segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

MIL VEZES BOA NOITE – OUTRA ANÁLISE

"Os filmes geram opiniões diferentes. Leiam a seguir a análise de minha amiga Suzana M. Sacchi Padovano com quem troquei mensagens depois da postagem da análise que fiz do filme Mil Vezes Boa Noite, com Juliette Binoche. Agradeço a ela a disponibilidade para o diálogo! Convido a todos que escrevam compartilhando idéias e sugestões. Este espaço tem como um de seus objetivos receber opiniões divergentes que contribuam para nossa reflexão."


Mil Vezes Boa Noite – Outra análise

De fato, como destacado anteriormente, o filme dá margem a inúmeras interpretações e leituras.

Levada pela crítica positiva fui assistir a ele e senti que a repercussão midiática foi muito além do que ele merecia. O filme é do tipo hollywoodiano velado, melodramático e com intenções “artsy” (pretende ser um filme de arte). É presunçoso na sua premissa, como se ela fosse, neste caso específico, de grande importância. Para tal, coloca a personagem numa situação extremamente dicotômica e maniqueísta. A carreira ou a família.

Antes de entrar em posteriores considerações sobre a trama, eu diria que a fotografia do filme é boa, ma non troppo. Os enquadramentos e as montagens são bem convencionais, considerando que a personagem é uma premiadíssima fotógrafa. Perceba que as fotografias de guerra ou terror transbordam dramaticidade inerente e nos conduzem à admiração incondicional sem maiores julgamentos.

De fato, as cenas inicial e final são muito expressivas e a inicial nos promete um filme maravilhoso que aos poucos desaba na monotonia e repetição, com exploração de gestos, detalhes e romantismos desnecessários. Não é um filme contundente, seco. É floreado demais e explora um rebuscamento emocional para cativar facilmente o espectador, o que redundou na falta de fluidez e ritmo desse longa.

A trilha sonora é muito banal, até fraca em certos momentos, com um violino monótono e tradicional em filmes de tristeza e desolação. Nada criativa, apenas correta e comercial.

A partir daí, vejo a trama meio sem sentido. Um bela senhora (não é mais mocinha), super profissional (entre as cinco melhores da área), já casada há algum tempo, com uma super família, um super marido, numa super casa, com uma super condição econômica, na super Irlanda…fica em dúvida cruel se dá sequência a sua saga fotográfica de situações de conflito e risco ou larga tudo e volta para ser dona de casa, olhando as paredes, olhando para as mãos, conversando com os amigos do marido e não sendo mais a protagonista da história (que era o que ela sempre quis ser). Neste ponto direi que Freud explica…

Na vida as coisas não são tão branco e preto, ao contrário, ao ser vivida surgem inúmeras acomodações, relatividades e ajustes. Não haveria necessidade de tanto drama. Ela (Rebecca) poderia perfeitamente continuar sua profissão, escolhendo temas tão importantes quanto, como por exemplo, a sustentabilidade do ecossistema, entre outros, e permanecer com sua adorável família sem correr riscos de vida. Não haveria necessidade de se auto negar, deixando para trás sua amada profissão, sacrificando-se por uma causa maior (a família), como “O Enforcado”, do Tarot, que você menciona – ou sendo uma total egóica/narcisista, sem pensar no engendramento de emoções e dores que estaria causando aos seus relacionamentos abandonados.

Rebecca é, entretanto, o retrato de uma psicopata suicida e isto justifica este dilema.

O final do filme pode deixar alguma dúvida. Acredito que a maioria dos espectadores, pela cena final em que ela não consegue fotografar a vítima, rendendo-se e ajoelhando-se junto a mãe da jovem que parte para a morte, irá pensar ou mesmo desejar, que ela volte ao lar regenerada (final feliz). Segundo sua interpretação, Ana, esta volta seria motivada pela emoção e aceitação de sua da maternidade (“A Imperatriz”, do Tarot).

Penso, caso Rebecca retornasse a sua família, que seria uma eterna infeliz, mesmo tendo tido sua consciência maternal eventualmente resgatada. Como típica psicopata, ela não se regeneraria nem encontraria sua salvação (pois no seu íntimo ela tinha aquela gana pela adrenalina, do agir sem pensar, que você frisou). Além disso, existe a questão que o filme mostra ela sentindo-se culpada todo o tempo e, principalmente, por ter interferido na morte da primeira moça na hora da sua (Rebecca) descida do carro. Fato este que desmistifica a ideia da neutralidade jornalística e mostra, diferentemente do que ela pensava ao desmascarar o terrorismo (que era seu objetivo central e justificava o seu trabalho) - que ela era, desavisada, usada pelos assassinos para alardear ao mundo o que eles faziam (faca de dois gumes).

Rebecca representa a carta do Tarot  “O Louco/ The Fool”, que sob o aspecto psicológico configura a imagem do impulso misterioso dentro de cada um de nós e nos impele ao desconhecido. É o nosso lado jovem e indomado que se atira no precipício sem hesitação, confiando que tudo dará certo. Esta é a primeira carta do Tarot – Arcanos Maiores, aquela que inicia a jornada de cada ser, e dá sequência às outras cartas que virão e representa a ambiguidade e a falta de maturidade para perceber a divindade contida dentro de si. No filme a fotógrafa encontra-se ainda neste estágio inicial ou talvez reiniciando sua jornada, cheia de excitação, medo e terror.  Caso queira salvar-se, deverá percorrer um caminho muito longo e cheio de superações. Mas não acredito nisso. Como disse Albert Camus:

“A vida é a soma de todas as nossas escolhas”.

E, acrescento eu, traz à tona o mistério sobre elas.



Autoria: Suzana M. Sacchi Padovano 

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