“Sou urbanóide, skate e grafite.”
Zezão
Temos
notícias de grafites desde o Império Romano. Estiveram presentes nos movimentos
de 1968, pelos muros de Paris. Atualmente, no Brasil, os grafiteiros têm
chegado às galerias de arte. Zezão fez uma exposição na Galeria Zipper em São
Paulo no primeiro semestre deste ano. Fui entrevistá-lo em seu ateliê Overground. Saiba um pouco de sua
história e do mundo do grafite.
flops ou arabescos?

Em
inglês o grafite e a pichação são enunciados pela mesma palavra. Felizmente em
português temos duas porque são dois eventos urbanos diferentes, mesmo que nem
sempre possamos dizer quais são os limites entre eles. Os dois são
interferências feitas em geral por jovens no espaço coletivo; são modos de
ocupação da cidade. Ambos têm algo de inadequado ou mesmo de transgressão. Hoje
em dia, o grafite ganha o nome de street
art ou arte urbana. Os grafiteiros Osgêmeos, Kobra e Zezão percorreram essa
trilha: começaram nas ruas e conquistaram os espaços da arte.
Zezão
é da terceira geração de grafiteiros dos anos 90 em São Paulo, com influência
do hip hop e do underground americano. O filme Traços
de uma vida a respeito de Jean Michel Basquiat , final dos anos 70 em Nova
York, ampliou sua maneira de pensar.
Depois
de deixar o skate, começou a desenhar
o próprio nome, que é a maneira clássica de todos que iniciam o caminho do
grafite.
Em
1995 foi para a rua. Os primeiros lugares visitados e abandonados foram a
fábrica Klabin e o moinho Matarazzo. Em
2000, teve a notícia de um buraco que dava para uma galeria subterrânea. Entrou
para ver o que tinha. Ele confessa que daí em diante virou rato. E vieram
também a linha do trem, as tampas de bueiro, os córregos, os becos por onde se
distribuíram seus arabescos delicados e elegantes em dois tons de azul. Ops, arabescos não. São flops. Desenvolveu
assim uma de suas mais importantes marcas, sua assinatura.
Como
a permissão para a pintura nem sempre acontece, em geral, as intervenções
carregam consigo algo de proibido. Talvez por essa atitude transgressora, tenha
havido época de muita repressão pela sociedade e pela polícia. Até que a
repressão diminuiu e, após 2003, começa a haver o reconhecimento desse
trabalho. Em 2006, as galerias de arte abrem espaço.

Em
2007, veio o primeiro convite para ir a Nova York. Daí em diante não parou mais
de viajar, com exposições em galerias, museus ou murais pelo mundo afora.
Proximamente, mais um mês em São Francisco, onde ficou em maio deste ano
pintando muros, fachada da galeria, lancha e locais abandonados. Experimenta a
cada viagem uma larga troca entre os grafiteiros de cada lugar, que se agregam
para o trabalho em conjunto. O grafite é a linguagem de tribos urbanas. Conhece
todos os subterrâneos das cidades por onde passa. Tem afinidade com os
escondidos, em meio a angústias e buscas.
Hoje em dia também participa de projetos sociais, revitalização de
locais e de palestras. E completará
vinte anos de carreira em 2015. Muito a celebrar. (*)
Mas,
nos perguntamos: grafite é arte? O que é arte?
Efemeridade e permanência
Zezão
diz que resposta fácil à pergunta “o que é arte?” será necessariamente
precária. Segundo ele, fazer grafite não
é fácil . É sorte. É um mundo sem glamour.
Talvez
mais do que o produto pronto, para ele vale a experiência com a corda do rapel,
com o risco implícito a cada situação.
Gosta de preparar-se para sair, de juntar o material, as tintas, de
montar a mochila. Em contato com a rua e seus submundos, se deparando com
histórias construídas na contramão com suas personagens bizarras pelo meio.
Cada trabalho é o retrato de um momento de sua vida. Assim intenso, com
depressão, dor e descoberta de sentido.
Seja
nas catacumbas de Paris, seja nas galerias do Tietê, nos canais de esgoto ele
anda sempre com o pé nas águas. O desejo é fazer desenhos, deixando sua marca,
aquela que foi treinada na fase de experimentação de traços e de cores. É da
arte a intenção de identidade. É necessidade, uma busca de algo único e
singular.

Por
que o azul? É a cor da espiritualidade, o céu, a paz, o mar e a água. O
trabalho provocou uma aproximação com a água em sua limpeza e/ou sujidade.
Não
há dúvida de que grafite é arte. Uma arte diferente daquela a que estamos
acostumados, pois ela irrompe em um contexto estranho e radical. Mas apresenta
os aspectos da produção e de um ritual do fazer artístico, integrado á vida do
artista. Como ele diz, grafite envolve postura e atitude.
Outra
diferença nessa arte é sua efemeridade. Grafiteiro em princípio não é artista
de ateliê, segundo ele. E os grafites somem com as águas que lavam e com o
tempo que gasta.
Que
bom Zezão, que você colabora para que a cidade seja mais humana. Você faz arte limpa de intenções. E a cidade
fica viva e grita sua dor a partir do contraste que você aponta com seu traço e
assinatura. Tem razão, Zezão, não dá para falar de arte. Você faz arte, cada
vez que uma necessidade imensa de representação o impele para a rua. Você
manifesta assim aquilo que de melhor a natureza humana tem. Você a salva. A
arte é isso, salvação da natureza humana de suas fragilidades e pecados. Pela
sensibilização e pelo gesto que produz o belo.
“Não
sei me denominar”, ele diz. Nem precisa, Zezão. Está tudo claro, claro como os
seus desenhos a pulsar nos lugares em que estão colocados. Vibram acesos tais
faróis de luz muito viva, mesmo que sejam apagados pelas águas que sobem ou
pelo tempo que dilui. O desenho aparecerá em outro lugar. Ou no mesmo lugar,
efêmero e renitente, como ecos, insistindo e brigando pelo espaço e presença.
Grafites
são feitos para o uso da cidade, para o usufruto de todos. Generosamente, você
vai colorindo de azul celeste e de colorido os feios da urbe. Obrigada, Zezão.
A temporalidade do gesto permanece ao lado da efemeridade do traço. É assim a
vida. É assim a arte do grafite.
(*) Para mais informações e
imagens visite o youtube e o site http://www.zezaoarts.com.br/zezao.asp
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