Ana Maria M. González
Dois adolescentes e a presença das disputas da Máfia. Imaginação, excelente
fotografia e direção. Eis os ingredientes para este bom filme: O FANTASMA DA
SICÍLIA. A entrevista com os diretores, que estiveram em SP a convite da
organização do evento, deu-me elementos para uma reflexão a respeito de
aspectos da arte do cinema e da formação de público jovem.
NOVIDADES DOS FESTIVAIS DE CINEMA
Aconteceu em setembro último em oito cidades brasileiras um festival de cinema
italiano, iniciado em Lisboa (2008). Tive a oportunidade de entrevistar os
diretores Fabio Grassadonia e Antonio Piazza desse filme, que foram convidados
pela organização do evento para vir ao Brasil. Esse seu segundo longa abriu a
Semana de Crítica do Festival de Cannes deste ano e vale lembrar também que
eles ganharam o prêmio revelação de Cannes em 2013 com seu primeiro no longa
metragem (SALVO).
Este filme é uma adaptação do conto “Non saremo confusi per sempre” de Marco
Mancassola e parte de um incidente real ocorrido na Itália nos anos 90, em que
Giuseppe Di Matteo é sequestrado. Sua amiga e namorada (Luna) sentindo falta
dele na escola, sai em busca de solução. É a partir de sua busca que se
constrói a narrativa com características de sua imaginação e boas doses de
desconsolo, tristeza e saudade.
A entrevista que os diretores me concederam ocorreu em uma tarde clara à sombra
de uma larga árvore. Foi interessante saber como anda a opção pelo cinema entre
os jovens italianos e como esses diretores lidam com essa questão. Muitas
semelhanças com o que ocorre no Brasil.
CINEMA E LITERATURA
A história do filme se baseia em um texto literário e nos faz lembrar de
Romeu e Julieta, também italianos. E fomos indagar o motivo desta escolha.
Segundo os diretores, a garota Luna que é uma personagem inventada, permite a
Giuseppe a experiência do amor que ele não teve em vida.
E esse era o único ponto possível de ingresso na história porque a realidade
era dura demais. Sem essa mudança, o filme contaria uma história sem esperança
e eles desejavam que o filme fosse um ato de amor à história de Giuseppe.
Luna é solitária, criativa e gosta de ficar quieta, fechada, escrevendo e
desenhando. Não tem um contato fácil com o mundo natural que a circunda. Ela
afirma que se sonhamos qualquer coisa, podemos dizer que isso existe.
Giuseppe, ao contrário, é um garoto social, de comportamento vital, em
harmonia com a natureza. Ele era apaixonado por cavalos e chegou a ter sucesso
no salto de obstáculos na região em que morava. Era intenção dos diretores
manter dados da realidade de Giuseppe.
Temos a insatisfação e rebeldia dos adolescentes em contato com o inalcançável
mundo do adulto com suas questões sociais e políticas. Por outro lado, temos
também outras realidades criadas que abrem espaços para a experiência de amor.
A possibilidade do amor entre os jovens é construída na imaginação. É no céu
que eles se encontram, já que Giuseppe está no inferno. Trata-se de uma
realidade escura em que não há tempo, imóvel, em que o casal se encontra a
despeito do tempo da morte. A imaginação ganha a função nobre de salvar a
humanidade.
Além de cavernas e águas profundas, temos a cena das colunas gregas no
alto de um monte, perto da praia, à frente da extensão imensa do mar. Há vento
e horizonte. Esse espaço surge duas vezes e é a imagem da beleza siciliana que
resiste a tudo, ao longo dos séculos e que se confronta à brutalidade, como se
essa beleza fosse um baluarte contra o mal.
Segundo os diretores, ainda que haja a opressão na Sicília, os garotos sabem
reconhecer o valor dessa beleza. A experiência de dor faz Luna aprender a
viver. Nesse espaço atemporal, ela refaz sua sensação de vida.
AS PREFERÊNCIAS DOS DIRETORES
A literatura e a experiência como roteiristas fizeram parte da formação
dos diretores e contribuíram sobremaneira para a realização dos dois longas, já
que eles não fizeram um curso técnico de cinema. O seu método de trabalho
acontece durante o processo de escrita. Nesse momento todos os detalhes de
cenas, fotos e som são pensados.
Sua prática de cinema tem um compromisso de refletir sobre a realidade,
mas também de formar público. Por isso O FANTASMA DA SICÍLIA é um filme
dedicado a um garoto siciliano e foi desejo que ele chegasse ao público jovem.
Diferentemente de um filme de autor, que muitas vezes tem ambições
intelectuais, eles tiveram a intenção de acompanhar o expectador em uma viagem
emotiva, de modo a não passar pelo filtro protetivo da intelectualidade para que
ele se abandonasse aos sentimentos dos protagonistas da história. Fábio e
Antonio desejavam entrar na história com o coração, com a intensidade de uma
experiência sensorial, pelas imagens.
O público jovem em geral
não gosta dos filmes italianos considerados por ele pouco interessante já que
há uma natural preferência por aventuras e filmes de outras mídias. O que tem
acontecido com esse filme é diferente e realiza as intenções dos
diretores.
A partir dessas observações, perguntei então o que é cinema para eles. Para
Antonio Piazza, que respondeu sem hesitação, o cinema é o sonho, é sonhar.
“Nosso imaginário cinematográfico guarda um legado do cinema clássico.”
Fábio Grassadonia expressa uma experiência pessoal. Em sua aproximação com os
livros e com as narrativas sempre houve a participação da mente. Mas o cinema,
que viveu desde pequeno com o pai, é uma experiência de se abandonar às emoções
daquilo que está sendo visto. Ele diz: “Ainda que eu estude cinema, que ensine,
que me interessa como funciona a máquina, quando vou ao cinema, vivo uma
experiência emotiva.” No contato com a narrativa, com os livros, ele diz ter a
possibilidade de afinar seus instrumentos e recursos. “No cinema, tenho a
experiência de ser um expectador. ”
A entrevista elucidou algumas intenções e ideias dos diretores acerca desse
filme e de como eles desenvolvem sua obra.
Mas, ainda há muito a ver nesse filme que traz um universo de metáforas e
poesia, uma realidade em que o amor se torna possível a despeito da morte.
Encontramos cores escuras, surpresas e mistério, um mundo lunar. E também uma
praia, um mar imenso e colunas gregas atemporais, um mundo solar. Um filme que
gera mundos de arte e de beleza.
Mas, mais que tudo isso, é um filme que nos comove o coração e nos oferece uma
experiência que além de estética é também emotiva. Mais uma expressão da arte
do cinema.
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