segunda-feira, 26 de setembro de 2016

SHAKESPEARE, O MECENAS MODERNO E EU

Detalhe da decoração
Temos curiosidades em viagens, sem explicações racionais. Impulsos, desejos, inquietações nos movem por distancias não calculadas, dificuldades a serem ultrapassadas. Será bom? Quanto tempo? Tais perguntas, nesses casos, não entram nos planos. Naquele dia, eu gastaria o tempo do mundo e suportaria dificuldades de todo o tipo se necessário. O destino era o The Globe do Shakespeare, em Londres. Nada mais importava. Lá encontrei Shakespeare e também Sam Wanamaker, um idealista.


O desejo e mais

Era calor de verão, uma sexta feira de agosto e meu desejo era conhecer o The Globe Shakespeare. Na véspera perguntara qual era o melhor caminho que me foi indicado em papéis com o nome das estações e linhas de metrô. Longos corredores, escadas rolantes, comunicação visual, tudo funcionou bem. 

Encontrei mais do que eu imaginava. Um museu com moderna tecnologia apresentava Londres do século XVII, hábitos e costumes de sua população de cerca de 200 000 habitantes. Ainda as roupas usadas pelos atores, maquiagem e os instrumentos musicais de época. Somente os homens atuavam. Como seria assistir Julieta ou Ofélia de Hamlet ou Lady Macbeth com voz de homem? Sorri. Quase ri. 

Uma visita guiada pelo teatro nos mostrou outros detalhes do trabalho de reconstrução e curiosidades dessa época em que o teatro era bastante popular, uma forma de diversão acessível a todas as camadas sociais. Londres contava com várias salas de espetáculo. O primeiro teatro inglês foi construído em 1576. O The Globe original em 1599 no Bankside, às margens do rio Tâmisa, local conhecido como o Soho de Londres elizabetana.

Destruído por um incêndio em 1613 foi logo reconstruído e fechado para sempre pelo governo inglês puritano em 1642. Além dos teatros, havia tavernas, bordéis, jogo. Incomodavam. 

O que ocorreu depois?
 
personagem essencial

Fui recriando o clima da época. As peças do museu, a gravação e pequenos documentários, as explicações do guia na visita guiada. Tudo colaborou. História revivida.

Quem teria sido o responsável por essa reconstrução?

Palco com artistas treinando cena
Personagem interessante, Sam Wanamaker (1919-1993) foi um diretor, ator e produtor americano que teve como primeira experiência no teatro, bem jovem, uma peça de Shakespeare. Esse início teria marcado toda sua carreira, uma intensa vida artística. Peças na Broadway, filmes em Hollywood, óperas, séries de TV nos EUA e também na Inglaterra para onde acabou se mudando. Por tudo isso e ainda o projeto do The Globe, ele foi homenageado por comendas e prêmios de toda a sorte. Talvez o início de sua carreira já fosse sinal dessa grande obra. 

Em 1949, na Inglaterra, procurou por Shakespeare. Encontrou uma placa envelhecida na parede de uma fábrica de cerveja desativada. Teria sido naquele local o teatro original em que Shakespeare teria iniciado sua carreira. Como assim? Só isso?, ele deve ter se se perguntado inconformado. Decepção. 

Vinte e um anos depois, em 1970, ele lançou uma organização que seria responsável pela construção do teatro, de um centro de documentação, de educação e de exibição permanente do repertório shakespeariano. Era um grande projeto e foram necessários esforços maiores ainda para que ele se concretizasse.

Durante 23 anos levantou fundos e acompanhou o projeto de reconstrução e resgate da memória. As escavações arqueológicas, a pesquisa nos relatos de viajantes e detalhes nos textos das peças foram formando o que vemos hoje em dia, um desenho que deve ser bem próximo do que teria sido o original conforme era a sua intenção. Eu descobrira uma espécie de mecenas moderno.
A obra foi inaugurada em 1997, quatro anos depois da morte de seu idealizador. Mas, lá estava ele perto de mim, durante a minha visita, presente em todos os detalhes.

Pelos corredores do museu, pelas salas, lá estava ele a sussurrar que Shakespeare deve permanecer vivo. Diz que sua arte expressa a natureza humana em todas as suas formas dramáticas e emocionais. 

O The Globe é fruto desse trabalho que tenta recuperar e homenagear a herança shakespeariana. Sam Wanamaker é uma espécie de mecenas do século vinte. Desde a Antiguidade romana, dos tempos do Imperador Augusto, passando pelo Renascimento, homens colaboram com a arte.  Hoje devemos a ele esse resgate de Shakespeare, a despeito de todas as dúvidas e polêmicas que existem a respeito do artista. 

O teatro hoje
No final da visita guiada, houve a pergunta mais do que adequada nos dias de hoje: Como fazer para que os jovens gostem de peças de Shakespeare? O guia foi passando por argumentos e depois de escolher bem as palavras, finalizou:“ Não há maneira mais segura do que levá-los a representar e ler os textos originais”. Elementar, meu caro Watson!

 Essa é a magia que se pode e deve esperar do teatro de Shakespeare. E também de toda expressão artística. A experiência da obra de arte pela vivência da emoção que ela expressa. Assim é Shakespeare, expressando a natureza humana em todos os seus detalhes. A arte em toda a sua grandeza. Shakespeare em toda a sua genialidade. 

Indo embora, olhando as águas do rio Tâmisa, meu corpo estava relaxado. Mente e coração, satisfeitos. Nessas horas, um sorriso pode até sair de nossos lábios, sozinho, autônomo na alegria. Foi assim mesmo. Um sorriso de puro contentamento.
 
PS: Visite o site: http://www.shakespearesglobe.com/
  

 

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