quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

PABLO NERUDA

“Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: “A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros, ao longe”.
O vento da noite gira no céu e canta.”
 NERUDA

O universo de Pablo Neruda por se situar entre a literatura e a política, sempre abre possibilidades para mais uma abordagem no cinema. De uma, outra ou das duas. O filme NERUDA privilegia qual delas? Segundo a crítica, ele passa ao largo da política e privilegia a literatura. Será?


PABLO NERUDA






‘’Por estes mortos, nossos mortos, peço castigo.
Para os que salpicaram a pátria de sangue, peço castigo.
Para o verdugo que ordenou esta morte, peço castigo.”
NERUDA

O filme chileno NERUDA é dirigido por Pablo Larraín se passa em 1948 e apresenta Pablo Neruda (1904-1973) como senador e membro de um partido político que será logo colocado à margem da legalidade. O governo autoritário do presidente Gabriel González Videla radicaliza e inicia um tempo de perseguição aos que são contra suas posições. O povo e a figura do poeta sofrem com isso. Porém, ele tem saída e inicia uma fuga da perseguição que é montada para prendê-lo. Esta é a história do filme cheia de cores e de lances de aventura.


Neruda (Luis Gnecco) e o policial Oscar Peluchonneau (Bernal) encarregado de prendê-lo, entram em um jogo que vai além das ações esperadas por suas funções. Tal perseguição ultrapassa as intenções políticas e ganha um colorido literário. No conjunto há momentos de humor e ironia, muita leitura de poesia, muita poesia nos diálogos. Linda fotografia.

O cenário político tem presença importante, mas é a poesia que ganha relevos em todos os passos dessa história. O que o poeta escreve tem como objetivo as dores de seu povo, que se reconhece em seus versos que expressam ideais, dando consistência à luta pela sobrevivência em um contexto perverso. Essas funções dos versos são claramente demarcadas nas situações.

Mas, há também uma crítica indiscriminada a poetas e a atores políticos, da esquerda ou da direita e que nos põe a repensar conceitos. Todos são igualados abrindo espaço para nossa reflexão: “A esquerda chilena, são felizes, intelectuais, viajam, voltam felizes.” ; “A higiene é um hábito burguês. Não limpar é um ato político”; “Os comunistas não gostam de trabalhar.”; "Poetas pensam que o mundo é algo que imaginaram”.

A PALAVRA E A LITERATURA

A história central da perseguição vai se transformando e ganhando os contornos de um jogo ou de uma performance em que os protagonistas trocam sinais que somente eles entendem.

Oscar encontra o primeiro livro deixado na máquina de escrever com a dedicatória simples e direta: “Venha nascer comigo, irmão policial.” Um chamariz, uma isca. Oscar não consegue escapar do jogo armado por Neruda.

O policial sente um encantamento pela casa, pelos textos, pela vida do poeta. Escuta a confissão do cantor da casa noturna, um milagre! Percebe que a adolescente pedinte da rua ganhou o paletó do poeta e outro livro. Por onde Neruda passa,  deixa um doce rastro de sua pessoa.

Todos querem estar perto dele. Ele é adorado. O convite diz para ele: vem nascer comigo, irmão policial. Seria esse um encontro que mudaria sua vida? Dessa forma deixaria de ser o filho da prostituta rejeitado pelo pai? Deixaria de sentir a humilhação ante palavras como as do cantor: “[Neruda me falou] de artista para artista, com respeito humano. Você não vai entender isso nunca, policial”. Sairia ele da condição de habitar uma página em branco?

Enquanto Oscar vai se afundando nos versos de Neruda, vai se instalando nele uma obsessão.  Segue na tarefa de policial. Será o protagonista principal dessa história? Mas sua mente se expande em imaginação sem limites. Sonha e se confunde. Na verdade, cada vez mais, quer também se aproximar dessa personagem em que todos se reconhecem.

Até que a perseguição fracassa e a morte chega.

Mas o jogo continua em outro nível de realidade. Uma ficção? Haverá outra saída para ele? Pode ainda nascer com o poeta, iniciar outra vida de significados?

A nomeação por Neruda é a sua salvação. Ele ganha nova vida a partir da palavra falada.  Uma existência garantida pelo poder da palavra. Eis a poesia e a literatura, que dá vida e significado, que refaz o que ficou imperfeito, incompleto, sem sentido.

Assim como o poeta deu a seu povo palavras que deram sentido a seus sonhos – “poemas de fúria, de um futuro imaginário”, Neruda faz Oscar eterno. “ Sua arte me deu vida.”, ele diz.

Sim, este filme é uma homenagem à literatura e ao poeta Neruda. Seguindo os livros deixados por onde ele passa, Oscar tem um fio de Ariadne que impede o herói de se perder no labirinto. É a salvação, o poder libertador da literatura, sinais de um caminho para o desvendamento do segredo e do mistério.

As repetições dos textos por sua voz, em uma leitura com ritmo e tom próprios ao longo da narrativa, destacam o caráter diferencial da palavra poética. Essas repetições são um mantra em que ocorre o nascimento pela fala, pela palavra, ou seja, a mesma nomeação que dá nova vida a Oscar. Temos a metáfora de um renascimento a cada texto poético.

Também podemos lembrar das palavras de sua mulher Delia ao se despedir dele: “É lindo estar contigo, é como viver em um bairro com árvores.” Ou ler mais alguns versos do poema da abertura deste artigo. Ou ler mais alguns versos do texto da abertura para nos sentir mais perto de Neruda e da sensação de libertação e de vida da palavra poética.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Que importa que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.


PS: Visite o link  do poeta Pablo Neruda http://www.fundacionneruda.org/en , organizado a partir dos últimos desejos e testamento da viúva Matilde Urrutia. Especial é a leitura dos poemas por Neruda, cuja entonação se repete no filme em questão.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

MINHA EXPERIÊNCIA COM VALDENIR BANEDETTI POR DOUGLAS MARNEI

Muitos de nós se lembram do astrólogo Valdenir Benedetti que nos deixou em 2009. Ele desempenhou vários papéis na comunidade astrológica do Brasil e em especial aqui em São Paulo. Ele fundou escolas, organizou eventos e deu luz a vários livros de Astrologia. O astrólogo Douglas Marnei nos traz alguns aspectos de seu trabalho e algumas de suas características pessoais. Trata-se de um relato pessoal delicado e bonito. Leia o texto a seguir e participe desse trabalho de resgate. São bem-vindas contribuições nessa tarefa de construção de memória. 

OBS: Esse trabalho faz parte da pesquisa que se desenvolve a respeito da HISTÓRIA DA ASTROLOGIA EM SÃO PAULO. Sua colaboração é bem-vinda! 




Nós bebemos na mesma fonte, tivemos aulas com o professor Wanderley Vernili quando iniciei meus estudos de Astrologia no período de 1977 a 1979. O professor Wanderley dava aulas de graça para uma turma de mais de 100 alunos em um salão paroquial na Vila Nova Conceição. As aulas eram ditadas e os alunos tinham que anotar rapidamente os ensinamentos, para aprimorar o Mercúrio segundo o mestre.

Interrompi os estudos por cinco anos devido ao nascimento de meu filho Icaro e retornei em 1984 com o colega Maurice Jacoel e depois com outros professores. Soube que o Valdenir teve uma escola de Astrologia na Vila Madalena junto com o Edmur Balle, meu amigo de infância da cidade de Pompéia no interior de São Paulo. Ambos tinham sido alunos do professor Wanderley e evoluíram para a condição de professores.

Em 1991 Valdenir e Cintia Turella di Stasi, sua parceira da Cintila Eventos, trouxeram a astróloga Donna Cunningham para o Brasil. O evento aconteceu nos dias 24 e 25 de agosto na Sala São Luiz, na Avenida Juscelino Kubitschek. O livro “Plutão no seu mapa Astrológico” da simpática astróloga americana havia sido lançado pela Editora Pensamento e os temas tratados no Seminário foram Plutão, evidentemente, e terapia com florais.

Logo após comecei a ter aulas com o Valdenir na Escola Planeta de Astrologia na Rua Pamplona, cujo primeiro logotipo foi elaborado pela Artista Plástica e Astróloga Mônica Grohmann (vide ao lado). Foram vários anos de cursos com uma turma assídua quando construímos uma grande amizade.

Valdenir utilizava algumas técnicas de interpretação como a que foi denominada de “provolone”, devido ao formato do gráfico, no qual diante de uma determinada questão Q, procurávamos o Indicador Universal, o Indicador Essencial e o Indicador Acidental. Por exemplo, em uma determinada questão de valores trazida pelo consulente, procuramos primeiramente a Vênus do mapa, que é o Regente Universal da Casa II. Depois vemos o regente da casa II do mapa em questão, que é o Indicador Essencial e por fim, caso houvesse um ou mais planetas na Casa II, estes seriam os Indicadores Acidentais.

Outra técnica que ele costumava aplicar era a do Oposto Simbólico, por onde fluía a expressão inadequada dos signos. Define-se um outro diagrama no Zodíaco onde cada signo tem seu Oposto Simbólico, sobre a tese de que os do elemento Terra se opõe aos de Fogo e os do elemento Ar se opõem aos de Água.

A Árvore dos Dispositores também era utilizada como acessório para a interpretação dos temas. Era uma outra estrutura de relacionamento dos planetas no mapa baseada na regência moderna dos planetas sobre os signos, onde o regente tem a sua disposição os ocupantes de seu signo. O topo da estrutura eram os planetas domiciliados que hierarquicamente dispunham dos demais e assim sucessivamente. O interessante é que cada mapa tem uma árvore própria, como se fosse uma impressão digital.

Valdenir desenvolveu também uma estrutura do mapa baseada nos arquétipos junguianos e na obra de Carlos Castañeda , onde o Guerreiro, o Mago, o Amante e o Rei ocupavam os pontos da cruz cardinal relativos aos signos de Aries, Câncer, Libra e Capricórnio. Esta estrutura foi se ampliando em um gráfico cada vez mais complexo e acabou sendo tema de uma palestra no 3º Simpósio de Astrologia do Sinarj em 1999 sobre “A Arte Astrológica de Ser Guerreiro”. Seguem aqui dois links para assistir esta palestra:


Além disto, ele recomendava a mudança de local para passar o aniversário de modo que a Revolução Solar produzisse um ano auspicioso para o cliente, evitando possíveis aspectos negativos com os luminares e o ângulos do mapa.

Ele era um grande empreendedor em prol da Astrologia, tendo organizado inúmeros congressos, como um que aconteceu na FAAP em 1993, ano de publicação do seu primeiro livro, ocasião em que eu vi pela última vez o professor Wanderley.

Na Escola Planeta aconteciam encontros dos alunos com troca de informações destinadas às diversas turmas, e me lembro de um sábado quando eu tive o prazer de proferir uma palestra logo após a do Roberto de Carvalho, esposo da Rita Lee, um escorpionino de primeira linha.

No andar térreo da Escola Planeta existia o Espade - Escola Paulista de Arte e Decoração, onde ele organizou dois encontros de Astrologia de que tive a oportunidade de participar como palestrante. O primeiro foi no Ano Novo Astrológico de 1997 denominado “1º Encontro da Astrologia em São Paulo” (folder anexo) e o segundo em setembro de 1998 denominado “Astrologia do Amanhã”.

Ele dava muita atenção aos sonhos e me lembro de um curso que fiz com ele onde uma situação ficou marcada em minha memória: se você sonhar que está atravessando um rio, a nado, de barco ou por uma ponte, é sinal que sua vida terá uma mudança radical.

Outra paixão era a fotografia, sendo que possuía câmeras de alta definição com as quais desenvolvia um trabalho profissional de excelente qualidade e ao mesmo tempo dava vazão a sua veia artística, tendo inclusive recebido prêmios pelas suas fotos.

Possuía uma relação muito intensa com a informática. Utilizava sem restrições os programas de cálculo de mapas em computador e participava de listas de astrologia, algumas sob o pseudônimo de Jonas Bee, onde tinha discussões acaloradas com os outros participantes.

Na vida pessoal, Valdenir, este capricorniano de Sol e Lua com Ascendente Escorpião tinha um senso de humor apurado. Costumava criar neologismos ou interpretações etimológicas de determinadas palavras. A mais famosa era a do místico, que teria sido derivada de “me estico”, ou seja, quando nos tornamos místicos nossa mente se amplia.

Após as aulas, a turma tinha por hábito ir à Trattoria do Sargento na Rua Pamplona com a intenção de conversar sobre Astrologia e tomar cerveja. Era uma maneira de fixar o conhecimento adquirido e trocar outras informações. Valdenir aparecia de vez em quando e a conversa ficava mais animada.

Em 1998 Valdenir desfez-se de todos os seus pertences e mudou-se para a Bahia. Ele me deu um autorretrato do pintor M.C. Escher, aquele em que ele segura uma bola de cristal e sua imagem está refletida na bola. Guardo com carinho este presente, mas depois disto nosso contato diminuiu, restringindo-se a congressos de astrologia e outros eventos.

Na década seguinte ele organizou alguns congressos no Largo do Arouche em conjunto com o astrólogo Maurício Bernis. Me lembro de um deles onde o Ademar Eugênio de Melo, já com muita dificuldade para enxergar por causa do diabetes, porém com uma memória impressionante, deu sua palestra sem ver os slides, assessorado por sua esposa que os ia trocando.

No site Constelar temos a última palestra de Valdenir com o título “Lua, criança interior, autorização para ser feliz” do dia 6 de junho de 2009, no centro de convenções do Hotel Atlântico, em Copacabana, como parte da versão carioca do Circuito Nacional de Astrologia, organizado pela CNA - Central Nacional de Astrologia. Este vídeo foi recuperado por Alexey Dodsworth, que o compartilha agora com toda a comunidade astrológica brasileira. Aqui vai o link:http://www.constelar.com.br/constelar/139_janeiro10/valdenir-benedetti1.php

Em seu blog Astrologia Transpessoal, Valdenir se auto definia assim:

“ Estudante e apaixonado pela Astrologia há mais de três décadas. Descobrindo agora que o tamanho do que não sei ainda é imenso, e o tamanho do que nem sei que não sei é inimaginável. Procurando fazer com que a Astrologia não seja apenas um blá blá blá mental e descritivo. Acreditando que a prática da Astrologia é mais do que alimentar ilusões ou autoimagens. ”

Aliás, ele dizia que Transpessoal não quer dizer apenas Além da Pessoa. Para a Astrologia, essa prática quer dizer mesmo é Através da Pessoa. Para quem quiser consultar o material ali armazenado, o link é:

Não podemos deixar de mencionar o Blog da Astróloga Rose Villanova, que disponibilizou inúmeros textos de suas correspondências com o Valdenir neste endereço:

Eu, Ana Cristina Abbade e Valdenir
em um evento no Rio em 1998
Sua partida para outro plano colheu a todos de surpresa, pois todos sentiam que ainda não era o momento. Sentíamos também que tínhamos perdido um amigo, um irmão de fé, um batalhador entusiasmado e apaixonado pela nossa amada Astrologia!


Este é um depoimento pessoal de minhas vivências com meu professor Valdenir Benedetti. Caso algum colega queira manifestar-se, com certeza vai nos enriquecer com suas informações.

Para finalizar vou transcrever a dedicatória que ele fez em um de seus livros, que acho muito oportuna para o momento:

“Douglas, meu amigo, um privilégio ter tido você a meu lado durante esta jornada que é minha vida e de onde surgiu este livro. Obrigado. Sei que você vai curtir. 19/set/97”

É claro que curti, Valdenir!

Douglas Marnei

Janeiro de 2017



O legado de Valdenir Benedetti

Além das aulas, palestras e cursos Valdenir nos deixou vários livros e apostilas nos quais suas ideias continuam vivas e disponíveis para os leitores. Apresentamos a relação deles em ordem cronológica:




- Autor do texto “Astrologia e Sintonia” no livro “Astrologia Hoje – Técnicas e Estilos” editado por Massao Ohno Editor em 1985.





  



- Autor da apostila “Técnicas de Interpretação Sintética de um Mapa Astral” elaborada pela ASAS – Astrólogos Associados de Curitiba em 1990.








- Organizador do livro “Interpretação do Horóscopo: Técnicas e Estilos” editado por Editora Hipocampo em 1993.











- Autor do livro “Textos Planetários” de uma editora não citada em 1997.











- Autor do livro “Manual de Astrologia Essencial – Textos Planetários” editado por Editora Ground em 1999.











- Organizador do livro “Astrologia para um novo Ser” editado por Editora Roka em 2000.










- Autor do texto sobre o signo de Peixes no livro “Astrologia – Os Doze Portais Mágicos” editado por Editora Talento em 2001.










- Organizador e autor do texto “Os domínios e funções terrestres dos planetas no horoscopo” em “Segredos e Estilos – A Arte de Interpretação do Horóscopo” de 2008.





sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

SÃO PAULO EM PALAVRAS

CONVITE: O lançamento de SÃO PAULO EM PALAVRAS será no feriado do dia 25/01 com um sarau mais do que divertido. SESC PINHEIROS, das 17h às 19h.

Eu participo dele com duas crônicas. Uma delas fala de uma noite em que eu andei pela Rua Maria Antônia, percebendo suas particularidades e jovem população espalhada pelas calçadas. E uma personagem especial, que eu descrevo na crônica... surpresa!

O segundo texto fala de minhas andanças pelo centro ao longo do tempo. Vivi, não faz muito, um encontro com uma mulher na Praça de Sé. Coisas assim me comovem nesse centro velho.

O organizador do livro, Wagner Merije selecionou 26 autores paulistanos e paulistas, brasileiros de outras partes do país e de fora dele, gente das periferias e universidades, com formações diversas e atuações em vários movimentos. Todos com crônicas sobre esta metrópole multifacetada. 

Espero você lá. Não perca!

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

SOBRE PÉS, JOANETES E MÉDICOS ORTOPEDISTAS



Os pés podem (ou não) ser referência de beleza em nosso corpo. Eles nos conduzem pela vida e, além dessa função mais do que nobre, por serem estratégicos são protagonistas de histórias particulares. Em especial, pés bonitos sempre foram motivo de atenção por parte de homens e de mulheres, embora por motivos diferentes.

Os meus desde que começaram a apresentar joanetes e calos me exigiram atenção inesperada e especial. E esta história começa muito cedo em minha vida, quando na adolescência vi um osso lateral começar a crescer no meu pé direito, algo que meu pai tinha. Simples joanete, nada grave, mas a partir daí  tive que escolher melhor os sapatos. Lá estava a paternidade marcada a olho nu, muito além dos cromossomos e DNA.

Fui assim andando com o pé direito cada vez mais torto, até que o esquerdo também desenvolveu a anomalia. Não que isso me tirasse do sério. Não! Eu procurava levar a questão naturalmente, apesar de me sentir cada vez mais longe daquele sapato especial de bico finíssimo ou daquela sandália cheia de tirinhas brilhantes que só marcavam mais a elegância dos pés. Não, eu procurava me distrair desses objetos de puro luxo.

A verdade é que não havia a menor graça nos meus pés. Nada daqueles pés lindos e delicados que apareciam em propagandas, nas praias com os dedos pintados de muitas cores, todas lindas. Nada de uma presença para ser acariciada por namorado, em cenas íntimas e românticas.

Por sua vez, os ortopedistas sempre me olhavam com interesse, indicando cirurgia. Entretanto, nada me fazia sentir a necessidade de operar o desconsolo ósseo. Nem a vaidade, nem a hipótese de um namorado tarado por pés.

Eu fugiria sempre do bisturi, como o diabo da cruz. Essa era a minha história. Como advogar pés tão feios contra a possibilidade de uma cirurgia? Arrumava muitos argumentos e o principal deles era a ausência de dor.   

Mas, aconteceu que o pé esquerdo, o outro, começou a doer de forma estranha. Numa viagem, em meio a largas caminhadas, percebi que não podia apoiar o pé. Sentia muita dor e incômodo. Comecei a mancar. Um verdadeiro desastre ortopédico estava acontecendo. Era a primeira vez que eu me sentia tão reprimida nos movimentos por causa dos pés. Rapidamente, comecei a rever meus critérios sobre cirurgia. Se fosse necessária – ai – que fosse logo.

Ao voltar para casa, tinha que resolver a questão do médico. Olhei o caderninho do convênio. Marquei logo três consultas.

Na primeira, o médico nem examinou os pés. Mandou que eu tirasse chapas e depois, me mostrando o óbvio, disse que eu deveria fazer a cirurgia. E, que fosse logo nos dois pés de uma só vez.  Claro que ele nem me ouviu em relação ao tipo de dor ou onde doía. Agradeci e fui ao segundo, dias depois.

Este me ouviu, fotografou o pé, viu as chapas, me pediu para ver a sola do meu pé e aí descobriu algo que eu não tinha visto. Ele perguntou se era ali que doía. Confirmei. Olhei e fiquei surpresa em perceber que não tinha visto aquilo. Era um pequeno buraco ou uma formação meio dura na pele grossa da sola do pé.

Ele então falou claro, diagnosticando: olho de peixe. Quer dizer, então, que a dor provinha daquilo?, perguntei. Sim, disse ele.

Não pude evitar o riso. Alívio e descompressão. Saí dali muito feliz. Como não se sentir assim quando o mundo se abre novamente à nossa frente?

Bem, o pé continua o mesmo, o olho de peixe (ui) deu um trabalhão. E minha esperança de não passar pelo bisturi se manteve. Naquela época, foi o bastante. Mas a história continuou em outros capítulos.

Sim, acabei fazendo a cirurgia um tempo depois por causa do joanete no pé esquerdo. Com um médico que pegou no meu pé e o olhou com um carinho que somente um médico muito bom ortopedista (e especialista em pés) poderia fazer. 

Cheguei ao consultório com a mesma desconfiança de médicos ortopedistas. Porém,  decidi sem medo depois de ver meu pé no seu colo, sendo observado com olhos doces enquanto suas mãos faziam quase uma massagem nele. Incrível. Como não confiar? 


Uma versão um pouco diferente desta crônica foi publicada pela primeira vez no site Crônica do Dia, no mês de Dezembro de 2010, com o nome Sobre pés bonitos e joanetes. Você gosta de ler? Não perca o site Crônica do Dia: www.cronicadodia.com.br/2010/12/sobre-pes-bonitos-e-joanetes-ana.html 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

SÃO PAULO EM PALAVRAS - DA AQUARELA BRASILEIRA LIVROS


Escrever crônicas é fácil e desopila emoções as mais diversas. Ler é poder partilhar delas todas e ainda usufruir da maravilha do mundo das palavras.

Convido você para o lançamento deste livro em que 26 autores escrevem sobre uma metrópole multifacetada, a cidade de São Paulo.


Eu participo da coletânea com duas crônicas. 

Segundo o organizador do livro, Wagner Merije: “…A ideia é descortinar e mostrar a capital revista por paulistanos e paulistas, por brasileiros de outras partes do país e de fora dele, por gente das periferias e universidades, com formações diversas e atuações em vários movimentos e que vivem a cidade com intensidade…”.


No dia do aniversário da cidade, 25 de janeiro
. SESC PINHEIROS, com a presença dos escritores e sarau.

Confira mais informações: http://aquarelabrasileira.com.br/sao-paulo-em-palavras/