quarta-feira, 25 de novembro de 2015

CANTADAS


Há cantadas de todos os tipos: sedutoras, grosseiras, ridículas, poéticas, infantis, bem-humoradas. Mesmo em tempos de assédio moral e de outros radicalismos. Toda mulher gostaria de ter uma na lembrança. É um lampejo, faísca elétrica, no ramerrão de um dia comum. Uma onda mais forte, em meio à distração ou a certo marasmo que por vezes podem nos habitar.

Um dia, estava subindo uma ladeira perto do largo de São Francisco, no centro de São Paulo. Um carro estacionava na guia por onde eu passava. O rapaz que estava no lado direito ia saindo do carro, abrindo a porta, perguntou-me sério:


- Por favor ! Você sabe onde fica uma igreja perto daqui?

- Igreja não sei, mas há a capela da Faculdade de Direito, no largo logo aí acima desta rua.
Dei-lhe resposta, sem pensar muito, distraída. E aí veio a surpresa, clarão:
- Quer casar comigo?

Titubeei, balancei nas pernas. Sorri. Enrubesci? E me veio uma alegria imensa, como se de repente o mundo se abrisse à minha frente enquanto eu seguia pelo meu caminho. Olhei a roupa que eu vestia naquele dia, como se isso pudesse marcar o transitório do evento. Justificar quem sabe. Era uma saia verde clara e uma camiseta bordada na altura dos ombros com uns detalhes de miçangas desenhando pequenas flores e folhas.

Foi assim que eu, me sentindo mulher, senti a cantada. Qual de nós não quer se sentir desejada, passível de amor? Qual de nós não quis ser bonita um dia? Não tirou da gaveta, desprezada que estava em épocas difíceis, uma certa beleza, um sorriso vermelho, uns cílios alongando os olhos, um colorido na roupa, um jeito enviesado de pente no cabelo?

Mas, nem sempre as coisas funcionam dessa forma. Os homens entendem tais sutilezas? As mulheres ainda desejam as cantadas? Os comportamentos têm mudado muito.

Mas, meu desejo é que a força de uma cantada feita com delicadeza não se tenha perdido completamente. Ela é capaz de despertar a beleza do feminino como aconteceu quando o poeta cantou "olha que coisa mais linda, mais cheia de graça... é ela, menina, que vem e que passa...". Ele homenageava a mulher a partir de seus olhos. Ele punha em movimento a sensibilidade que também estava nos olhos dele. Descortinava a beleza em um encontro especial, ainda que fugaz, entre o feminino e o masculino. Existimos a partir do olhar do outro. É o outro que nos dá existência. Homem e mulher.

Guardo fortemente dentro de mim o desejo de que elas não se percam. Nelas nos certificamos de nossa presença, em inesperada realidade. Algo concreto preenche o ar, como se de uma cartola do mágico de cara e luvas brancas, emergisse a essência da natureza feminina. Ela é a ruptura dentro do prosaico. Quase um fragmento do divino.

Nesse pequeno movimento, há um ato generoso, tão provisório e pontual, há um contato. Uma possibilidade faz-se verdade, um encanto. O homem nem desconfia como o mundo se transforma. Nem precisa de mais, só isso basta. E o mundo fica melhor.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O SAGITARIANO REBELDE DO HOSPITAL DO CÂNCER DE BARRETOS


Henrique Duarte Prata  (Diretor presidente do Hospital de Câncer de Barretos) é um sagitariano com aspectos fortes de Aquário que lhe prometiam um destino de rebelde. Mas, ele tinha mais aspectos no mapa que o tornaram um realizador com sensibilidade e coração. Quais são eles? 

Desenvolveu-se como agropecuarista, foi campeão nas festas de peão em Barretos e na doma de cavalos (Sagitário e signos de terra Touro e Capricórnio).
Henrique Duarte Prata nasceu a 18 de dezembro de 1952 (SP, sem horário) (*), filho de médicos. Aos quatro anos foi viver com o avô materno (Lua em Capricórnio em oposição a Urano em Câncer). Aos quinze deixou os estudos para ficar na vida da fazenda entre as atividades no campo. Nessa época ele vivia: SATURNO em trânsito em oposição a Saturno/Netuno natais; e em trígono a Sol e Plutão formando um Grande Trígono em signos de fogo; também havia um T-S quare de SATURNO em trânsito em quadrado com Lua e Urano natais; ainda Urano em trânsito fazia um quadrado ao Sol. Apesar de ser uma decisão difícil, ela foi feita sob efeitos de forte apelo de ideais e de ímpetos de liberação de autoridade.

Em 1988 tomou contato com as dificuldades financeiras da Fundação Pio XII (que cuidava do hospital fundado por seus pais). A primeira sugestão era resolver as dívidas e fechar a instituição. Mudou de idéia e com ajuda das primeiras doações deu início a um projeto de novo hospital. Nesse ano havia PLUTÃO em trânsito em oposição a Júpiter natal e em quadrado com Vênus, formando um T-Square.  Além desse trânsito de Plutão, NETUNO também em trânsito estava em trígono com Júpiter. SATURNO E URANO em trânsito estavam em conjunção ao Sol natal.  Era um momento astrológico especial e intenso.
Era fase para lidar com seu talento de gestor de finanças e (Júpiter em Touro mobilizado por dois trânsitos) e para se comprometer com o coletivo (Vênus em Aquário). O comprometimento que a conjunção natal Netuno/Saturno prometia em Libra se efetivou. Netuno em trânsito pode ter sido uma benção dos céus (em trígono ao Júpiter natal). Daí em diante, as doações se multiplicaram e o projeto cresceu.

Esse foi o começo de um complexo que foi além da região de Barretos, se estendendo por todo o território brasileiro. Ganhou o selo de hospital de ensino como residência em cirurgia e medicina nuclear entre outras especialidades. Tem ganhado atualmente reconhecimento internacional pela excelência de todos os aspectos de seu funcionamento: ensino e pesquisa.
No mapa natal o Sol em Sagitário em trígono com Plutão empresta a Henrique Prata poder para grandes realizações a partir de anseios humanitários. Ele procura fazer no atendimento hospitalar o “código ouro” (que custa caro !) para todos sem exceção.
Esse ideal de justiça típico de um sagitariano que tem metas é seu lema no hospital. Junta eficiência na gestão e uma filosofia que une o respeito ao patrimônio humano e moral, junta ciência, tecnologia e humanismo. Mas ele tem ainda outros ideais, como o de querer conhecer a alma das pessoas. Segundo ele, todos temos uma força interior. O segredo é olhar para o próximo com amor.

O piloto profissional e campeão entre peões (Sagitário) tornou-se o diretor geral do Hospital do Câncer de Barretos (SP) em profundo compromisso com o coletivo. E atualmente, observamos que seu trabalho de vida ganha importância política e ele apresenta aspectos combativos plutonianos que exerce com independência (Aquário). Então sem constrangimento ele indica as falhas no sistema hospitalar brasileiro porque talvez tenha a dimensão de sua responsabilidade nessa área. E ainda diz que tem muita fé (Sagitário) e que Deus provê quando o hospital fecha as contas do mês no vermelho, o que ocorre todo mês. Não é uma linda pessoa?   
(*) O estudo só levará em conta os aspetos entre planetas e não as casas natais (mapa efetuado para 12h).
PS:  acompanhe a entrevista que ele deu no programa Roda Viva da TV Cultura em outubro de 2015 :  https://www.youtube.com/watch?v=aO-uh_EzYwM

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

INUMERÁVEL MÁRIO, A OBRA E O HOMEM

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Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo...

Ouvi recentemente que Mário de Andrade é polígrafo, ou seja, seus múltiplos interesses se distribuíram em uma obra imensa. Em geral, dela apenas conhecemos a poesia vanguardista de Paulicéia Desvairada e a prosa nada convencional de Macunaíma. Mas ele é mais do que esse intelectual interessante e genial participante do grupo modernista de 1922. O que você conhece dele? Acompanhe-me e, como eu, apaixone-se.

MÁRIO DE ANDRADE, HOMEM DE MUITOS TALENTO

Ele foi poeta, romancista, crítico, professor e pesquisador de música, de folclore, de filosofia, de arte em geral. Este ano houve muitas homenagens, publicações e palestras, tudo para nos lembrar de sua importância aos 70 anos de sua morte. Tenho conhecido outros aspectos de sua obra e tomei contato também com o homem, suas preocupações, anseios e valores.

Na busca por informações eu soube de seu processo criativo nos textos, a partir de anotações e ideias criteriosamente organizadas e planejadas. Também conheci o professor de música que escreveu o Ensaio sobre a Música Brasileira, essencial para a criação do musicólogo brasileiro.

Ele efetuou pesquisas nos anos de 1927 e 1928, em viagens etnográficas ao Norte e Nordeste para coletar material de cultura popular e de folclore, porque era empenhado em conhecer a cultura nacional e em preservar a memória dela.
De 1935 a 37 foi gestor do Departamento Cultural na cidade de São Paulo, tempo em que construiu bibliotecas, os parques infantis, a rádio escola, o primeiro curso de biblioteconomia do país e concebeu a Sociedade e do Curso de Etnografia. Seu projeto era ambicioso e abrangia uma percepção de educação total, civilizatória, começando na cidade, com pretensões de se estender para o Estado e até para o País. Nessa função colocou toda sua vocação de intelectual, de escritor e de músico. Mas seus desejos de formação de uma cultura musical a ser espalhada por professores em todo o país, para além de virtuosismos não puderam ser efetivados. A grandeza de seu projeto não garantiu sua permanência e ele foi substituído no cargo.

mario_de_andrade_5_abr15.jpgDepois disso ainda foi para o Rio de Janeiro (julho de 1938) a convite de amigos para aulas e para um cargo público. Mas, depois de uma temporada difícil, decidiu voltar a São Paulo em fevereiro de 1941.
 
Não era fácil desenvolver seus projetos. Segundo o biógrafo Eduardo Jardim, o projeto de Mário de Andrade levou em conta a necessidade de integrar ao corpo da nação seus múltiplos componentes : eruditos e populares, urbanos e rurais, tradicionais e modernos, autóctones e alienígenas. Eram assim amplos seus anseios.

Conheci também a importância de sua correspondência, que é um conjunto de mais de 7000 cartas que ele trocou com pessoas de muitas áreas. Mário de Andrade entendia a correspondência pessoal como documento e testemunho histórico. Este conjunto e as anotações frequentes também desenham seu ideário intelectual e pessoal. Produzia e refletia sobre a criação da obra.

A coleção de suas cartas, assim como todo o arquivo pessoal de Mário de Andrade está guardado no Instituto de Estudos Brasileiros (USP), e consta de 30 000 documentos aproximadamente, 17 mil livros e uma significativa coleção de obras de arte A preservação é realizada de acordo com critérios internacionais e conta com tecnologia avançada. São cerca de 450 caixas que recebem tratamento técnico especial. Uma equipe desenvolve estudos consistentes sobre esse material.

Faleceu em fevereiro de 1945 de ataque cardíaco.

GRANDALHÃO E GENEROSO

Como era a pessoa que construiu esta obra e carreira? Talvez seja uma curiosidade boba. Mas não me satisfaço com a descrição ou a compreensão de sua obra. Não que eu queira desmistificar o ídolo. Pelo contrário, quero trazer o realizador para mais perto da vida cotidiana, aquela que cabe a todos nós sem exceção. Quero conhecer o homem que fez tanto em tão pouco tempo de vida. Sua morte precoce me faz querer saber mais, talvez na tentativa de justificá-la.
Ele não era uma pessoa simples. Era sofisticado. Usava água de cheiro, robe de seda azul em casa; ternos de linho e cambraia, sapatos alinhados. Às vezes, ousava nas gravatas. Tinha uma de cor amarelo canário.

Quando criança, era dispersivo e não foi bom aluno na escola embora gostasse de português. Era religioso e ligado aos parentes e à casa. Grande companheiro da mãe. Fumava muito e tinha cerca de trinta cinzeiros porque detestava derrubar cinza no chão.

Tinha amores platônicos, presentes nas cartas, na poesia e na ficção. Sua sexualidade também foi tema este ano pela abertura de uma carta pessoal, que na verdade não revelou nada para desconcerto de muitas pessoas. Só reforçou seu temperamento discreto e sua conhecida elegância também no trato desse assunto que, segundo ele, só a ele mesmo interessaria. Mário, sensível e cordial rompeu a amizade e parceria com Oswald de Andrade por causa das brincadeiras ferinas nas tiradas verbais do amigo. Era frequentador de rodas literárias e da vida boemia.

Seu sorriso era generoso. Brincalhão, entre os amigos tinha a fama de exagerado. Na família era tido como amalucado, pois, como alguém em sã consciência poderia levar para uma casa católica uma escultura de Cristo de trancinhas? A escultura era de Victor Brecheret e fazia parte das novidades da época que não eram aceitas tão facilmente por uma cidade provinciana que ainda não tinha amadurecido culturalmente para as inovações artísticas que já despertavam pelas cidades da Europa. O termo futurista tinha algo de pejorativo naquela época. Daí, ser ovelha negra na família.

Com disposição incansável, ele era leitor do que ocorria no mundo daquela época. Recebia a correspondência da Europa e era assinante da revista francesa de vanguarda L´Esprit Nouveau, concebida por Le Corbusier e Amédée Ozenfant. Nessa revista todas as artes apareciam ligadas ao urbanismo. Dessa forma, diversificou seu talento de erudito e dominou diversos ramos do saber. Para dar conta dessa curiosidade incansável, dormia não mais do que quatro horas por noite.

Havia formalidade no social e informalidade nas cartas, local de confissões e compartilhamentos com amigos sobre textos e projetos.

Nelas ele dispersou suas constantes tensões internas, aliviadas no exercício da literatura. Em carta a Henriqueta Lisboa em 1943, Mário diz que /.../ escrevendo eu parece que consigo penetrar mais fundo em mim. A escrita visual me obriga a uma lógica inflexível, pelo menos mais nítida.

Uma de suas grandes tristezas, ainda maior do que a perda do irmão quando bem jovem, talvez tenha sido não ter conseguido realizar seu projeto no departamento de cultura em que colocara todos os seus ideais. Fico me perguntando a respeito disso, sem certezas nessa avaliação.

Figura importante na vida cultural brasileira entre 1917 e 1937, Mário de Andrade na avaliação do modernismo concorda queTer-lhe-ia faltado um espírito de ´maior revolta contra a vida como está´. Na verdade, Mário é consciente a respeito do limite a ele imposto.

Em outra carta para o amigo Manu, o poeta Manuel Bandeira, ele confessa: Eu amo a morte que acaba tudo. O que não acaba é a alma.... Sua sensibilidade teria sustentado mal as inadequações e os embates da vida material.

Na apresentação da biografia de Eduardo Jardim, há uma síntese da figura de Mário na vida cultural brasileira: uma estética própria e a prática de interpretação do Brasil com papel de intervenção na vida cultural.


Mas pode ser também o escritor e inspirador nos terrenos da educação e da cultura como elementos de transformação social. Ou ainda, simplesmente um homem sensível , um poeta, um escritor, que teve um percurso biográfico incrível. Múltiplo. Inumerável.

Não sou daqui venho de outros destinosNão sou mais eu nunca fui eu decertoAos pedaços me vim eu caio!

PS1: As informações deste texto foram basicamente coletadas nas quatro palestras  realizadas no Centro Universitário Maria Antônia em junho de 2015, pela equipe do IEB/USP, nas que foram realizadas a respeito dele na Flip deste ano e na leitura dos livros abaixo mencionados. Em tempo: há também alguns indícios leves, porque eu poupei você, meu leitor- da paixão que permanece comigo desde a época da formação acadêmica e que só tem aumentado ao longo das décadas.
Mário de Andrade visto por seus contemporâneos (org pelo Editor) Eu sou trezentos, eu sou trezentos e cincoenta, RJ: Agir, 2008.JARDIM, EduardoMário de Andrade:Eu sou trezentos, vida e obra. RJ: Edições de Janeiro, 2015.

PS2: Visite o site do IEB que mantém, entre outros, o arquivo de Mário de Andrade.  http://www.ieb.usp.br/arquivo