranha? À primeira vista sim, mas nem tanto se percebermos que ela pode nos fazer entender o paraíso ou o inferno do nosso dia-a-dia. Algumas mudanças são possíveis em nossos hábitos urbanos? Vivemos em um labirinto ou um espaço coletivo? Como acabo colecionando histórias da cidade? Estes são nossos assuntos de hoje. Leia e comente.

MUDANÇAS

Cansada de carro e de trânsito congestionado, há cerca de três anos eu comecei a andar de ônibus. Vários motivos foram se acumulando e aos poucos passei a observar o transporte público com mais simpatia. Menos tempo em imensos congestionamentos naquelas vias em que isso se repete ad eternum, mais movimento para minhas pernas que sinto mais fortes, menos gastos abusivos em estacionamentos, uma colaboração para a diminuição de monóxido de carbono no ar coletivo.

Como se tudo isso não bastasse, descobri outra cidade e outra população. Fiquei mais próxima de muitas histórias que se contaram perante meus olhos. E conheci um blog de gente que defende uma forma de pensar mais contemporânea. Por exemplo, como quebrar paradigmas comportamentais e preconceitos a fim de gerar uma cidade mais humana? Simpático, não é mesmo? E há números a corroborar essa questão. Vamos a eles.

PRO COLETIVO

Dados estatísticos mostram números assustadores por prejuízos no tempo perdido nos deslocamentos, por efeitos da poluição na saúde pública e por mortes no trânsito. A substituição por outras formas de mobilidade como o transporte público, o pedestrianismo e o ciclismo, podem mudar esses números, evitando desastres e tornando a cidade mais gentil e possivelmente, mais humana. 

Anna Paula Serodio, uma das fundadoras do blog PRO COLETIVO (https://www.procoletivo.com.br/blog) explica: “Pretendemos desenvolver uma nova visão de valores e hábitos, pois a cultura atual ainda é fortemente apoiada no carro individual” Ela continua: “Queremos facilitar a conexão das pessoas com a cidade de São Paulo e com sua coletividade para que elas vivam a “cidadania ativa”: as sociedades com cidadãos ativos funcionam melhor do que as que estão voltadas para o individual por promoverem a solidariedade, a empatia e a preocupação com o próximo e com o ambiente”.

Bonitas palavras, tudo isso parece tão sensato e fácil. Mas não é. Mudar hábitos e cultura demandam tempo, pois, o desenvolvimento de tais mudanças só poderá acontecer junto a uma nova consciência a respeito desses assuntos. A noção do que o coletivo é boa alternativa ainda não está tão clara para nossa sociedade. Daí a necessidade do trabalho do PRO COLETIVO e de pessoas que possam colaborar na disseminação dessa cultura em uma ação conjunta pelo bem de todos.

Há uma frase que sintetiza o que há por ser feito: “País rico não é aquele em que pobre anda de carro, é aquele em que o rico anda de transporte público”. Quando poderemos dizer que temos essa riqueza social mais perto de nós?

Argumentos contra esse hábito a favor do transporte público são, entre outros, a questionável segurança pública e o mal estado das calçadas. Mas, sempre teremos argumentos contra.  Como otimizar os argumentos a favor dessa cidade mais humanitária?

MEUS CAMINHOS PELA CIDADE

Na história de como surgiram as cidades, Lima de Freitas, artista e pensador português (1927-1998) nos diz que “Invertendo sua primitiva função de dispositivo de proteção, que concentrava e fazia convergir os esforços do clã, garantindo a vida comunitária, a cidade ressuscita a figura tenebrosa do Minotauro, devorador de homens.”

Sem dúvida, concordamos com ele. A urbe ganhou complexidade descomunal que não tem piedade de nós. Somos todos cúmplices dessa sensação de sermos devorados. Minotauros nos espreitam a cada esquina.

Mas, também há hoje em dia novas ideias a respeito dessa construção urbana, que acabou ao longo do tempo gerando tantos efeitos perversos para a população. Há propostas de novas posturas diante desses labirintos, que se não podem ser extirpados nem substituídos, podem, quem sabe, passar por uma releitura. Como transformar nossa experiência desse labirinto em que nos movimentamos? Novos pensadores arejam outras perspectivas acerca da vida urbana.

Uma cidade é espaço público, diz o pesquisador Jordi Borja, geógrafo e urbanista espanhol. “O espaço público é também, e antes de tudo, espaço de uso coletivo, livre, heterogêneo, multifuncional, de convivência, integrador, carregado de sentido, de memórias, de identidade. Proporciona bens e serviços aos cidadãos e permite promover a redistribuição social mediante formas de salário indireto. No espaço público os cidadãos se reconhecem mutuamente como tal, sujeitos a direitos, livres e iguais. Neste espaço afirma-se, por sua vez, a individualidade de cada um e a existência de uma comunidade de pessoas que mantém os laços solidários e valores contraditórios. O espaço público é o âmbito de expressão política, a favor ou contra os podere s existentes”.

Ou seja, uma nova concepção urbana é possível. Não mais o labirinto. Resisto a ser devorada por formas de medo sutis e outras nem tanto.

Surge pouco a pouco uma nova perspectiva de espaço público a ser partilhado e ocupado por postura política e social em que podemos ser capazes de novas funções. Há um discurso que aposta nessa recomposição da urbe, que pode ser lida como espaço a ser partilhado na diversidade e multiplicidade. Riqueza a ser cuidada.

De forma não muito clara, eu também acreditei nisso quando comecei a deixar o carro pelo ônibus. E essa atitude foi apenas o começo de algo surpreendente. Descobri desde então outros caminhos e uma nova convivência com gente com que dificilmente eu entraria em contato. Agradeço essa oportunidade que me foi dada pelas circunstâncias de estar em outros veículos de transporte. Me vejo diante de situações inusitadas, engraçadas, tensas. Me sinto parte de uma coletividade, compondo uma identidade grupal. Me alimento de significados imprevistos em meio a um convívio que integra, amplia, apaixona. Talvez isso seja uma espécie particular de cidadania.

Mas, minha imaginação se liberta nessa paixão pela cidade, que por não ser mais só labirinto, ganha outras expressões. Observo e mantenho comigo fios de muitas ariadnes que me habitam em convivência possível com minotauros e teseus a se defrontar também dentro de mim. E mais do que isso, também pressinto que seria bom criarmos novas personagens que representem essa nova cidade. Como se definirão elas? Onde estão?

Enquanto isso, nessas andanças por coletivos, perco-me nesta cidade tão minha com distração e reflexões, momentos de poesia, às vezes dúvidas, muita paixão e amor.

Mas, além de me perder, por efeito generoso da mesma urbe labiríntica, sinto que ela é também mandala a me emprestar terreno e consciência, a me dar direções e imagens de mim. Nela, sou mais do que eu mesma, em ritual de pertencimento sou manifestação espacial de um imenso coletivo. 



terça-feira, 29 de agosto de 2017

QUAL É O FILME DE SUA VIDA?

Ana Maria M. González

O título O FILME DA MINHA VIDA é inteligente. Onde entra o cinema na narrativa deste filme? No início de forma sutil, lá pelo meio do filme de forma mais direta. Sem percebermos ele está presente o tempo todo, enviesado. O título é muito mais do que um truque da criatividade do diretor Selton Mello. Leia o texto e assista ao filme.

O FILME

Selton Mello tem presença na TV e cinema brasileiros como ator, dublador e menos frequentemente como diretor. Larga lista de prêmios. Quem poderá esquecer de O PALHAÇO? A mesma sensibilidade que ele desenvolveu nesse filme, acontece neste que nos interessa hoje.

Baseado no romance chileno Um Pai de Cinema de Antonio Skármeta, nos traz a história de Tony (Johnny Massaro) que viaja para a capital para se formar professor de francês. Quando retorna a Remanso, pequeno povoado na Serra Gaúcha, descobre que Nicolas (Vincent Cassel), seu pai, estava indo embora no mesmo vagão para a França seu país de origem, sem muitas explicações.

Ele não entende nem aceita a opção do pai. Acompanhamos nostalgia em seus olhos tristes e lembranças infantis dos tempos que vivera junto a essa figura tão forte em sua vida.

Onde anda meu pai? Por que motivo ele foi embora? Sua mãe também sofre essa ausência. São duas pessoas em estado de saudade. O que fazer nessa hora? Paco (Selton Mello) parece querer ocupar o papel aberto pela ausência do pai junto de Tony a quem aconselha e junto a bela mulher que é sua mãe.

No desenrolar da narrativa, assistimos às experiências de Tony passando pela atração do sexo, pela vida emocional de alguém recém-saído da adolescência. Ser jovem é viver incertezas que promovem insegurança e escolhas que são delongadas ao máximo. Essa é a toada do cotidiano de Tony. O tempo é que vai dizendo as respostas e soluções. Mas em meio a esse quase marasmo, ser jovem é também descobrir emoções de beleza e arte.

O TREM E O CINEMA

Como todo filme especial, temos detalhes. Muitas vezes as sutilezas do cinema podem ficar escondidas na trama que nos atrai. Observar a transformação de Tony, o sofrimento de sua mãe e a presença dos alunos da escola, tudo é envolvente e está dentro do que se espera das boas histórias. Mas, há mais.

Uma dessas sutilezas, por exemplo, é a cor amarelada da fotografia competente de Walter Carvalho. Essa escolha nos envolve com calor, com sugestões de brilhos solares. Tempo de amadurecimento. Traz também uma sensação de coisas amarelecidas e guardadas em grandes gavetas. Tempo passado? Tempo de amadurecimento e calor? Os dois?

E a trilha sonora faz parte desses aspectos que compõem estratégias do bom cinema. Quando a primeira música acontece, ela chega grande e quente na voz de Charles Aznavour (J'avais Vingt Ans). Outras, como Coração de Papel de Sérgio Reis e The House of The Rising Sun (The Animals), compõem o quadro de época. Com extrema elegância, I Put a Spell on You na voz de Nina Simone emociona, assim como a Habanera da ópera Carmen de Bizet. São toques de beleza não acidentais em um filme de muitos silêncios e em que os diálogos são meticulosamente colocados.

São os olhares e o trabalho de câmera fechado nos rostos, os sons e as cores responsáveis em grande parte pela construção do cenário e da história.

E há o trem. Logo na primeira cena do filme surge o apito e o barulho das máquinas. Vemos os trilhos que se alongam paralelamente à estrada de terra que segue para um mesmo destino à frente. Ele atravessa a história estabelecendo ligações importantes entre duas cidades e dois tipos de vida.

A viagem de trem que surge como elemento de conexão entre a pequena cidade e a outra que tem comércio, cinema e bordel. Na pequena distância entre elas, permanece um intervalo de espaço a ser percorrido se houver o desejo de algo diferente. São tempos e ritmos diferentes. Essa separação geográfica parece permitir que Remanso fique como está sempre, um lugar em que um relógio pode ficar um mês parado e em que ponteiros de outros relógios parecem estar sempre no número doze. O tempo existe? Talvez não e talvez seja essa a pesquisa que Luna faz com suas fotos. Uma marcação essencialmente emocional de momentos particulares.

O trem leva as pessoas para resolver suas questões como diz o maquinista (Rolando Boldrin) que reconhece que seu trabalho é belo. É esse sábio homem que leva Tony para assistir ao filme de sua vida, a partir do qual pode reencontrar seu pai.

As primeiras palavras do filme dizem que o início e o final do filme são o que interessa. Mas depois Tony entende que o meio também pode ser importante. Seria esse meio o caminho do jovem que se se percebe homem capaz de se dar o direito de andar na motocicleta do pai? Aos poucos percebemos mudanças em seus olhos jovens. O meio de história seria a aprendizagem de seu ritual de crescimento?

E o cinema carrega na tela os heróis e as cenas de luta que parecem garantir um encantamento para Tony. Outra herança de seu pai. No cinema está a experiência mágica do Rio Vermelho, um faroeste de aventura, desafios e sedução. Os olhos de Tony brilham magnetizados. Seus pés flutuam acima do cotidiano. Trata-se do filme da vida dele.

E, agora cabe a pergunta: Qual é o filme da sua vida? Pode haver muitos, mas a questão é escolher um, talvez mais. Eu adivinho que a lista pode se alongar. Mas tente forte encontrar um que lhe fale fundo na alma. Aquele que você assistiria inúmeras vezes até no mesmo dia.  Aquele que de forma encantatória o levaria a flutuar do chão, porque a história traz um sinal de afinidade essencial, diálogos ou aquela paisagem que estimula a imaginação. Aquele que traz qualquer coisa boa ainda que pouco identificável.

Do que estou falando? De cinema. De imagens que me ligam a um tempo imemorável dentro de mim. Da existência quase reais de narrativas acontecendo, como se houvesse algo no ar e também na forma da cadeira no escuro do cinema, no som que sai de todos os lados dessa sala fechada. Nesses momentos, estou fora e longe de tudo. Abduzida e arremessada a um espaço atemporal mas cheio de imagens. No cinema, recebo imagens e histórias que liberam minha imaginação. Flutuo como Tony quando a história fala comigo.

O que é essa magia de imagens se desenrolando à nossa frente e falando conosco? Você saberia me dizer?

Selton Mello homenageia essa magia. Há também um grande amor ao cinema nesse filme.  Enfim, o título mostra a que veio. Qual é mesmo o filme de sua vida?

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

O ECLIPSE SOLAR E USAIN BOLT

Ana Maria M. González

Ninguém duvida de que ele é um campeão. No conjunto de sua biografia não é relevante ele não ter finalizado a última corrida da carreira.

Mas, para nós astrólogos, é um prato cheio. Ele tem o Sol a 28´20 de Leão, o grau exato do eclipse solar total que ocorrerá no dia 21 de agosto deste ano, no grau 28´53 desse signo (21/08/1986, Falmouth, Jamaica).

Eis uma manifestação explícita do eclipse solar cuja interpretação e análise têm sido postadas a contento na internet.

Dois rápidos comentários podem ampliar nossa perspectiva acerca desse evento para o grande atleta. O primeiro, algumas vezes repetido diz que essa falha mostrou que ele é humano. Isso é por trabalho e competência. O Rei Leão teve sua juba chamuscada.

O segundo vai na linha de outros comentários da mídia. Encontramos indicação de que “nas últimas três semanas, ele teve muitos problemas”.

Não encontrei esclarecimento para essa afirmação, mas sabemos que na época das competições do Rio de Janeiro, ele também tinha dúvidas de que as cãibras poderiam complicar sua participação. Na verdade, o problema que o tem acompanhado é esse: cãibras na musculatura das coxas.

Mas o momento de sua ocorrência é que nos interessa, ou seja, houve um tempo específico para que esse problema ocorresse e tivesse efeito tão forte. Ainda que não diminua o talento nem minimize suas vitórias, trata-se de uma enorme frustração pessoal: malogro, desalento, insatisfação. Ou seja, para ele significou uma experiencia maior pois além do eclipse propriamente dito, observamos que ele tem um quadrado entre Sol e Saturno que também é ativado. 

Para ele, trata-se de um fato desagradável a ser elaborado nas esferas pessoais. Para nós, mais um fato a comprovar a força dos eclipses e de seus efeitos.