segunda-feira, 2 de março de 2015

LEONARDO DA VINCI, CIÊNCIA E ARTE

“A imaginação é a mais científica das faculdades, porque 
somente ela comporta a analogia universal.” Baudelaire (1)

A exposição “Leonardo Da Vinci: a natureza da invenção” (*) me deu o mote para este texto. A amostragem do lado cientista contribuiu para a constituição de uma nova imagem do gênio. Eu não tinha informação a respeito de inúmeros aspectos de sua obra. Ao chegar ao fim da exposição, eu estava tão envolvida com aspectos de sua ciência que não tinha sentido falta da Mona Lisa. Como isso aconteceu? Ele foi intenso ao desenvolver-se nos caminhos da ciência, como nos da arte, em geral os mais conhecidos.  Essa polaridade é o que me instiga na nova imagem que tenho do artista.

em Uma só vida

Leonardo da Vinci nasceu em 15 de abril de 1452, filho do tabelião Piero e da campesina Catarina. Morreu em 1519. Não teve educação formal, mas frequentou o atelier do famoso pintor de Florença, Andrea del Verrocchio, onde possivelmente descortinou imensas possibilidades de conhecimento.

dúvidas sobre a cidade de seu nascimento, polêmicas a respeito de uma de suas mais conhecidas pinturas. Fala-se também a respeito de aspectos de seu temperamento esquisito para a época. Mas ninguém duvida de sua genialidade. Mostrou-se um excelente matemático, músico, naturalista, arquiteto, inventor e escultor. Pesquisou a anatomia humana, a zoologia, a botânica. Foi também urbanista e engenheiro. Desenvolveu pesquisas em hidráulica, tática militar e aerodinâmica.

Para citar apenas algumas de suas obras, das pinturas, nomeamos A Última Ceia e A Virgem, Sant´Ana e o Menino. Das invenções, citamos a máquina voadora, a escavadora, o paraquedas, o submarino. Os estudos a respeito da anatomia do olho e da gravidez. Projetos arquitetônicos de cidade e de porto. O livro A Divina Proporção de 1509, escrito por Luca Pacioli (1445-1517) com quem Leonardo dividiu estudos, recebeu o Homem Vitruviano como ilustração. Tal desenho é uma referência dos caminhos da matemática por falar de proporções do corpo humano, de círculo e de quadrado. Mas ele ganhou espaço por valores que vão muito além da matemática, por sua beleza e significados.

E. H. Gombrich cita a Alta Renascença de 1500, como a época em que apareceram muitos dos maiores artistas do mundo. Leonardo e seus contemporâneos estudaram muitas áreas do conhecimento como campos de observação e não apenas como representação da grandeza divina. Esse contexto generoso propiciou a construção de sua biografia, abarcando tanto no tempo de uma só vida.    

CIÊNCIA E ARTE

Ele viveu uma infância junto ao campo. Na natureza observou os movimentos dos ventos e das águas, os animais grandes e os pequenos em suas metamorfoses.  Anotava e rascunhava em cadernos ou diários em intenso trabalho. Era um cientista em  movimento ininterrupto.

Da experiência fundadora junto à natureza, pôde coletar recursos para suas invenções. A natureza alimentou sua imaginação.

Dessa mente analítica, como em um laboratório, em contato com o vôo dos pássaros, com a teia de aranha ou ainda com a força dos cavalos, ele ia elaborando hipóteses e assim iniciava o que seria, tempos depois, o processo de investigação científica.

Da compreensão desses eventos naturais, criava novas maneiras de fazer, ou seja, idealizava tecnologias. Ele disse: ” Nunca o homem inventará nada mais simples nem mais belo do que uma manifestação da natureza. Dada a causa, a natureza produz o efeito no modo mais breve em que pode ser produzido.” (2)

Ainda jovem, na oficina de Andrea Del Verrocchio (1435-1488), Leonardo aprendeu a técnica da fundição dos metais, a preparação de quadros e estátuas, estudos de plantas e animais para inclusão nos seus quadros e teve contato com a teoria da óptica da perspectiva e do uso das cores.

Era época de muitas mudanças e anseios. As grandes navegações ampliavam a ideia do mundo por horizontes terrestres a serem explorados. Nesse tempo pródigo, havia uma nova realidade que se impunha. O homem se descolava da divindade. Era o antropocentrismo.

A condição social do artista mudava. Se antes não era condição favorável ser artista e artesão, estando sempre na dependência das benesses dos príncipes, agora as pequenas cortes da Itália disputavam os artistas que poderiam produzir edifícios, túmulos, ciclos de afrescos. Os artistas conseguiam um lugar junto a suas obras que eram a moeda de troca com o desejo de fama dos homens ricos.  

Leonardo vivia tais mudanças. Enquanto as condições sociais privilegiadas e as modificações relacionadas à visão de mundo aconteciam, ele fazia a parte que lhe cabia. Ele pensava que “a função do artista era explorar o mundo visível , tal como seus predecessores tinham feito, só que mais completamente e com maior intensidade e precisão.” (3)

Seus estudos se alargavam através de uma realidade que acordava. O empenho nos estudos era investimento e recursos para sua arte.

Ele ia da ciência para a arte e vice-versa. A dúvida sobre qual teria sido sua prioridade só cabe em mim, hoje em dia.  Naquela época, ainda não havia a fragmentação que só ocorreria séculos depois. Um homem culto de seu tempo podia abarcar todas as dimensões do conhecimento.  E Leonardo experimentou o que estava disponível com competência, elevando a natureza humana à potência somente possível a um gênio.

Havia uma postura de cientista na abordagem objetiva da realidade, mas havia também o desejo de fazer arte da melhor forma. Na verdade, ele fazia uma síntese para conseguir a melhor representação na sua arte. Foi assim, por exemplo, que desenvolveu a técnica do “sfumato”, que é um delineamento menos definido, que se pode observar nos cantos da boca e dos olhos da Mona Lisa.

Desejava figuras mais vivas nos seus quadros. Preocupava-se obstinadamente com as possibilidades expressivas do gesto e do corpo das personagens. E como fruto de sua capacidade de observar, conseguia. Ele entendia o funcionamento da visão. E como diz Gombrich a  respeito da Última Ceia: “Com efeito, para além das questões técnicas como a segurança do desenho e a composição, devemos admirar a profunda intuição de Leonardo sobre a natureza íntima do comportamento e das reações dos homens, e o poder da imaginação que o capacitou a colocar a cena ante nossos olhos.” (4) Em síntese perfeita, ele juntava sua postura científica à sua capacidade artística,  a partir da imaginação que unia tudo.

Fala-se que ele deixou muitas obras inacabadas, projetou máquinas que não chegaram a funcionar, que ele tinha uma natureza difícil. Mas, ele tinha algo potente dentro de si buscando expressão. Uma imaginação capaz de estabelecer relações entre fatos, eventos e sua mente imaginativa. Ele tinha uma dúvida irrespondível, uma pergunta sempre despontando na próxima esquina e que –renitente- permanecia sem resposta.

O que aliviaria esse espírito inquieto?   Ele fez muito porque suas tentativas nunca chegavam a um fim e acabavam por empurrá-lo a novas buscas. E sua imaginação nunca encontrava um ponto final. Ao contrário, seguia em frente, conjeturando sobre novos alinhavos. Era como se uma confiança excessiva o impelisse. E ele continuava tentando o que não cabia no presente e o que o lançava a um futuro incompleto em processo infindo. Moto contínuo. Para novos cálculos e novos rascunhos na próxima página de seus cadernos de anotações. Infindáveis. Inumeráveis.  

(*) Leonardo Da Vinci, a Natureza da Invenção- Centro Cultural Fiesp -Avenida Paulista, 1313. São Paulo - até 10 de maio de 2015.
 (1) FAURE, Elie. L´Esprit des Formes. Vol 2. Paris: Livre de Poche, 1976. p.10.
(2) Frase no folheto de divulgação da exposição visitada, disponível integralmente na web: http://www.sesisp.org.br/cultura/exposicao/leonardo-da-vinci-a-natureza-da-invencao.html
(3) GOMBRICH, E. H. A História da Arte.  RJ: Zahar Editores, 1979, p.222.
(4) GOMBRICH, op.cit. , p.226.
(5) Foi ousadia desejar escrever sobre Leonardo Da Vinci. Tive que selecionar o possível. O apoio veio principalmente de A História da Arte de  E. H. Gombrich (RJ: Zahar editores, 1979) e da Enciclopédia Britânica ( vol.13). A personagem merece muito mais, com certeza.  Que este texto possa servir de inspiração para outras leituras e buscas.



Um comentário:

  1. Ana, lindo texto!!!!!!!!!!!!!!!! Como vc sabe, da Vinci e minha paixao! Ser humano completissimo! E como uma vez disse o Robson, com certeza, alguem que veio do futuro. Querida, ainda vou fazer aquela tese astrologica sobre o Leonardo, e vc vai ser miha orientadora..... Saudades! Beijao

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