quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

RAINHA VITÓRIA E ABDUL, UMA AMIZADE IMPROVÁVEL

Ana Maria M. González

Não fosse a curiosidade e empenho de uma jornalista, esta história estaria ainda embaixo do tapete e do preconceito da sociedade inglesa de final do séc XIX . Um jovem indiano consegue quebrar o protocolo e se transforma em amigo e confidente da Rainha Vitória. Uma amizade realmente improvável!  E ao mesmo tempo mobilizadora e inspiradora. Vejamos esta amizade e um pouco de história para entender melhor o que ela pode ter representado naquele contexto.

O ACASO

O diretor Stephen Frears construiu um filme que segundo alguns críticos, é adequado para o chá da tarde: VITÓRIA E ABDUL, O CONFIDENTE DA RAINHA (2017). Claro que há nessa qualificação um tom depreciativo. Como opiniões podem divergir, não concordo com elas. Trata-se de um filme bem feito, algo sofisticado e com variação entre tons mais sérios e outros cômicos. Todos com elegância e beleza.

Judi Dench está linda no papel de Victoria e Ali Fazal é um correto Abdul Karim. Interessante dizer que a jornalista responsável pela descoberta da história afirmou que “o filme é 90% fiel aos acontecimentos relatados em seu livro”. Em se tratando de narrativa de cunho histórico essa afirmação não é pouca coisa.

A jornalista Shrabani Basu encontrou na residência de veraneio da rainha do Reino Unido na ilha de Wight, documentos e foi em busca de mais. Seus achados revelaram a história desse jovem indiano (1863-1909) que foi elevado a uma posição de destaque ao lado da Rainha Vitória (1819-1901) a ponto de incomodar a corte inglesa.

UM POUCO DE HISTÓRIA


A história desse encontro foi intencionalmente escondida e provocou desde conversas nos corredores e tramas de todo tipo até confrontos mais sérios entre a corte e a Rainha. Depois de seu falecimento, houve uma queima de documentos e de objetos que pudessem revelar o que ocorrera entre ela e Abdul. Felizmente, a jornalista foi competente em sua pesquisa tendo conseguido desvendar o que estava escondido.

Além da descrição dessa amizade, outro dado pode nos surpreender. A imagem da Rainha Vitória não combina com a imagem que podemos ter a partir do que teria sido a era vitoriana da sociedade inglesa. Ela aparece como uma rainha que se entedia nas reuniões sociais típicas da corte e se transforma em contato com Abdul. Como se enquadraria nesse quadro, a ideia mais ou menos generalizada de uma era vitoriana severa?  

A Inglaterra do século do século XIX, apresentava valores “puritanos” : a poupança, a dedicação ao trabalho, a defesa da moral. Nesse panorama cultural, os homens tinham prioridades e as mulheres eram submissas ficando responsáveis pela manutenção do lar e da educação dos filhos. Havia um moralismo excessivo que chegou à condenação de Oscar Wilde e de Lorde Alfred Douglas por terem mantido um caso amoroso, para citar um caso mais conhecido de repressão de costumes.

Levando em conta estes dados, a Rainha Vitória pode estar um tanto fora do que se esperaria dela dentro desse contexto cultural sendo mulher e sendo rainha, portanto, com papel de mantenedora de um quadro conservador de comportamentos. Ao contrário do que poderíamos esperar dela, observamos que ela se mostra capaz de quebrar regras e de abrir horizontes e novos comportamentos.

ESTE ENCONTRO, OUTROS ENCONTROS

Foto real da Rainha Vitória e do jovem indiano
Segundo a narrativa do filme, o relacionamento entre a rainha e o jovem indiano teria começado por um olhar curioso do jovem que deve ter encontrado o olhar curioso velha rainha. Interessante, né mesmo?

No início do filme, ela aparece visivelmente enfastiada à mesa junto da corte. Nesse posto, ela deve ter se submetido a inúmeros jantares e banquetes próprios a função que desempenha. Sem se lembrar dos outros convidados, ela se interessou pelo jovem indiano que estaria na corte para lhe entregar uma moeda comemorativa. À primeira vista, o jovem indiano foi uma figura fora do esquema formal desse contexto. Quem sabe, um alívio na mesmice desses rituais sociais?  

Esse primeiro encontro entre eles aconteceu em 23 de junho de 1887, quando ele tinha apenas 24 anos e ela já chegava a 68 anos. Daí começou uma relação que se expandiu em assuntos ligados à Índia tendo acendido dentro dela o desejo de conhecimento. E ele tinha o que dizer para a velha senhora, tornada discípula segundo ela mesma que o elevou ao papel de seu mestre. Foram conversas de cunho cultural e pessoal, aulas da língua própria à elite indiana. Tudo isso agradava à velha rainha que rejuvenesceu nesse contato em alegria e disposição.

Mas, isso tudo significava romper normas sociais ligadas a preconceitos e, possivelmente, a interesses políticos. Dessa forma, enquanto viveu, a Rainha Vitória pode proteger Abdul perto de si, nas funções que eram possíveis. Chegou a trazer a família dele da Índia mostrando respeito e atenção.

Porém, quando ela morreu ele foi imediatamente mandado embora e teve seus documentos queimados. Na perspectiva da corte, esse relacionamento era uma exceção a ser evitada: uma amizade proibida.

São muitos os casos de relacionamento como esses que acontecem e muitas vezes, poderiam acontecer. Para que eles ocorram é necessário coragem e muita curiosidade que me parece neste nosso caso, o fator a deflagrar a situação. A coragem é necessária para romper com os preconceitos e para o confronto com todos eles, que serão sempre muitos.  

É maravilhoso que haja um trabalho de pesquisa histórica acordando fatos como esses que nos mostram como a vida acontece em todos os lugares nas ruas ou na corte. São encontros improváveis a nos ensinar como a vida pode ser surpreendente. E como a natureza humana é grandiosa sendo que, nesses casos, não pode ser explicada por critérios comuns. Tais amizades ultrapassam o que julgamos ser o normal, o adequado, o sensato. Mas têm espaço porque há afeto, respeito e admiração.

Claro que podemos encontrar elites ociosas e cortes disfarçadas em outros contextos geográficos e temporais. Cortes que se comprazem em repetidos jantares e formalidades monótonas. Ou outros rituais semelhantes na essência, mantenedores de formalidades vazias de sentido.  Mas, sempre haverá também olhares curiosos como os de Abdul e da Rainha Vitória.

Não percamos essas oportunidades quando passarem por nós! O improvável pode ser maravilhoso! Que esse possa ser um tema para nosso 2018! Que o exemplo de amor e de respeito entre a rainha e o jovem, possa  ser inspirador de olhares curiosos e amplificadores de nossa realidade!

Que o NATAL tenha passado em paz! Que 2018 seja próspero e cheio de saúde!

Um comentário:

  1. No Brasil encontramos bastante agentes públicos ociosos e corruptos, que ajudam empobrecer o povo. Formalidades monótonas e vazias? Eles administram um dos países mais ricos do mundo, o povo mais saudável e inteligente. A manutenção da unidade de um país ou de uma família passa pela decisão de impedir influências negativas e desintegradoras, que incutem dúvidas e discursos bonzinhos. Discursos de desarmamento do povo, como ocorreu na Venezuela, onde o povo é morto por traficantes pagos pelo governo. A Declaração de Independência dos EUA previne o povo de ser desarmados, sob pena de ser subjugados por governos tiranos. Povo inteligente pensa, planeja e principalmente, não abre suas defesas a estranhos.

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