sexta-feira, 21 de novembro de 2014

FOTÓGRAFO MESTRE, LEO DIVENDAL

Em setembro deste ano, participei de um workshop com um fotógrafo holandês. Foi uma imersão no mundo da imagem e da beleza. Quis descobrir qual é a marca da autoria em fotos. Além disso, observei a tarefa de um grande profissional da fotografia que é também mestre em ensinar. Leia a seguir um pouco dessa experiência.

A  MARCA PESSOAL NA FOTOGRAFIA
leo_divendal_out14.pngCaso o workshop fosse uma furada para mim, eu estaria salva pela beleza do Parque Ibirapuera. A oficina de dois dias chamava-se A linguagem pessoal da fotografia. E o holandês Leo Divendal pedia que levássemos de dez a quinze fotos que seriam ponto de partida para o trabalho a ser realizado. 

Não sou fotógrafa nem tenho interesse em me tornar profissional nessa área. Mas a curiosidade me levou ao MAM. Grudei nesse chamariz: o que seria a linguagem pessoal para o Leo Divendal? Como se cria a marca de uma autoria na arte fotográfica? 

Pensando essa arte como representativa de algo pessoal, atravessei as paredes de vidro do museu. No fundo, eu exagerava na ansiedade. Estava crente de que me dirigia ao encontro de mim mesma com Leo, o leitor de pessoas nas fotos. Sem ter intenção de descrição jornalística, passo neste relato pessoal um pouco do ocorreu naqueles dois dias.

Leo Divendal, a partir de inúmeras atividades, se dedicou a nos ensinar como olhar fotos e de como criar climas para a obtenção do que queremos.

Contou sua experiência pessoal em uma viagem em que desenvolveu um trabalho fotográfico. Era um navio mercante com tripulação filipina. As fotos de sapatos dos vinte trabalhadores desse navio contaram histórias de seus donos. 


Abriu na mesa em volta da qual nos reuníamos, inúmeras fotos de uma mesma paisagem com rochas, praia e ondas, banhistas no mar. Várias perspectivas e angulações compunham uma pesquisa com passos e estratégias pensadas para que decisões fossem tomadas e para tornar as coisas mais precisas. Precisas? Bom, certo tipo de precisão, pois segundo ele, Todo espaço tem elementos conhecidos e outros a serem descobertos. É necessário tirar as camadas, uma a uma cada vez mais na direção do interior. 


leo_divendal_3_out14.pngTrouxe também cartões postais antigos, com selos e escritos com caneta a tinta. Mostrou um pequeno desenho de Rembrandt de uma mulher na janela, olhando para fora. Mas, e ele nos pediu atenção, era um olhar para dentro também, em vários níveis internos e externos. Citou o fotógrafo francês Jacques Henri Lartigue (1894-1986). 

Foi um apanhado de possibilidades nesse primeiro dia que acabou com uma análise das fotos trazidas por cada um dos seis participantes. No segundo dia, ele desdobrou uma análise ainda mais vagarosa dos arranjos preparados em casa. Com sutileza tirou do conjunto deles a alma de cada um de nós.  

O GRUPO

O grupo mostrou a que veio e Divendal deu seu recado.

Demerson trouxe dois conjuntos de fotos. No primeiro, ele fotografa uma festa e é subjugado por ela, - capturado e roubado de si mesmo. Na segunda série, ele pôde entrar em mais profundidade multiplicando imagens de ondas do mar com espumas ou movimentos. Nesse mar, ele cresceu. 

Para Gi, Leo sugeriu que reavaliasse sua impulsividade, já que ela reage rápido demais ao que sente. Sugeriu então que investigasse a linha das sensações, perguntando o que faz a conexão entre elas.  Disse ainda que era necessária a consciência da distância sem perder a continuidade no tempo, a permanência. 

Seguiram-se os conjuntos de Lara que contam histórias, as fotos de Júlia com suas colagens e intervenções. Por que não mais algumas colagens nessas outras fotos?, desafia ele.

 E ele também leu o livro de fotos de André, com suas páginas negras e brancas provocando pausas e o deixando ao final sem fôlego.

As minhas fotos? Um conjunto sem critério, a não ser o gosto de ir juntando imagens pelas viagens, flores e paisagens urbanas.  Depois de eu lhe confessar meu real interesse na fotografia enquanto representação biográfica, ele me questiona: Você quer mais? Vi-me no confronto com o desconhecido. Nunca tinha pensado a respeito de ir mais longe. Será que eu queria?

Assim como ele descobriu a ansiedade de Gi e a distração subjetiva do rapaz a se perder, ele revelou de mim certa duplicidade, uma dúvida, paradoxo. Decidir como? 

LIÇÃO

As indicações de Leo iam mostrando como as fotos devem ser olhadas. Na verdade, como olhar a realidade externa. Estávamos aprendendo a olhar o mundo. Aprendíamos a trazer as coisas para perto de nós, junto a outras imagens, textos e músicas.

Mas, ao fazer isso abríamos possibilidades de despertar imagens internas. Estabelecíamos ligação com os objetos, pela sensibilidade no olhar e pela intensidade do tempo, sem pressa. Todas essas ações contribuindo para a formação da linguagem pessoal de cada um. Assim como ele fazia ao estudar cada conjunto de nossos trabalhos. Sua fala era pausada - como seus gestos- e ele ia soltando as ideias devagar em um inglês arrastado com forte sotaque. 

Há necessidade de se dispensar tempo e energia para fazer foto, ele dizia. Ir do realismo ao impressionismo, chegar a uma atmosfera especial, descobrir uma coreografia.  Entrar no valor metafórico do que se vê. 

leo_divendal_4_nov14.jpgA beleza não precisa estar somente nos momentos mais previsíveis de beleza. Imagens-ícones por serem muito conhecidas tornam-se sem sentido, achatadas. Há beleza em coisas comuns. Porém, beleza é palavra generalizada. São possíveis nuances, interpretações, estímulos ao jeito de olhar. Processo que é também linguístico. É preciso criar beleza do mais geral para o mais pessoal.
   

Parece que entendi como se cria a linguagem pessoal: trazendo o mundo para perto de nós. Dessa forma, fotografamos a nós mesmos. Somos o que é expresso e quem constrói a expressão ao mesmo tempo. Essa é a marca da autoria.

Eu não sei se vou continuar pela fotografia, mas ao atravessar de novo as paredes de vidro do museu no momento de ir embora, sabia que levava comigo uma pergunta sem resposta: quero ir mais longe? Talvez seja suficiente chagar mais perto de mim mesma, como ensinou o mestre.
 


Levava comigo muitas ideias e imagens e, principalmente, a sensação de ter partilhado da companhia de um mestre, pelo planejamento das estratégias, pelo bom gosto do material selecionado, por sua atenção a cada participante, por sua competência.

E ainda trazia na memória a melodia de uma canção de que, em algum momento do trabalho, Leo cantarolou trechinhos. Era uma canção antiga de Paul Anka cujo refrão dizia: 


You are my destiny
You share my reverie
You are my happiness
That's what you are.

PS : As fotos ilustrativas são do Leo assim como o retrato. Leo Divendal  ( http://www.leodivendal.nl/  ) veio ao Brasil a partir de uma parceria com o fotógrafo Marcelo Greco ( http://www.marcelogreco.com )

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