“A imaginação é a mais científica das faculdades,
porque
somente ela comporta a analogia universal.”
Baudelaire (1)
A
exposição “Leonardo Da Vinci: a natureza da invenção” (*) me deu o mote para
este texto. A amostragem do lado cientista contribuiu para a constituição de uma
nova imagem do gênio. Eu não tinha informação a respeito de inúmeros aspectos
de sua obra. Ao chegar ao fim da exposição, eu estava tão envolvida com
aspectos de sua ciência que não tinha sentido falta da Mona Lisa. Como isso
aconteceu? Ele foi intenso ao desenvolver-se nos caminhos da ciência, como nos
da arte, em geral os mais conhecidos.
Essa polaridade é o que me instiga na nova imagem que tenho do artista.
em Uma só vida
Leonardo
da Vinci nasceu em 15 de abril de 1452, filho do tabelião Piero e da campesina
Catarina. Morreu em 1519. Não teve educação formal, mas frequentou o atelier do
famoso pintor de Florença, Andrea del Verrocchio, onde possivelmente
descortinou imensas possibilidades de conhecimento.
Há dúvidas
sobre a cidade de seu nascimento, polêmicas a respeito de uma de suas mais
conhecidas pinturas. Fala-se também a respeito de aspectos de seu temperamento
esquisito para a época. Mas ninguém duvida de sua genialidade. Mostrou-se
um excelente matemático, músico, naturalista, arquiteto, inventor e escultor. Pesquisou
a anatomia humana, a zoologia, a botânica. Foi também urbanista e engenheiro.
Desenvolveu pesquisas em hidráulica, tática militar e aerodinâmica.
Para citar apenas algumas de suas obras, das pinturas,
nomeamos A Última Ceia e A Virgem, Sant´Ana e o Menino. Das invenções,
citamos a máquina voadora, a escavadora, o paraquedas, o submarino. Os estudos
a respeito da anatomia do olho e da gravidez. Projetos arquitetônicos de cidade
e de porto. O livro A Divina Proporção de 1509, escrito por Luca Pacioli
(1445-1517) com quem Leonardo dividiu estudos, recebeu o Homem Vitruviano como
ilustração. Tal desenho é uma referência dos caminhos da matemática por falar
de proporções do corpo humano, de círculo e de quadrado. Mas ele ganhou espaço
por valores que vão muito além da matemática, por sua beleza e significados.
E. H. Gombrich cita a Alta Renascença de
1500, como a época em que apareceram muitos dos maiores artistas do mundo. Leonardo
e seus contemporâneos estudaram muitas áreas do conhecimento como campos de
observação e não apenas como representação da grandeza divina. Esse
contexto generoso propiciou a construção de sua biografia, abarcando tanto no
tempo de uma só vida.
CIÊNCIA E ARTE

Da experiência fundadora junto à natureza,
pôde coletar recursos para suas invenções. A natureza alimentou sua imaginação.
Dessa mente analítica, como em um laboratório, em contato com
o vôo dos pássaros, com a teia de aranha ou ainda com a força dos cavalos, ele
ia elaborando hipóteses e assim iniciava o que seria, tempos depois, o processo
de investigação científica.
Da compreensão desses
eventos naturais, criava novas maneiras de fazer, ou seja, idealizava tecnologias.
Ele disse: ” Nunca o homem inventará nada mais simples nem mais belo do que uma
manifestação da natureza. Dada a causa, a natureza produz o efeito no modo mais
breve em que pode ser produzido.” (2)
Ainda
jovem, na oficina de Andrea Del Verrocchio (1435-1488), Leonardo aprendeu a
técnica da fundição dos metais, a preparação de quadros e estátuas, estudos de
plantas e animais para inclusão nos seus quadros e teve contato com a teoria da
óptica da perspectiva e do uso das cores.
Era
época de muitas mudanças e anseios. As grandes navegações ampliavam a ideia do
mundo por horizontes terrestres a serem explorados. Nesse tempo pródigo, havia
uma nova realidade que se impunha. O homem se descolava da divindade. Era o
antropocentrismo.
A
condição social do artista mudava. Se antes não era condição favorável ser
artista e artesão, estando sempre na dependência das benesses dos príncipes,
agora as pequenas cortes da Itália disputavam os artistas que poderiam produzir
edifícios, túmulos, ciclos de afrescos. Os artistas conseguiam um lugar junto a
suas obras que eram a moeda de troca com o desejo de fama dos homens ricos.
Leonardo vivia tais mudanças.
Enquanto as condições sociais privilegiadas e as modificações relacionadas à
visão de mundo aconteciam, ele fazia a parte que lhe cabia. Ele pensava que “a
função do artista era explorar o mundo visível , tal como seus predecessores
tinham feito, só que mais completamente e com maior intensidade e precisão.”
(3)
Seus
estudos se alargavam através de uma realidade que acordava. O
empenho nos estudos era investimento e recursos para sua arte.
Ele
ia da ciência para a arte e vice-versa. A dúvida sobre qual teria sido sua
prioridade só cabe em mim, hoje em dia. Naquela época, ainda não havia a fragmentação
que só ocorreria séculos depois. Um homem culto de seu tempo podia abarcar
todas as dimensões do conhecimento. E
Leonardo experimentou o que estava disponível com competência, elevando a
natureza humana à potência somente possível a um gênio.
Havia uma postura de cientista na abordagem
objetiva da realidade, mas havia também o desejo de fazer arte da melhor forma.
Na verdade, ele fazia uma síntese para conseguir a melhor representação na sua
arte. Foi assim, por exemplo, que desenvolveu a técnica do “sfumato”, que é um delineamento menos
definido, que se pode observar nos cantos da boca e dos olhos da Mona Lisa.
Desejava
figuras mais vivas nos seus quadros. Preocupava-se obstinadamente com as
possibilidades expressivas do gesto e do corpo das personagens. E como fruto de
sua capacidade de observar, conseguia. Ele entendia o funcionamento da visão. E
como diz Gombrich a respeito da Última
Ceia: “Com
efeito, para além das questões técnicas como a segurança do desenho e a
composição, devemos admirar a profunda intuição de Leonardo sobre a natureza
íntima do comportamento e das reações dos homens, e o poder da imaginação que o
capacitou a colocar a cena ante nossos olhos.” (4) Em síntese perfeita, ele
juntava sua postura científica à sua capacidade artística, a partir da imaginação que unia tudo.
Fala-se
que ele deixou muitas obras inacabadas, projetou máquinas que não chegaram a funcionar,
que ele tinha uma natureza difícil. Mas, ele tinha algo potente dentro de si buscando
expressão. Uma imaginação capaz de estabelecer relações entre fatos, eventos e
sua mente imaginativa. Ele tinha uma dúvida irrespondível, uma pergunta sempre despontando
na próxima esquina e que –renitente- permanecia sem resposta.
O
que aliviaria esse espírito inquieto? Ele
fez muito porque suas tentativas nunca chegavam a um fim e acabavam por empurrá-lo
a novas buscas. E sua imaginação nunca encontrava um ponto final. Ao contrário,
seguia em frente, conjeturando sobre novos alinhavos. Era como se uma confiança
excessiva o impelisse. E ele continuava tentando o que não cabia no presente e
o que o lançava a um futuro incompleto em processo infindo. Moto contínuo. Para
novos cálculos e novos rascunhos na próxima página de seus cadernos de
anotações. Infindáveis. Inumeráveis.
(*)
Leonardo Da Vinci, a Natureza da Invenção- Centro Cultural Fiesp -Avenida
Paulista, 1313. São Paulo - até 10 de maio de 2015.
(1) FAURE, Elie. L´Esprit des Formes. Vol 2. Paris: Livre de Poche,
1976. p.10.
(2)
Frase no folheto de divulgação da exposição visitada, disponível integralmente
na web: http://www.sesisp.org.br/cultura/exposicao/leonardo-da-vinci-a-natureza-da-invencao.html
(3)
GOMBRICH, E. H. A História da Arte. RJ: Zahar
Editores, 1979, p.222.
(4)
GOMBRICH, op.cit. , p.226.
(5)
Foi ousadia desejar escrever sobre Leonardo Da Vinci. Tive que selecionar o
possível. O apoio veio principalmente de A
História da Arte de E. H. Gombrich
(RJ: Zahar editores, 1979) e da Enciclopédia
Britânica ( vol.13). A personagem merece muito mais, com certeza. Que este texto possa servir de inspiração
para outras leituras e buscas.
Ana, lindo texto!!!!!!!!!!!!!!!! Como vc sabe, da Vinci e minha paixao! Ser humano completissimo! E como uma vez disse o Robson, com certeza, alguem que veio do futuro. Querida, ainda vou fazer aquela tese astrologica sobre o Leonardo, e vc vai ser miha orientadora..... Saudades! Beijao
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