segunda-feira, 1 de agosto de 2016

COMO EU ERA ANTES DE VOCÊ, O FILME


O filme até tem sido bem aceito pela crítica, apesar do tom romântico. Ele contém um castelo, um príncipe e uma mulher que vira princesa. Mas não temos o happy end tradicional. Ele vai além de qualquer simplificação adolescente. Tais dados talvez o safem da crítica azeda da crítica especializada.

MAIS DO QUE UM FILME ROMÂNTICO

O roteiro foi escrito por Jojo Moyes, autora do livro que lhe serve de base e a direção é o primeiro trabalho no cinema de Thea Sharrock com larga experiência de teatro. Louisa Clark (Emilia Clarke) é uma mulher alegre em busca de um emprego para ajudar a família. Will (Sam Claflin) é um homem rico que está em uma cadeira de rodas por causa de um atropelamento, com comprometimento de movimentos em todo o corpo.  Sem a vida anterior, cabe-lhe uma rotina de dores e de exercícios sem promessa de melhoras. Qual é a função de Clark ao lado dele? Animá-lo como cuidadora. Mas, ela faz mais do que isso segundo ele mesmo confessa.

No início ele é mal humorado e ranzinza, pois perdeu a vida cheia de possibilidades e sucesso. Daí que não deseja mais viver e faz um contrato com a empresa suíça Dignitas (Viver e morrer com dignidade) e dá aos pais seis meses de convivência. Enquanto aguarda que sua decisão seja cumprida, Emilia entra em sua vida com suas roupas exóticas e sua tagalerice. Não é fácil, mas o gelo é quebrado e eles começam a interagir.

Algumas situações facilitam a aproximação. Ela confronta seu mau gênio e se emociona com um filme de conteúdo, mostrando-se de sensibilidade. Consegue que ele faça a barba e corte o cabelo. Pouco? Não, não é pouco para alguém que confessa que apenas existe, toma remédios aos montes para as dores e crises que acompanham seu quadro delicado.

Seis meses, portanto, é o tempo de trabalho para Louisa Clark. Uma espécie de gata borralheira que ajuda o protagonista a superar seu mau humor. De ambos os lados, temos histórias de transformação e o desenvolvimento de um vínculo de amor.

Só que não há um final feliz. E essa história é interrompida pelas circunstâncias do protagonista. O debate cai no colo do expectador junto à perplexidade e indignação de Clark. O que acontecerá com a dupla amorosa? Perante a decisão de uma morte assistida, o que sentimos? Em que momento a vida se torna insuportável?  

A questão é tratada pela diretora com delicadeza. Sutilmente somos colocados a par dessa determinação e surpreendidos, cumprindo os mesmos passos de inconformidade junto a Clark. E o que acontece, então?

REALIDADE E FANTASIA

Essa situação serve de base para que possamos nos deparar com paradoxos entre diferenças e semelhanças, entre fantasia e realidade.

O título (Me before you) enfatiza uma situação anterior. Mas, a quem se refere a frase-título? A ele ou a ela? Ambos mudaram suas vidas a partir do encontro. Esse título nos avisa de antemão que a situação de transformação mútua pode ser a pedra de toque para a compreensão do conjunto do filme, mais do que tudo. Clark traz o imponderável a Will e ele propicia a ela um refinamento que sua condição social e econômica não lhe permitia. A sintonia se estabelece entre eles apesar das diferenças.

Sob esse ponto de vista, observamos que a história de amor ultrapassa os limites de situações comuns. Frustrada a possibilidade de futuro, o que sobra?

Ela, desesperada por não conseguir impedir a realização do projeto de Sam, consegue ouvir seu pai: “Não se pode mudar as pessoas. Podemos apenas amá-las.” Então, ela decide acompanhar o amado na jornada final.

Por sua vez, apesar da decisão terrível, ele continua a se preocupar com a vida de Emilia, sobrevivendo na leitura de uma carta, estabelecendo planos para ela. De certa forma, ele abre uma janela de futuro em que também participa.

O sentido de amor ultrapassa limites espaciais ou físicos, atingindo níveis de parceria e de esperança. Temos a ampliação do significado do amor, que surge na excelência de generosidade e desprendimento.

A mistura acertada dos ingredientes de realidade e de fantasia é o diferencial deste filme inglês. Saímos do cinema com a sensação de que não fomos traídos. E que a história não para nos clichês de um protagonista que deixa de ser mal humorado e da moça desajeitada vira princesa. Mas, o castelo fica presente o tempo todo, em uma recorrência que acaba tendo efeitos.  

São cerca de nove as vezes em que nos deparamos com a imagem do castelo. Na apresentação do filme, na placa do ônibus, na neve, com chuva, refletido em vidros de janelas. E é ainda nesse castelo que os dois chegam às alturas das torres mais altas, com um vento avisando de imensas extensões e infindas possibilidades.

A memória de infância do protagonista nesse seu espaço preferido traz brincadeiras com espada imaginária quando ele incorporava possivelmente o papel de guerreiro a matar dragões. Ele partilha com ela as dimensões de seus sonhos passados. Com ela, ele revive a viagem a Paris com tudo que isso significa de beleza e alegria. Ele já sabia nesse momento que ela precisava abrir na vida maiores limites dos que aqueles que ela vinha experimentando.

Esse castelo é fio condutor desse filme, insistência feliz. Coloquei-me em meio às realidades precária e dura dos protagonistas e me deixei levar pelo cenário medieval, um universo de histórias e fantasia, com todos os sonhos a serem desenvolvidos junto a outros malogrados.

E essa troca de sonhos ocorre entre eles com grandeza humana, generosidade, desprendimento e cumplicidade. Partilharam sonhos e tristezas, viveram amor.

Não foi acaso a escolha do castelo sempre presente. Intencional, a diretora nos conduz às nossas histórias de castelos, com príncipes, espadas e gatas borralheiras que se transformam em princesas. Quem não as tem? Histórias que sobraram da infância (ou não?) em meio às realidade da vida de cada um de nós.

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