quinta-feira, 23 de março de 2017

CÍRCULO DE MULHERES


Ana Maria M. González 


A reunião do círculo de mulheres teve seu lugar mudado porque naquele dia o local estava sem luz. Ela aconteceu em uma praça ali perto.
Fomos chegando aos poucos e nos reunimos em um dos bancos da larga praça com árvores de todos os tamanhos. O tempo estava fechado o que colaborava para não aumentar a temperatura que o sol poderia trazer naquele final de verão quente.
A proposta inicial era falar de árvores. Uma de nós leu trechos de uma história em que uma das árvores de certa localidade, imensa, havia sido cortada. No toco que sobrara, em que se podiam deitar várias mulheres a descansar nasceriam depois outras tantas em forma de brotos que dançavam ao ar.   Como teria acontecido isso? Elas teriam surgido a partir da força que se guarda possivelmente nas raízes delas. Como assim? ...esse mistério. As raízes se unem embaixo da terra possivelmente conversando entre si e se harmonizando para cumprir a força umas das outras, na intenção do melhor de todas. Lindo, né mesmo?
Depois disso fizemos uma meditação em que passamos pelo espírito da floresta que estava em volta de nós e pelas raízes das árvores sob nossos pés nos alimentando e nos unindo. Daí seguiríamos em direção ao alto das copas por onde se pode ir ainda mais longe, ao mais alto.
Ao final da meditação, parecia que nossa reunião estava chegando ao fim, pois tudo estava em paz. Até que alguém sugeriu uma dança circular. Escolhemos então um lugar do terreno em que caberia a cena da dança. Aprendemos os passos e relembramos a música que dizia da flor do campo, do alecrim. Dançamos e cantamos com alegria. No entusiasmo dessa atividade, quisemos mais uma música. Então dançamos e cantamos Escravos de Jó, música de nossas infâncias, de todas as infâncias.

Em algum momento destas danças, um pai sentou com sua pequena filha no banco que tinha sido o nosso. Ambos ficaram olhando aquela cena rara, com certeza. Em algum intervalo, uma de nós convidou a pequena a entrar na roda. Dada a permissão do pai, aquela muito, muito jovem mulher se juntou a nós no canto e nos passos da dança.
Nos disse seu nome com olhos doces de seis anos de pura meninice. Quando eu me despedi dela, com abraço apertado, eu tive a sensação de que havíamos estado juntas muito tempo. Era quase uma saudade que se plantava naquele abraço demorado e forte. Todas agradecemos o gesto generoso do pai. 
Agora sim, nossa reunião acabara. Acabara? Não antes de trocarmos a sensação de que havíamos experimentado algo grande, épico. Nada menos do que isso. Nada menos para a primeira reunião de um ano novo que inicia. Promessa de alegria no coração, cheiro de alecrim pelo ar.
Senti que, de certa forma, fomos transformadas em fadas madrinhas de uma criança prestes a passar pelo ritual de sete anos. Feliz é esse pai que tem o registro de um vídeo que ela própria poderá interpretar em outro momento de sua vida.
Ao receber a menina, ratificamos nosso compromisso com o círculo sagrado do feminino. Ficará em nossa memória esse momento, no meio das árvores que guardam tesouros nos subterrâneos que para nós são muito vivos e presentes.
Talvez eu esteja fazendo uma interpretação livre e utilizando da imaginação. Pela força dessa imaginação (ou falta de memória) cada uma do grupo há de fazer o seu relato, sua narrativa particular. Mas alguns sentimentos, com certeza, não serão diferentes.
Importam menos os detalhes de realidade do que a sensação que se instaurou entre nós. Coincidência que o texto escolhido fosse falar de árvores em no dia que a reunião teve seu local mudado para uma praça?  Que o pai passasse por lá com sua filha no pequeno tempo de nossa reunião?
Naquele dia, aquele círculo de mulheres se aproximou das árvores e de uma menina e promessa de mulher que foi abençoada em paz com o espírito do masculino. Foi um momento de experiência extraordinária.

Nenhum comentário:

Postar um comentário