quarta-feira, 26 de abril de 2017

UM SALTO ALÉM DE SI MESMO

Rever a História não é raro no cinema, mas há várias maneiras de abordá-la. O que selecionar? Como contar a história? Esse é o cerne do trabalho do diretor de cinema e de sua equipe. Em ESTRELAS ALÉM DO TEMPO, o diretor Theodore Melfi fez escolhas interessantes ao juntar as histórias de três amigas que trabalham nos setores internos da NASA. O que as torna significativas nesse espaço tão técnico e masculino?

MULHERES NA NASA

O filme ESTRELAS ALÉM DO TEMPO reúne uma coleção de bons atores nos papéis de Al Harrison (Kevin Costner), Katherine (Taraji P. Henson), Mary (Janelle Monáe) e Dorothy (Octavia Spencer) que se juntam a uma excelente trilha sonora de Hans Zimmer.

O diretor elabora a narrativa de forma a não podermos tirar os olhos da tela enquanto vamos acompanhando as três mulheres contornando as dificuldades em um momento essencial de suas carreiras. 

A vida das três amigas que trabalham na NASA pela excelência de suas competências não é fácil. Suas dificuldades como mulheres e negras não são desconhecidas para nós. A maneira como elas superam esses entraves faz a graça desse filme. Então, identificamos situações de preconceito, humilhação, falta de reconhecimento, salários baixos e mais humilhação. Haja humilhação! Banheiros exclusivos para “mulheres de cor"!

Elas estiveram presentes nos projetos daquele importante momento da corrida espacial que levou o astronauta John Glenn a ser o primeiro homem a orbitar a Terra. Participaram do lançamento da cápsula Friendship 7 da missão Mercury-Atlas 6, fundamental para a chegada do homem à lua. Foi uma reviravolta no programa espacial americano.

Kevin Costner é o exigente, rigoroso e atento Al Harrison, chefe da NASA. Nunca imaginei que alguém com essa posição de hierarquia pudesse ter postura diferente, tendo em vista as metas americanas na corrida ao espaço.

Mais perto dele, encontramos Katherine que é um gênio da matemática, que se descobriu com essa habilidade quando ainda era criança. Fazer cálculos e elaborar fórmulas pode fazer muito sentido na vida de alguém. Se nunca tivemos simpatia pela matemática, a partir de sua paixão e entrega, isso se tornará possível.

Em outro setor, Mary sonha em ser uma das engenheiras da NASA, ainda que para isso tenha que passar pelo obstáculo de frequentar uma faculdade por ser negra e mulher. A terceira amiga, Dorothy, tem que se haver com uma chefe que não facilita seus caminhos. Ela exerce as funções de supervisora sem ganhar por isso, cumprindo as tarefas desse cargo.

Embora apresente alguns aspectos de cinematografia convencional, esse filme tem um roteiro inteligente, já que mescla tais histórias individuais a um contexto especial. E nos vemos envolvidos na competição com os russos na corrida espacial no momento em que essa competição é acirrada pela presença de Yuri Gagarin, em 1961. Sorrimos com a dúvida a respeito da presença de espiões entre aquelas mulheres e nos emocionamos com as palavras de John F.Kennedy. E estamos na companhia dos astronautas! Torcemos pelas conquistas das três cientistas. 

O que mais temos a falar desse filme?

UM SALTO ALÉM DE SI MESMO


O filme baseado no livro não-ficção HIDDEN FIGURES de Margot Lee Shetterly segundo as resenhas disserta “sobre o preconceito na época da corrida espacial, com o foco em três grandes mulheres negras que ajudaram a mudar o rumo das descobertas norte americanas nesse período”.

Analisando a diferença entre o título original do filme (Hidden Figures) e a tradução em português podemos apostar que o título em inglês descreve melhor as intenções da escritora Margot, mostrando figuras que trabalharam nos projetos da NASA, contribuindo silenciosas e escondidas.

Foram realmente personagens desconhecidas e alavancadas de seu canto pela escritora que conviveu com esse ambiente descrito, sendo assim passadas para a História por seus talentos e conquistas.

Dorothy foi chefe do setor da West Area Computers, uma equipe feminina e negra, responsável por cálculos matemáticos. Quando ela percebeu a chegada do primeiro computador da IBM a ser usado pela NASA e que a existência de sua equipe estava em perigo, antecipou-se. Ela estuda, então, a linguagem de programação Fortran, entra na sala do computador recém instalado e que ninguém sabia como manejar. Quando o coloca em funcionamento, mostrou para que serve a coragem e a iniciativa na vida de alguém.

Mary consegue falar com o juiz que deve decidir pela sua presença no curso de engenharia. Antecipa-se e constrói uma argumentação que ele só pode aceitar.

Por sua vez, Katherine é chamada pelo próprio astronauta para verificar os cálculos do computador. John Glenn, inseguro de subir na nave que o levaria aos céus, requer a presença da mulher “mais esperta” (the smart one!). Depois que ela ratificou os cálculos, ele seguiu seu planejamento. Todos tiveram que esperar que ela fizesse o que mais sabia.

Cada uma no departamento em que estavam locadas extrapolaram naquilo que era esperado delas. Seus desejos eram maiores que as regras estabelecidas no contexto em que viviam. Sua persistência as fez expressar o melhor de si mesmas. Cada uma a seu jeito: com argumentação adequada ou com muita paciência e resiliência, ou simplesmente expressando a natureza espontânea de sua genialidade. E por seu mérito, todas acabaram sendo reconhecidas.

Elas estavam em um contexto histórico especial: o primeiro computador IBM na NASA, a competição acirrada após a presença do russo Yuri Gagarin, a busca de serem primeiros na corrida espacial, a construção da exigência nacional de excelência. Tudo configurava um grande projeto.

E o que sustenta um grande projeto? A coragem, a determinação e a capacidade aguentar frustrações e derrotas. Tudo o que faz um líder dando um salto adiante de si mesmo.

Nesse filme cresce a dimensão da conquista dessas mulheres especiais. Nesse sentido, o título em português até parece ser mais adequado. ESTRELAS ALÉM DO TEMPO talvez enfatize o que elas fizeram para se destacar de seu contexto porque conseguiram significativos ganhos pessoais junto a grandes dificuldades.

Temos um filme convencional? Sim, até certo ponto. Uma pitada didático também. Mas vale a pena o tempo no escuro do cinema, com ou sem pipoca. Teremos um sorriso na saída do cinema, talvez acreditando que há maneiras especiais de viver. E que vale a pena insistir em nossos sonhos!