quarta-feira, 23 de setembro de 2015

INTOCÁVEIS E SAMBA, A MARCA DA DIREÇÃO

Lembra-se?, o filme Intocáveis rendeu aos diretores o prêmio de melhor filme estrangeiro no Oscar de 2013. Os diretores Olivier Nakache e Eric Toledano voltam à cena com sua segunda obra, o filme Samba que tem sido bem recebido pelo público. Vale a pena voltar ao primeiro filme da dupla. O título Intocáveis chama nossa atenção. Por que motivo suas duas personagens principais seriam intocáveis?  E como se identifica a presença de seus diretores?

DEIXANDO-SE TOCAR
De maneira leve e crítica,- como também parece ser o tom de seu segundo filme Samba-, os diretores nos apresentam uma dupla improvável: Phillipe um bilionário tetraplégico e Driss seu enfermeiro. Além disso, o filme passa por temas atuais como a imigração, adolescência e drogas.
Philippe (François Cluzet) é rico, gosta de literatura, de arte (“único traço de nossa passagem pela vida”) e de música clássica.  Driss (Omar Sy), sem experiência no ofício da enfermagem, apresentando ainda antecedentes criminais, gosta de música para dançar, fuma maconha e traz da periferia uma história de dificuldades. Apesar de diferentes, desenvolvem uma relação afetiva e de cumplicidade. A forma como isso aconteceu é o que nos interessa.
Já no primeiro encontro, Driss se torna interessante aos olhos de Philippe, pela ruptura que ele representa no monótono desfile dos outros candidatos ao cargo. Ele não faz nada do que seria esperado, surpreendendo com gírias e falas inadequadas que dizem a verdade: ele deseja somente o documento assinado para garantir o salário desemprego. Esse discurso meio torto agrada ao tetraplégico. Isso garante que Driss entre no período de teste para o cargo de enfermeiro. É um desafio.
Philippe vai juntando argumentos para justificar seu interesse por Driss: ele é saudável, forte. Além disso, ele é curioso e inteligente. E mais que tudo, não tem compaixão.  “Ele não tem dó de mim” diz Philippe, que quer mesmo é sentir-se vivo.
Ambos se parecem muito. Gostam de velocidade e de aventuras; têm senso de humor. Além disso, ambos são intragáveis, difíceis de relacionamento e de contato. Driss parece não se importar com a família. Não parece valorizar princípios e critérios de convivência. Por sua vez, os enfermeiros de Philippe são trocados a cada duas semanas.  Ele tem uma dificuldade emocional enorme. Foge do contato real com a mulher com quem troca cartas. Não suporta contato. 
Essas dificuldades são denominador comum entre eles. Mas, Driss passa a representar para Philippe, o que ele não pode mais fazer na vida. Os dois se comunicam. Afeto e confiança se constroem na dor e na alegria. Driss, pelas bordas, vai adentrando em sua vida. Chega à relação de Philippe com sua filha e com seus funcionários, à vida sexual e afetiva. Dá-lhe permissão para o fumo e o relaxamento fora do plano mental; empresta-lhe o corpo físico e a liberdade. 
Se Philippe aprende a viver de novo com Driss, este também aprende muito com o tetraplégico: arte e conforto, princípios e confiança em si mesmo. Com Philippe, ele aprende critérios para a convivência no mundo. 
São ambos intocáveis, no início. Apresentam temperamento ríspido. Por isso, são separados das outras pessoas e dos comportamentos caracterizados como de senso comum. Cheguei a ir um tanto longe: pensei nos impuros e párias da sociedade indiana. Um vem da periferia, de uma marginalidade real. O outro vive sua segregação pelo temperamento e pelo drama de sua vida.   
Então, as semelhanças lhes oferecem elementos para a relação, para a formação do vínculo que dilui o que os separa.  O contato os humaniza. Mudam suas histórias: Driss se aproxima de sua família, a gentileza passa a fazer parte de seu mundo. Philippe se reconcilia com seu corpo e com sua vida afetiva. A harmonização e o diálogo favorecem contatos e afeto. Essa religação de ambos traz a cura da segregação. 
Assim ampliam seus mundos. Abrem possibilidades novas. Partilham junto, compartilham. A cena da comemoração de aniversário de Philippe é emblemática de um cenário cheio de outros intocáveis. Pessoas ocupando o mesmo espaço fisicamente e sem contato. Uma festa de mentirinha para Philippe, mas cheia de indignação silenciosa e de amargor controlado. 
Mas, tais sentimentos somem quando se instala a música e Driss dança. O som e o sorriso contagiam os corpos e todos participantes da festa são afetados. A verdadeira alegria só pode acontecer quando somos tocados por dentro. Aí então todos fazem a verdadeira comemoração. 
Talvez não seja tão difícil deixar de ser "intocável". O remédio existe. Eles o encontraram na formação de um vínculo afetivo capaz de transformar a vida de ambos . O filme nos move e encanta. A reflexão vale para a convivência na sociedade contemporânea. 
Os diretores acertaram nesse filme. Uma história contada com detalhes delicados, também reais e cômicos. E parecem ter repetido a receita no segundo filme, Samba. Esperemos o terceiro filme da dupla. 
PS: Leia os comentários do filme Samba no link a seguir:  http://coisasdoimaginario.blogspot.com.br/2015/08/ser-estrangeiro-ou-simplesmente-ser.html

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