segunda-feira, 5 de junho de 2017

PATERSON, OU A POESIA DO SIMPLES

Ana Maria M. González


O filme PATERSON de Jim Jarmusch dá espaço para a LITERATURA e é cheio de delicadezas. Já ouvi alguém dizer que ele fala de nada. Talvez falte a essa crítica olhos de ver e de sentir. Na verdade, trata-se de outro tipo de cinema chamado independente. Fui buscar o que significa esse conceito. Fui conhecer mais acerca do diretor Jim Jarmusch. Iremos então ao filme e, principalmente, à poesia. 


JIM JARMUSCH E O INDIE MOVIE

Sim, esse filme é diferente daqueles ligados ao circuito comercial. Normalmente são filmes de baixo orçamento para os padrões de Hollywood e baseados em boa atuação dos atores, com roteiros elaborados e temas nem sempre convencionais.

Lembra-se do filme PEQUENA MISS SUNSHINE? Pode ser considerado desse tipo. É filme inteligente e fora dos padrões de filmes mais comerciais. Em geral, tais filmes são produto artístico de alguém que se dá liberdade de expressão e como passam ao largo dos apelos do grande público não são incluídos nas redes da indústria cinematográfica. São também chamados cinema underground, alternativo ou indie movie.

Pois é dentro desse conceito de liberdade que Jim Jarmusch fez PATERSON. Esse diretor tem longo histórico no cinema, ganhou prêmios, mas não é muito conhecido do grande público. Em seus filmes há sempre algo de imponderável, um pouco fora de uma lógica racional.

PATERSON também traz esse traço. Nele assistimos a pequenas ações banais em meio à rotina do dia-a-dia. Não há grandes efeitos ou feitos de herói. Mas, nessa banalidade toda, há detalhes interessantes e sensíveis que necessitam de olhos para ver mais e melhor.

PATERSON


“Quando você é criança, aprende que o mundo tem três dimensões,
Altura, largura, profundidade,
Como uma caixa de sapatos.
Então depois você fica sabendo sobre uma quarta dimensão
O tempo.”  Paterson


O relacionamento com a companheira é feito de diferenças e muito amor. Enquanto ele leva a vida como ela vem, a esposa se movimenta, deseja, cria e inventa produções de música e comidas. Tudo em um estilo muito particular. Temos um cachorro carismático, que não gosta dele. Mas ele também acaba confessando que não gosta do cachorro. Ponto para o cachorro que consegue tirar Paterson de seu conforto.

Temos um bar, seu dono com muitas histórias para contar. Frequentadores que jogam xadrez. Um homem em crise no final de um relacionamento. Na parede, uma coleção de fotos e recortes de jornais das personagens da literatura, música e cinema dessa cidade.

Um rapper que treina sua composição musical em uma lavanderia. Uma garota de onze anos, que também tem um caderno secreto de poemas e se espanta por Paterson conhecer Emily Dickinson. Casais de gêmeos se repetem. O assunto do assédio das mulheres aos homens nos coloca um sorriso na boca por mais esse traço de humor e de ironia sutil.

Assim como a mudança dos dias também a criação de seus versos é indicada por lettering. Eles vão formando poemas, lidos pela voz de seu criador. Vamos seguindo essa composição, verso por verso. Ficamos esperando por seu aparecimento pipocando na tela.

Acompanhamos Paterson que se mistura nos movimentos da cidade. Ambos têm o mesmo nome. Essa personagem é a força da narrativa. Tudo gira a sua volta.

POESIA AQUI E ALI

PRELÚDIO AO INVERNO
A mariposa sob as goteiras

com asas como
a casca de um tronco, estende-se
e o amor é uma curiosa
coisa suavemente alada
imóvel sob as goteiras.


 Williams Carlos Williams.

Os poemas vão sendo completados pouco a pouco. De manhã, enquanto espera a ordem para sair com o ônibus ou na hora do almoço, olhando a paisagem. Seus olhos pairam e parecem focalizar a ponte e a queda d´água. Viria daí a inspiração que faz coisas comuns se transformarem em versos e poemas em caderno acomodado nos joelhos? Ou ainda, à noite no porão de sua casa.

Em um caderno secreto, ele vai escrevendo nesses momentos que me parecem ser mais do que intervalos. Na verdade, cada um desses tempos de seu dia é muito esperado para esse exercício de reflexão acerca das coisas comuns. Nelas, ele encontra algo maior que lhes dê sentido, um significado poético e criação, enlevo estético.

São tempos de abstração em que o poeta vaga longe achando em um vazio o que estava procurando. E as palavras vão se acomodando no branco da página em alinhavos de poesia.

Sim, nesse filme temos poemas escritos e muita poesia dispersa aqui e ali. Misturada à realidade urbana, como nos versos de Williams Carlos Williams (1883-1963), modelo e poeta preferido de nossa personagem.

Paterson é também o nome de um longo poema em que esse poeta teria expressado “a semelhança entre a mente do homem moderno e a cidade”. Esse poeta modelo viveu a época em que as cidades ganharam impulso. Sua poesia tinha a “capacidade de transformar todo assunto ou objeto em matéria poética”, com imagens visuais, inglês coloquial e viés modernista. Como os versos de nossa personagem.

Nada é inocente na obra de um grande diretor de cinema e as ideias vão se juntando e revelando um rico universo literário. A repetição do nome da cidade na personagem, que também é nome de poema desse poeta várias vezes citado.

Estas aproximações não são coincidências. Nelas encontramos a expressão da genialidade de Jim Jarmusch que juntou a obra do grande poeta americano, o elogio da vida de uma cidade pequena, a história de uma personagem que é feliz no seu modo de vida simples. E em meio a tudo isso, o louvor à literatura e à poesia.

Temos muita poesia inserida delicadamente na tela do cinema quando os prédios da cidade, suas ruas e pessoas nas calçadas se revelam nos vidros do ônibus – cidade, pessoas, motorista e ônibus, tudo misturado. Ou de forma mais evidente quando as águas caudalosas da imaginação invadem os versos que estão formando poemas. Movimentos enormes de água como metáfora do intenso sentimento pela mulher amada.

Jim Jarmusch utilizou todos esses recursos para expressar uma maneira de experimentar a vida e de fazer cinema. A personagem diz: Eu respiro poesia. Confissão redundante e quase desnecessária.

Eu identifiquei algumas situações em que vi poesia. Você poderá identificar outras, pois a experiência poética é particular e subjetiva. Dizem que requer paciência e treino de olhar. Será? Por exemplo, como interpretar que o japonês com quem Paterson se encontra nas últimas cenas do filme tenha lhe dado um caderno para escrever poemas? Sem saber, ele estava completando uma falta importante na vida de nossa personagem. Coincidências da vida? Magia dessas inexplicáveis que acontecem? Ou terá sido apenas mais um sinal de poesia?  
Pode ser, sim. Poesia da vida.

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