sábado, 2 de janeiro de 2016

A FOTOGRAFIA AUTORAL DE MARCELO GRECO

Quais são as motivações originais que impelem a realização de uma obra? Sempre me pergunto como ela se constrói. Surpreendente efeito de um movimento na vida do artista. Se a fotografia é arte, o que é fotografia autoral? Sob essa perspectiva, observo o trabalho do fotógrafo Marcelo Greco. Acompanhe. Feliz Ano Novo!
 
 
FOTOGRAFIA, UMA VIAGEM INTERIOR  

Marcelo Greco, paulista nascido em 1966, vem de família de imigrantes que tinham alguma ligação com arte em várias gerações. Seu avô teve um primeiro momento profissional como músico de cinema mudo e depois de uma vida no comércio ele se aposentou e passou o resto da vida compondo música sinfônica. Não terá sido em vão essa ascendência. Marcelo, antes de ser fotógrafo profissional, passou pela área de processamento de dados e foi analista de software básico. A música e a pintura sempre estiveram perto dele. Tinha paixão explícita por imagens.

Com 26 anos, estabilizado profissional e financeiramente, percebeu que desejar o lazer de final de semana e de férias não era mais suficiente. Questionamento no mínimo inteligente. E ele viveu a dúvida: faltava algo.

Aos poucos, cresceu o desejo de ser fotógrafo profissional. Em 1995, ele começou a fotografar à noite em teatros. Entre os anos de 1996 e 1997, desenvolveu trabalhos como fotógrafo em eventos sociais, empresas e para jornais e revistas. Houve o momento de elaborar um plano adequado para sua saída da empresa em que trabalhava. Foi , então, ser feliz como fotógrafo full time.

Daí então aconteceram exposições e trabalhos individuais e coletivos, nacionais e internacionais (Portugal, Itália, Alemanha, Holanda), oficinas e cursos no MAM (Museu de Arte Moderna de SP e no MIS). Foi curador geral do Festival de Fotografia Paraty em Foco 2008. Fundou em 2009 a editora Schoeler Editions, para o mercado de arte, em que cria livros e portfolios de tiragem limitada.   
  
Quando perguntado a respeito dos turning points de sua carreira, ele diz que houve alguns. O primeiro deles foi a ida para Portugal. Quando voltou ao Brasil em 2004, depois de concluído o tempo lá, sentia que era um fotógrafo autoral. Em 2015, outro ponto importante teria sido a exposição no MIS em que se reaproximou da cidade de São Paulo.

Ele não queria ser um fotógrafo jornalístico. A fotografia autoral seria o destino de suas intenções. Em cada projeto, ele confessa os aspectos autobiográficos. Motivações internas. Isso é suficiente para definirmos a fotografia autoral?
 
 
EM DIREÇÃO AO TRABALHO AUTORAL

Eis alguns momentos da trajetória do fotógrafo em escolha aleatória. O primeiro é uma exposição na Pinacoteca que se chamava Íntima, luz íntima. Era uma série de imagens com figuras femininas em salas, cozinhas e pedaços de janelas que davam para caminhos rurais. Tratava-se de uma comunidade mineira sustentada por um eixo de matriarcas, porque os homens emigravam. As fotos coloridas não escondem a tristeza e a solidão daquelas mulheres.

O segundo é o ensaio Internal affair, em que o fotógrafo nos traz imagens de sua vida pessoal e íntima. Cortinas transparentes, uma chuva fina através de uma janela, a parte de cima do corpo nu de mulher, um vaso de flores, uma travessa de peras, um pedaço de mesa ou de uma escada. O gesto de enxugar-se em toalha ou receber o carinho do focinho de um cachorro são apenas sinais de uma intimidade explícita. Apenas sinais, pouco claros. O fotógrafo trabalha com as imagens de forma poética, a partir dos aspectos simbólicos que os personagens ou objetos fotografados realizam dentro dele mesmo,segundo o texto do ensaio no jornal em junho de 2014 (*).

O terceiro momento é uma exposição realizada no Museu da Imagem e do Som em 2015,"Sombras Secas", que nos conduz por uma cidade de sombras em que as verdades estão escondidas. 'Aqui é assim: ou você entende que a cidade tem alma ou ela te engolirá nos próximos trinta segundos', diz Marcelo Greco. Um prédio através de uma tela, uma ponte, alguém de óculos dentro de um ônibus, outra pessoa olhando um celular embaixo de um guarda-sol, um prédio-fantasma, a partir de muros algum pedaço de prédio, pessoas que parecem escapar, vidros de janelas, uma árvore flutuando sobre uma mancha de sombras, pichações. Por aí, estará a alma de uma cidade com que o fotógrafo se depara após um tempo de ausência.

Marcelo Greco confessa os temas de seus trabalhos que possuem relações com sua vida pessoal. Tal postura talvez nos ajude a entender a questão da fotografia autoral que deve juntar a marca da pessoalidade do autor com aspectos técnicos. A luz e o enquadramento, os desfoques, os detalhes e os grandes planos, tudo faz parte da técnica do autor. Um trabalho autoral talvez deva juntar aspectos técnicos de qualidade com uma postura do autor, com uma marca de pessoalidade.
Definir os aspectos que fazem um trabalho autoral em fotografia é questão complexa. E é justamente esse lado autoral que mais nos instiga na busca pelo sentido de uma obra.

No site Câmera Obscura, o editor Rodrigo Fernando Pereira afirma que o fotografia autoral pode descrever as fotografias que são fruto de um projeto pessoal ou ainda para referir-se à fotografia que é vista como arte, em oposição à fotografia documental ou utilitária. Será que podemos discordar e conceder também ao trabalho de cunho jornalístico o caráter autoral caso tenha a marca pessoal de quem o realizou? Essa discordância e ousadia talvez só seja possível a um leigo como eu.

Há muitos aspectos implicados nessa questão. Como a fotografia é um campo relativamente novo dentro das artes, tais questões teóricas ainda demandarão certo tempo para comporem um quadro estável de conceitos.

Mas, podemos perceber a autoria na produção artística de Marcelo Greco onde cabe sempre a noção de projetos. Cada obra sua (exposição e livro) apresenta uma entidade com vida própria. Com técnica e beleza.

Em meio a essas dúvidas conceituais, sobra a nós a possibilidade de fruição desse trabalho em que encontramos uma mistura de compromisso com uma ação vocacionada. Uma percepção sutil do mundo através de um olho que fotografa o exterior a partir do interior.  

O trabalho autoral é recurso que sustenta o que incomoda o artista. E o cutuca, enquanto ele tenta responder a motivações que vêm de algum lugar desconhecido por ele mesmo.

Marcelo, que brincou com o fotômetro do pai e com a câmera da mãe, era fascinado por luz. Hoje ele faz algo que já estava em semente em tempos antigos de sua história pessoal. Essa continuidade temporal expressa algo misterioso: uma biografia e as obras que a constituem. As obras são o fruto de uma busca por respostas, que de antemão são incompletas e imperfeitas. Incríveis (e infindas) tentativas.

Tal é a obra de Marcelo Greco. Vida longa a você, Marcelo.
 

(*)Ensaio de Paula Sacchetta. Jornal O Estado de S. Paulo, 29/06/2014. Caderno Aliás, D6 e 7.
 
PS1: Visite o link para conhecer mais da obra de Marcelo Greco. http://www.marcelogreco.com/
 
PS2 : Visite o link para ler artigos a respeito de fotografia: http://camaraobscura.fot.br/
 

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