sexta-feira, 22 de julho de 2016

EU, ASTRÓLOGA

O que era apenas uma curiosidade, foi se desenhando como algo mais sério, até incorporar uma intenção mais profunda. Estudar astrologia tomou um alcance maior. Seria o início da resolução dos problemas do mundo. Ops. Como? Isso mesmo, dos problemas do mundo.

Enquanto avançava nas leituras, fui percebendo que não me gratificaria em ajudar pessoas. Eu poderia mais com a astrologia que se mostrava como um instrumento cada vez mais rico. Instrumento adivinhatório de sabedoria antiga, seria na minha mão uma espécie de espada a favor da justiça e da verdade. Eram esses os meus sonhos de então, algumas décadas atrás. Você vai concordar que eram altos, não é mesmo? Eram altos (e vagos) os desígnios de minha alma.

Pois, do bem alto também foi a queda. Não demorou muito e a realidade se impôs.

Eu nem sei bem de onde tais intenções vieram. Talvez estimulada pelos costumes populares de visitação a videntes, cartomantes, ledoras de mão e de borra de café, com a intenção de saber o que vai acontecer? Ou ainda não seria ótimo se eu mesma pudesse com a ajudazinha da ciência dos astros fazer isso e mais, muito mais? Era ingenuidade. Uma inocência sem culpa.

E à medida que eu estudava, ia descobrindo que realmente podia conhecer muito da alma humana. Só que a vida é mais. Ampla e inexplicável. Imensurável mar de possibilidades abertas e inesperadamente surpreendentes. E, com certeza, incontrolável.

E pouco a pouco, fui me decepcionando. Lentamente tendo de me deparar com as minhas limitações. Até que vivi frustração, de verdade, com depressão e tudo o que temos de direito em crises: colo de amigos, remedinhos, leite quente, cafuné de filhos.

Era inevitável o confronto com a verdade, que surgiu devagarinho, mas inevitável, flagrante. O meu trabalho não poderia ter tanto alcance. Em minhas mãos a astrologia não iria resolver os problemas do mundo. Minhas aspirações filosóficas e sociais estavam longe de aplacar qualquer dos problemas que eu conhecia bem. Nem de leve, eu poderia prover o mundo da verdade que todos e eu mesma desejava.

Tive que rever minha expectativa. O que iria falar para as pessoas? Que eu não podia tanto quanto imaginava ? Que não lhes daria a panaceia para todos os males? Que havia uma ferida em minha onipotência ? Que um dos meus pecados era arrogância?

Sangrava e doía. Qual seria o alicerce do meu trabalho, agora?  Mudando tão fundamentalmente os assentamentos da minha fé sobrava alguma esperança para passar para o meu cliente ?Foram tempos duros. A estrada era de pedra e eu estava descalça.

A percepção global da queda deu-se lentamente. E também lentamente a reorganização. A solidão era imensa, porque tinha relação com a forma de minha compreensão da vida. A astrologia é o que é desde sempre. Eu queria que ela indicasse soluções para tudo, sobre o desenvolvimento do mundo com resolução para as injustiças, diminuindo o sofrimento individual de cada um e de todos, e também os desequilíbrios de toda ordem. Eu lhe impingia uma função que talvez não lhe caiba. Minha expectativa sobre ela estava em jogo a partir das expectativas excessivas que eu lhe destinava.

Mudar padrões de pensamento, avaliar a necessidade de controle, readquirir a crença em possibilidades mais reais, tudo isso foi dolorido. Até que nesse caminho, eu pude encontrar harmonia.

Mas essa dor volta a incomodar novamente nas entrevistas em que deflagro aquela mesma expectativa nos olhos atentos do meu cliente. Ele também precisa de uma certeza de que seus problemas serão resolvidos. Seus olhos me perguntam acreditando de antemão na resposta que eu lhe darei. Esperam e, assim, me passam o cetro de uma onipotência da qual não me julgo possuidora.Essa situação revivida a cada entrevista me faz lembrar da humildade necessária e da convicção amorosa de que a ajuda vem de outro recurso, por outros meios.

Pergunto-me a cada leitura de mapa natal: Como eu posso ajudar você a entender o discurso dos símbolos que comigo conversam? Neste momento como posso acordar dentro de você o símbolo para que ele faça sentido em sua vida?

Eu continuo a cada dia na descoberta dos recursos da astrologia para tentar melhorar meu diálogo com o cliente. Cada dia procuro revelar o pensamento astrológico nas situações do cotidiano. E assim nessa utilização da linguagem procuro reconstituir sempre e renovada com a esperança a melhoria de um pedaço pequeno perto de mim. A cada leitura de mapa renovo a linguagem astrológica e o pensamento mágico e maravilhoso da astrologia a respeito da existência humana.

Assim, posso sentir que não perdi parte dos meus primeiros sonhos com a astrologia. E penso mesmo que, talvez eles nunca deixaram de ocupar os vãos ocultos da minha alma. Entranhados lá permaneceram para minha descoberta cotidiana, a cada momento em que me deparo com o paradoxo e com os entraves das experiências pessoais. Só que passaram por uma peneira de bom senso para que a grandeza da astrologia possa aparecer com toda a sutileza de que ela é composta.

À frente do cliente, me ponho sempre de novo e de novo a desvendar a dificuldade e a beleza da vida, passo a passo, - privilégio - me enfronhando nas dobras dos símbolos e dos mistérios da astrologia. 

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