terça-feira, 29 de agosto de 2017

QUAL É O FILME DE SUA VIDA?

Ana Maria M. González

O título O FILME DA MINHA VIDA é inteligente. Onde entra o cinema na narrativa deste filme? No início de forma sutil, lá pelo meio do filme de forma mais direta. Sem percebermos ele está presente o tempo todo, enviesado. O título é muito mais do que um truque da criatividade do diretor Selton Mello. Leia o texto e assista ao filme.

O FILME

Selton Mello tem presença na TV e cinema brasileiros como ator, dublador e menos frequentemente como diretor. Larga lista de prêmios. Quem poderá esquecer de O PALHAÇO? A mesma sensibilidade que ele desenvolveu nesse filme, acontece neste que nos interessa hoje.

Baseado no romance chileno Um Pai de Cinema de Antonio Skármeta, nos traz a história de Tony (Johnny Massaro) que viaja para a capital para se formar professor de francês. Quando retorna a Remanso, pequeno povoado na Serra Gaúcha, descobre que Nicolas (Vincent Cassel), seu pai, estava indo embora no mesmo vagão para a França seu país de origem, sem muitas explicações.

Ele não entende nem aceita a opção do pai. Acompanhamos nostalgia em seus olhos tristes e lembranças infantis dos tempos que vivera junto a essa figura tão forte em sua vida.

Onde anda meu pai? Por que motivo ele foi embora? Sua mãe também sofre essa ausência. São duas pessoas em estado de saudade. O que fazer nessa hora? Paco (Selton Mello) parece querer ocupar o papel aberto pela ausência do pai junto de Tony a quem aconselha e junto a bela mulher que é sua mãe.

No desenrolar da narrativa, assistimos às experiências de Tony passando pela atração do sexo, pela vida emocional de alguém recém-saído da adolescência. Ser jovem é viver incertezas que promovem insegurança e escolhas que são delongadas ao máximo. Essa é a toada do cotidiano de Tony. O tempo é que vai dizendo as respostas e soluções. Mas em meio a esse quase marasmo, ser jovem é também descobrir emoções de beleza e arte.

O TREM E O CINEMA

Como todo filme especial, temos detalhes. Muitas vezes as sutilezas do cinema podem ficar escondidas na trama que nos atrai. Observar a transformação de Tony, o sofrimento de sua mãe e a presença dos alunos da escola, tudo é envolvente e está dentro do que se espera das boas histórias. Mas, há mais.

Uma dessas sutilezas, por exemplo, é a cor amarelada da fotografia competente de Walter Carvalho. Essa escolha nos envolve com calor, com sugestões de brilhos solares. Tempo de amadurecimento. Traz também uma sensação de coisas amarelecidas e guardadas em grandes gavetas. Tempo passado? Tempo de amadurecimento e calor? Os dois?

E a trilha sonora faz parte desses aspectos que compõem estratégias do bom cinema. Quando a primeira música acontece, ela chega grande e quente na voz de Charles Aznavour (J'avais Vingt Ans). Outras, como Coração de Papel de Sérgio Reis e The House of The Rising Sun (The Animals), compõem o quadro de época. Com extrema elegância, I Put a Spell on You na voz de Nina Simone emociona, assim como a Habanera da ópera Carmen de Bizet. São toques de beleza não acidentais em um filme de muitos silêncios e em que os diálogos são meticulosamente colocados.

São os olhares e o trabalho de câmera fechado nos rostos, os sons e as cores responsáveis em grande parte pela construção do cenário e da história.

E há o trem. Logo na primeira cena do filme surge o apito e o barulho das máquinas. Vemos os trilhos que se alongam paralelamente à estrada de terra que segue para um mesmo destino à frente. Ele atravessa a história estabelecendo ligações importantes entre duas cidades e dois tipos de vida.

A viagem de trem que surge como elemento de conexão entre a pequena cidade e a outra que tem comércio, cinema e bordel. Na pequena distância entre elas, permanece um intervalo de espaço a ser percorrido se houver o desejo de algo diferente. São tempos e ritmos diferentes. Essa separação geográfica parece permitir que Remanso fique como está sempre, um lugar em que um relógio pode ficar um mês parado e em que ponteiros de outros relógios parecem estar sempre no número doze. O tempo existe? Talvez não e talvez seja essa a pesquisa que Luna faz com suas fotos. Uma marcação essencialmente emocional de momentos particulares.

O trem leva as pessoas para resolver suas questões como diz o maquinista (Rolando Boldrin) que reconhece que seu trabalho é belo. É esse sábio homem que leva Tony para assistir ao filme de sua vida, a partir do qual pode reencontrar seu pai.

As primeiras palavras do filme dizem que o início e o final do filme são o que interessa. Mas depois Tony entende que o meio também pode ser importante. Seria esse meio o caminho do jovem que se se percebe homem capaz de se dar o direito de andar na motocicleta do pai? Aos poucos percebemos mudanças em seus olhos jovens. O meio de história seria a aprendizagem de seu ritual de crescimento?

E o cinema carrega na tela os heróis e as cenas de luta que parecem garantir um encantamento para Tony. Outra herança de seu pai. No cinema está a experiência mágica do Rio Vermelho, um faroeste de aventura, desafios e sedução. Os olhos de Tony brilham magnetizados. Seus pés flutuam acima do cotidiano. Trata-se do filme da vida dele.

E, agora cabe a pergunta: Qual é o filme da sua vida? Pode haver muitos, mas a questão é escolher um, talvez mais. Eu adivinho que a lista pode se alongar. Mas tente forte encontrar um que lhe fale fundo na alma. Aquele que você assistiria inúmeras vezes até no mesmo dia.  Aquele que de forma encantatória o levaria a flutuar do chão, porque a história traz um sinal de afinidade essencial, diálogos ou aquela paisagem que estimula a imaginação. Aquele que traz qualquer coisa boa ainda que pouco identificável.

Do que estou falando? De cinema. De imagens que me ligam a um tempo imemorável dentro de mim. Da existência quase reais de narrativas acontecendo, como se houvesse algo no ar e também na forma da cadeira no escuro do cinema, no som que sai de todos os lados dessa sala fechada. Nesses momentos, estou fora e longe de tudo. Abduzida e arremessada a um espaço atemporal mas cheio de imagens. No cinema, recebo imagens e histórias que liberam minha imaginação. Flutuo como Tony quando a história fala comigo.

O que é essa magia de imagens se desenrolando à nossa frente e falando conosco? Você saberia me dizer?

Selton Mello homenageia essa magia. Há também um grande amor ao cinema nesse filme.  Enfim, o título mostra a que veio. Qual é mesmo o filme de sua vida?

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