terça-feira, 28 de julho de 2015

BOM DIA, MARCELO

Gente na calçada. Muitas mãos acenando no ponto para o ônibus que se aproxima. Ele para. Subi ao me certificar de que faria o trajeto desejado. O motorista me cumprimentou. Bom dia! Teria eu me esquecido de lhe dar bom dia ao pedir a informação
  
Talvez. Dei-lhe também o bom dia e coloquei-me nos assentos da frente do ônibus para olhar o caminho a ser percorrido.

Nos próximos pontos percebi que o motorista cumprimentava todas as pessoas que entravam. Isso se repetiu em todos os pontos de parada. Muitas pessoas respondiam. Algumas se espantavam. Outras simplesmente descartavam. Era um comportamento intencional, com certeza. Um teste?

A conversa atrás de mim começou a correr solta. Pela conversa entre duas senhoras fiquei sabendo que o Marcelo tinha sido traído. Não fiquei sabendo se ele era jovem ou mais velho. Mas era conhecido das duas mulheres, que continuavam seu tititi animadas. Ele chorava muito e chegou a passar mal fora de casa, em uma lanchonete. Coitado. Chegou a cair no chão com um mal súbito. 

Mas não chegou a ser ataque do coração. Teve socorro, foi reanimado e levantado do chão por pessoas que cuidaram dele. Ainda bem, continuava a senhora, que ele foi traído por sua mulher com outro homem, né mesmo?

A última frase me pareceu surpreendente. Fez muito sentido porque atualmente o comportamento homossexual anda fora do armário, à vontade. Coitado do Marcelo. Fofocas à parte, concordei com ela internamente. Teria sido um desprazer encontrar sua mulher com outra mulher na sua cama! Bem, nesta parte da história eu supus uma cena com criados-mudos, cinzeiro, copos. E abajur, claro.

Não sei se outras pessoas estavam seguindo a história do Marcelo, mas algumas também perceberam os bons dias repetidos à exaustão. O motorista teria uns quarenta anos e era tranquilo. Parecia alto e grandalhão de corpo. Camisa clara e bem passada. Cabelos curtos e assentados. Ele continuava cumprimentando todos que subiam por aquela pequena escada da entrada, como se fosse sua casa e eles o estivessem visitando. Outras pessoas que estavam nos bancos da parte de trás começaram a conversar também. Não sei bem, mas algo mudou. Espalhou-se um clima de intimidade ou familiaridade entre os passageiros. Por isso a história do Marcelo me passou pelos ouvidos tão convincente. Só poderia ser verdade, ainda que tragicômica. Eu fiz parte daquela história.

Sem saber do que se passava na vida do pobre Marcelo, as pessoas chegavam na sala de visitas que se instalara naquele ônibus. As caras eram engraçadas. Surpresos, mal-humorados, distraídos. Depois vi uma senhora conversando com o motorista e falando dessa postura. Antes de descer, parei um pouco ao lado dele. Sim, era intencional. Ele fazia porque achava que devia e ainda expôs alguns argumentos dentro do que eu esperava. Além de tudo o que enumerou, ele tivera uma experiência de dois anos em Londres.

Mas, essa informação por si só não poderia justificar seu comportamento. Havia um valor agregado em relação a sua visão de vida na cidade. Muito pessoal. Uma visão maior do que aquela que temos do nosso quintal. Ele antecipou, imaginou uma alternativa. Parece ter escolhido fazer a diferença.

Sendo o responsável pela direção de um ônibus em uma cidade com um trânsito infernal, acrescida de todas as pragas das grandes cidades do mundo contemporâneo, ele ainda conseguiu tomar uma decisão. Aos poucos, vai construindo uma experiência que agrega as pessoas. Assim também diminui a fragmentação da vida urbana e as distâncias entre os padrões sociais. Elimina as diferenças.

Agradeci e segui com um olhar generoso para o dia, plantado pelos muitos bons dias que eu assisti serem distribuídos por aquele motorista de ônibus.

E que o Marcelo seja feliz.


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