sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

DAVID BOWIE: EXCÊNTRICO OU GENIAL?

“Oh I’ll be free
Just like that bluebird
Oh I’ll be free
Ain’t that just like me”
LAZARUS
David Bowie era excêntrico ou genial? A notícia de sua morte nos deixou surpresos. Revisitemos seu talento. Em sua carreira houve muito glitter ,  mas não somente isso. Além da infindável experimentação que a caracteriza, encontramos nela uma pessoa especial. É a junção entre sua carreira profissional e o que ele viveu que nos interessa. A possível relação entre aspectos da biografia e obra que ele desenvolveu. Descubra a pessoa que ele foi.

POP STAR DE VOCAÇÃO MÚLTIPLA
Nascido no dia oito de janeiro de 1947, em Londres, de família simples, sem muitos privilégios sociais ou econômicos, aos oito anos foi enviado para a casa de um tio no campo. Aos onze escolheu fazer arte (pintura e música) em escola para adolescentes de acordo com o sistema escolar inglês.
Em 1959, aos doze anos, já fazia uma apresentação junto a um colega com um baixo de fabricação caseira e uma guitarra. Não demorou para que a primeira banda aparecesse. Depois dela vieram muitas outras. Com catorze anos deixou a escola e iniciou uma vida de constantes mudanças.
Ele não foi simplesmente um músico. Foi um artista de múltiplos talentos. Desenvolveu uma discografia imensa; fez e participou de filmes e vídeos. Aprendeu mímica com Lindsay Kemp em 1967 de cuja companhia participou fazendo Pierrot in Turquoise. No teatro fez o papel principal de O Homem Elefante (1980), produção teatral da Broadway em que recebeu elogios por uma atuação expressiva.
Seu irmão mais velho que era esquizofrênico lhe emprestara livros e discos, tendo assim semeado ideias e uma curiosidade para que ele pudesse ir além. Daí em diante, contou com referências, leituras, informações privilegiadas de pessoas importantes das quais se cercou.
Teve inúmeras influências: desde Little Richard e Elvis Presley, Iggy Pop e Brian Eno até a Geração Beat (Ginsberg, Burroughs, Kerouac), Andy Warhol. Obras marcantes foram 1984 de George Orwell, 2001, Uma odisseia no espaço de Stanley Kubrick.
Mas, o sucesso não veio facilmente. Sua carreira contou com altos e baixos.  Alternava a música com o cinema ou o teatro, mesclando assim seus talentos. Em entrevistas apresenta-se tímido, mas tem imensa capacidade de atuação no palco. Também na música expressa essa qualidade teatral em estilos e personagens criadas em vários momentos da carreira musical.
O mais ousado deles foi a personagem Ziggy Stardust, que era um extraterreno roqueiro e um pop star perfeito, com maquiagens pesadas, botas de plataforma. Mas não foi a única. Em seguida, vieram Allan Sane e The Thin White Duke. E a cada uma delas, ele se transformava. Cabelos vermelhos, loiros, encaracolados a la Bob Dilan, sobrancelhas raspadas, roupas de Yamamoto e detalhes de Armani. Tudo era pouco para sua experimentação. Era obstinado ao abraçar seus projetos e com facilidade os abandonava por novos desafios.
Esse conjunto de características em que se encontram experimentação e busca permitiu que sua obra tivesse qualidade intelectual e que ele deixasse um legado de sofisticação para o rock.

MOMENTOS ESPECIAIS DE SUA CARREIRA
Esse artista, que trouxe para a música ideias da arte, da literatura, do cinema e do teatro, influenciou gerações pela qualidade de suas realizações e pela coragem de romper padrões.
Perguntado a respeito de carreira profissional, Bowie disse em entrevista: “Não se pode planejar uma carreira. Fazer o que se gosta é o que pode gerar carreira”. Foi o que ele fez. E durante mais de cinquenta anos, a obra realizada demonstrou amadurecimento e reflexão. Especialmente no trabalho desenvolvido em 2013, Bowie demonstrou uma reflexão dirigida ao que ele produzira anteriormente.
Em The Next Day (2013) houve a repetição da capa de um dos três produzidos em Berlim. Não foi por acaso a adaptação da capa de Heroes de 1977. Lá Bowie viveu entre 1976 e 1979 usufruindo andar pelas ruas no anonimato, um respiro de alívio, e a cura das drogas, em que ele estava se perdendo. 
A capa do trabalho de 2013 apresenta um quadrado branco com a inscrição The Next Day que cobre grande parte da capa do disco de 1977. Além disso, há um risco na palavra Heroes, título do álbum de 1977. Estabelece-se explicitamente uma relação entre essas fases. O vídeo de 2013(1) remete a imagens de Berlim. O passado de 1977 ainda tem presença no ano de 2013. Podemos pensar que haja uma negação do antigo e uma esperança pelo que vem no novo dia. E também que a ingenuidade de ser herói ao menos por um dia (2) já não tenha muito sentido em 2013. A imagem de Bowie nesse vídeo é contemporânea e ele está despojado de roupas ou maquiagem especiais. Sem as performances que o acompanharam nas primeiras fases de sua carreira. Mas, essa é apenas uma hipótese para essa retomada do disco de 1977 e adaptação ou correção do título e da imagem de capa.
Entre essas fases, no ano 2003, há outro trabalho denominado Reality. A capa desse disco traz um homem de terno preto e olhos arregalados, com órbitas escuras. Sobre esse álbum, Bowie diz em entrevista que a realidade se tornou fragmentada para muitas pessoas nos últimos vinte anos e que não há nada mais em que se apoiar. Nenhum conhecimento, apenas uma inundação de fatos em nosso cotidiano. O conhecimento foi deixado para trás e temos a impressão de estarmos à deriva (3). Não há glitter ou colorido nessas considerações, porque ele se depara com uma perspectiva real e sem ilusões.
Esses três passos, a passagem por Berlim, essa ponderação a respeito da realidade e a retomada do trabalho realizado em Berlim no ano de 2013 apresentam uma ligação entre sua vida e obra. A carreira que ele desenvolveu expressa mais do que simplesmente obras. Carreiras são, na verdade, a manifestação da presença do autor e de sua vida. Elas compõem uma narrativa em que se manifesta uma biografia.  Essa reflexão que Bowie parece fazer de sua vida dá consistência e sentido a sua obra.
A suspensão de sua obra pela morte repentinamente notificada ao público surpreendeu a todos. Mas ele deixou o álbum Blackstar e o clip Lazarus como trabalhos finais. E nestes últimos, o artista apresenta a mesma coerência entre vida e obra.
Sua última personagem ganha nome bíblico, Lazarus. No clip, ele vem com as bandas de um leproso que mal esconde o rosto. E ele é cego para a luz. Mas, o clip traz também a outra face de sua personagem que tem na mão um livro com uma estrela negra. O cenário é azul e seu olhar distante parece aspirar algo, talvez uma visão ou promessa. Seria essa a encenação da ressurreição do Lázaro bíblico? A letra diz “ Oh, eu serei livre!”, e nisso há uma esperança de libertação. Seria essa a dramaturgia e superação de um último limite, o da existência material de David Bowie? Seu contato com a inexorável morte? A esperança de algo melhor depois?
David Bowie viveu todas as etapas de sua vida colocando-a intensamente em sua carreira performática. Toda sua arte persistiu intensamente na busca da expressão. Foi muitos. Foi o que ele pode ser.  Foi o homem de mil caras, o camaleão.
Foi excêntrico e genial, na vida e na morte.






(1)Álbum de 2013: Where are we now? http://www.youtube.com/watch?v=QWtsV50_-p4
(2) Letra original de Heroes: We can be Heroes / We can be Heroes / We can be Heroes / Just for one day / We can be Heroes / We're nothing, and nothing will help us / Maybe we're lying, then you better not stay / But we could be safer, just for one day
 (3)Texto original: “I feel that reality has become an abstract for so many people over the last 20 years. /…/ There's nothing to rely on any more. No knowledge, only interpretation of those facts that we seem to be inundated with on a daily basis. Knowledge seems to have been left behind and there's a sense that we are adrift at sea.” http://www.bowiewonderworld.com/press/00/031001sosreality.htm
PS: Visite o site official  :  http://www.davidbowie.com

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