segunda-feira, 25 de abril de 2016

JÚLIO PRESTES, HISTÓRIA PÚBLICA E PRIVADA

Você sabe quem foi Júlio Prestes, que nomeia uma estação ferroviária em São Paulo? Podemos observá-lo a partir de uma perspectiva pública ou privada, mais particular ou pessoal. Vamos conhecê-lo? Vamos saber qual é a importância dos arquivos pessoais para os historiadores?

JÚLIO PRESTES, HISTÓRIA PÚBLICA E PRIVADA

Em 1951, o prédio da Estação de Ferro Sorocabana na região central de São Paulo, ganhou o nome de Júlio Prestes, passados cinco anos de seu falecimento. Naquela época a população da cidade ainda tinha memória a respeito de seus feitos. Em nossa cultura os nomes de ruas, praças e avenidas, em geral, são somente elementos de placas esvaziadas de sentido. E hoje, você sabe quem é ele? Sob que pontos de vista poderíamos conhecê-lo?



HISTÓRIA PÚBLICA DE PERSONAGEM DE NOSSA HISTÓRIA

Seu nome foi dado a uma estação de ferro, por ter tido uma intensa vida pública com ligações ao desenvolvimento das ferrovias no Estado de SP. Ele nasceu em Itapetininga/SP e morreu na capital São Paulo (1882-1946). Foi o último presidente eleito do Brasil durante a República Velha. Por causa da Revolução de 1930, não chegou a assumir o cargo.

Foi deputado estadual, federal e presidente do Estado de São Paulo (nome que o governador então recebia) pelo Partido Republicano Paulista, o PRP. Preocupou-se com o funcionalismo público, com a criação do Tribunal de Contas do Estado, com ferrovias e com estradas de rodagem (Via Anchieta) e com seus funcionários, com a Faculdade de Medicina Veterinária e de Zootecnia da USP. De maneira direta ou indireta esteve compromissado com o Instituto do Café, com o Banespa, o Plano de Estabilização Econômica e Financeira do governo Washington Luís, com a caça e a pesca contra a extinção de espécies, com o Parque da Água Branca em São Paulo, com lavouras canavieiras e com o abastecimento de águas em SP. Como vemos, foi gestor preocupado com as questões públicas (e a lista de suas ações poderia ter sido mais longa).

No tempo de vida política, teve que se deparar com confrontos difíceis. Novas forças surgiam contra as oligarquias que estavam no poder. Ele viveu a revolta paulista de 1924, assistiu na segunda metade dos anos 1920, novas legendas aparecerem e se unirem à Aliança liberal. Havia uma oposição às elites de que ele fazia parte e que ocupavam o poder no Brasil.

Em 1930Washington Luís é deposto e temos a ascensão de Getúlio Vargas. Júlio Prestes havia acabado de vencer as eleições presidenciais. Entre final de 1930 e 1934, ele vive no exílio. Ao voltar ao Brasil, decide apenas cuidar das fazendas da família.

O que acabamos de relatar é uma série de fatos e datas que marcam a presença de Júlio Prestes na história. Essa é uma maneira de fazer história: observar eventos relacionados à vida pública. Essa função no quadro social e político brasileiro é parte de sua biografia. Mas, dessa forma, conhecemos apenas parte dela, a do homem público. Falta-nos aspectos de seu perfil mais pessoal.





ARQUVOS PESSOAIS

Na egreja
Da Graça
Em Beja, existe
Uma Nossa Senhora dos expatriados
Que floresce e viceja
No coração dos exilados
(Beja, 1932, exílio, Estoril)

Conheci recentemente o mundo dos arquivos pessoais que se organizam a respeito de pessoas com vida pública. Eles apresentam a vida privada em seus componentes particulares, aspectos de experiências menos visíveis ao grande público. Tais arquivos têm ganhado espaço em instituições que os guardam e estudam. Tenho me encantado com eles.

O Arquivo do Estado de São Paulo detém o arquivo pessoal de Júlio Prestes que tem sido estudado e é objeto de uma exposição. Ao visitá-la, entrei em contato com objetos e documentos da vida pessoal de nossa personagem. Isso é revelador de parte importante de sua biografia.

Guardamos coisas, lembranças papéis por apego, por algum tipo de emoção. Outras coisas, apenas sobram por obra do acaso. Daí que, esse material apresenta-se desconexo ao arquivista e historiador. Fazer uma observação e entender o sentido que esses objetos podem ter é um grande quebra-cabeça para o estudioso.

Por outro lado, tais arquivos desvendam um lado subjetivo especial de personalidades que, no fundo, têm uma vida comum como todos os cidadãos: com seus mistérios, desafios, perplexidades e beleza.

A seguir, apresento uma relação anárquica de alguns itens da exposição: um quadro de bacharelandos da faculdade de direito de São Paulo, foto da Villa Kyrial com amigos, um cartão-postal de campanha, um poema O meu maior amigo, uma medalha religiosa, uma caderneta de estudos de latim, um dossiê de estudos jurídicos, uma carta de Victor Brecheret , um convite de exposição de Anita Malfatti e outra de Oswald de Andrade, prospectos de equipamentos cinematográficos, minutas de telegrama.

O que essas sobras de uma vida podem revelar? Ele frequentava o salão da Villa Kyrial (salão de encontro entre artistas, intelectuais e políticos) e tinha contato pessoal com artistas. Será que esse contato teria sido estímulo para os muitos poemas que escreveu? Para que desejaria ele o equipamento de cinema? Teria ele conhecido o cinema daquela época? Essa sensibilidade para a literatura poderia ter sido mais desenvolvida em outro tipo de expressão artística?

Fico imaginando muito mais a partir dos objetos citados. Tenho também perguntas a respeito de como ele teria feito suas opções. Teria ele desenvolvido o hábito de escrever poemas -românticos e melancólicos- na juventude, durante a vida acadêmica? Antes dela? Como teria enfrentado as oposições? Ganhar uma eleição e não ter podido assumir o posto desejado, como teria ele se safado da frustração? E no exílio?

São óbvias as ligações entre suas experiências pessoais e seus feitos como gestor da coisa pública. A vida no interior entre a terra e os animais, fez que ele tivesse preocupações com questões de agricultura e de transporte para o trânsito de mercadorias.

Talvez eu esteja simplificando as coisas. Qualquer descrição de fatos e funções sociais ou pessoais deve levar em conta a complexidade da vida e a relatividade dos relatos históricos. Desvendar tais relações, entretanto é trabalho desafiador e estimulante.

O mais evidente é observar como é difícil conhecermos alguém a partir de suas funções públicas. O caráter social de suas ações está longe de indicar como é a existência de alguém. Os títulos não nos descrevem. Ser pai, advogado, fazendeiro e político é camada fina e nos diz pouco de quem foi alguém como pessoa.
Arquivos pessoais nos trazem alguns elementos para essa abordagem. São fragmentos de passado. O que sobrou de uma vida. Um tipo de história muito especial, outros vieses de como fazer história. Eles transpiram a vida.

A frase de Marcelo Antônio Chaves na apresentação da exposição visitada sintetiza o valor dos arquivos pessoais: “Não há um político, um advogado, um fazendeiro, um esposo ou um poeta. Há uma pessoa e muitas profundezas de vidas.”

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