ENTREVISTA
E REFLEXÃO
INTENSIFICANDO A VIDA

A entrevista citada procurava recolocar a área do
jornalismo cultural no lugar merecido na mídia. Entre outras afirmações, dizia que “/.../artes e idéias são formas de
intensificar a vida, de multiplicar nossas opções, de
ir além da vidinha apoiada sobre as muletas emprego & família... Quando
olho para meus livros, CDs e DVDs, penso: quanta coisa boa para
(re)viver!"”.
Que poder teriam livros, CDs e DVDs para promover
força? E qual o valor impresso por Daniel Piza na arte literária e na música,
em que medida elas fariam diferença na vida de alguém multiplicando opções?
Daniel nos mobiliza a uma percepção diferente, acordada para outras dimensões
que o acesso á cultura possibilitaria. Seria uma espécie de janela para a
beleza das cores e formas, dos sons na música e para a imensa variedade de
concepções de vida em cada página de literatura.
Na verdade, cada uma dessas experiências culturais
nos oferece a estética e outros níveis de compreensão e de sensibilidade. Um
movimento para além do meramente histórico, em que emprego e família fariam
parte como repertório de experiências. A cultura abriria um leque de
possibilidades em que o contato com símbolos e imagens traria uma validade
universal. O homem com alternativas de acesso a essas manifestações estariam
prontos para irem além das muletas e apoios que teriam um poder limitador.
Apoiar-se representaria estabelecer dependência e segurança. Uma aposta para
não correr riscos. O preço seria caro: não ir muito longe.
Neste contexto, cabe uma citação de Mircea Eliade,
segundo o qual o símbolo e a imagem pertencem à substância da vida espiritual.
O filósofo ainda diz que há uma “importância existencial das imagens para o
homem moderno” (texto escrito em 1952): elas teriam o poder de romper “o
universo fechado” do ambiente quotidiano e desvendaria para ele [o homem]um
mundo mais vasto e rico “carregado de significações espirituais e de
promessas”. Essas palavras de Eliade completam o pensamento de nosso
jornalista. Mesmo com simplicidade, as palavras de Daniel Piza nos conduzem aos
níveis dos símbolos e das imagens presentes nas manifestações de arte que
amplificam as possibilidades da existência humana.
A participação na vida cultural pode trazer o que
Daniel chama de intensificação da vida. Isso seria uma maneira de escaparmos de
uma monótona existência materialista e limitadora de tudo o que podemos e não
ousamos.
Daniel Piza talvez não tenha pensado nessas
questões. Mas abriu janela para a reflexão. Essa é a possibilidade que temos
quando nos propomos à leitura de blogs, jornais, livros e imagens de todo o
tipo. Encontramos surpresas e a confirmação (ou não) para nossa maneira de ver
o mundo. Encontramos parcerias e outro tipo de alimento. Ler é enxergar pelos
olhos de outros, através de suas palavras, dos sons e imagens por eles
escolhidas. Assim ampliamos nossa visão e aprendemos com outras perspectivas.
Intensificamos nossa vida, nossa biografia.
Ao longo
dos últimos quatro anos, tenho visitado biografias. Entre elas, encontrei Beethoven e Liszt, nos quais
procurei a vocação criativa pelos sons. Na vida e obra do chinês Ai Wei Wei, um
dos responsáveis pelo estádio Ninho de Pássaro, observei a resistência à
opressão política. No cinema do faroeste e de seus mocinhos, encontrei a
manifestação do mítico heróico. No inesperado romantismo de Woody Allen e na
magia de Selton Melo, encontrei a esperança e a ordem superior das coisas. Todos
esses assuntos tinham dois pontos em comum: tratavam da cultura e falavam
daquilo que é permanente busca na natureza humana. Algo que se constrói pelas
imagens e símbolos, pelos recursos artísticos que ganham contornos estéticos e,
ás vezes, éticos.
É aí que habita a importância existencial das
imagens, de que nos fala Mircea Eliade. Uma força delas que pode fecundar nosso
cotidiano, presentes na arte que nos leva para dimensões em que possamos
promover veemência em nossas experiências, para além das limitações naturais do
nosso contexto histórico. Porque tudo isso alimenta nossa alma, oferece coesão
a nossa realidade e quiçá nos livre da fragmentação e da liquidez do mundo
contemporâneo.
PS: eliade, Mircea. Imagens e símbolos. Trad. Maria Adozinda O. Soares.
Lisboa: Arcádia, 1979, p.7.
Leia a entrevista completa com Daniel Piza, de
janeiro de 2008 em http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1028460-joao-pereira-coutinho-uma-conversa-com-daniel-piza.shtml
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