O diretor de Relatos Selvagens, Damián Szifrón, a partir da
linguagem do cinema construiu um universo em que podemos entrever alguns
aspectos do mundo de Plutão. Embora sejam apenas alguns aspectos, é evidente a
manifestação do clima plutoniano nos comportamentos sociais e individuais de
suas personagens. Acompanhe o texto e
opine.
I
o filme, suas histórias e significados
O cinema é bom apoio para o estudo dos símbolos da mitologia
e da astrologia. Esse filme se compõe de um conjunto de histórias sem ligação
entre si, mas que apresentam em comum o lado selvagem da natureza humana. São experiências
explícitas no mundo contemporâneo mais do que nunca. Com um humor ácido, ironia
e surpresas, ele nos desconcerta. O mundo de Plutão é desconcertante. A
sensação será sempre de medo e de susto.
A apresentação do filme reúne as personagens em um plano de
vingança. Daí em diante, assistimos a outras cinco histórias em que as emoções
de raiva, frustração e impotência ultrapassam os limites do bom senso de
maneiras variadas: um acerto de contas do passado de duas funcionárias em uma
lanchonete; o encontro de dois motoristas em uma estrada e seus acessos de
fúria; um engenheiro envolvido com questões urbanas e burocráticas acaba sendo preso
e levado ao papel de anti-herói, por servir de porta-voz à coletividade; um atropelamento
com morte e a construção de uma rede de corrupção; a traição e a hipocrisia social e familiar em uma festa de
casamento.
Elas carregam significados e, portanto, dizem mais do que
parece.
II UM mundo profundo e escuro
A narrativa do filme apresenta a natureza humana lidando com
situações de pressão que não são suportadas. Rompe-se com a realidade ordinária. Estamos saindo dos limites de Saturno e
acessando outros. Nesse caso, entramos
nos terrenos pós saturninos. Adentramos o cenário de Plutão.
Onde se pode chegar
em uma situação de pressão? Em três histórias o limite é a morte. Os toques de
humor não diminuem o impacto que elas promovem por causa do nível de violência
mais ou menos explícito. Em duas delas há um suposto final feliz. E ironia. Nada pode nos prometer que as
questões foram realmente solucionadas. Nesses casos temos, na verdade, apenas a
resolução dos conflitos de forma um tanto patética com abrandamento do clima na
narrativa. Um tostão de alívio.
As indicações caracterizam
o terreno intenso do Plutão que lida, entre outras coisas, com questões de
morte, de poder e de violência. A romper os limites de Saturno, as pessoas
lidam com outros aspectos em seus comportamentos. Vejamos como acontece essa
passagem.
E descobre-se o que está mais além, o lado irracional, o
instintivo ou o amoral que habita além
das convenções sociais. Nesse filme, o selvagem que habita o nosso lado
escondido é revelado de forma trágica e cômica, ás vezes beirando o absurdo.
Manifestam-se as camadas profundas do
indivíduo. Eis o mundo de Plutão.
A partir dessa
coleção de relatos, podemos refletir sobre as possibilidades de rompimento desses
critérios de convivência social. Não escapamos da proximidade dos perigos que
nos rondam e que ficam mais explícitos em épocas de crise como a da atualidade.
Perante a sensação de impotência e de injustiças, a raiva cresce. Nesse
momento, estamos à beira do descontrole e da perda de consciência. O terreno é
propício à explosão da violência.
O recado pode ser
mais ou menos esse: na convivência social a sanidade e loucura andam lado a
lado, separadas por um fio. Pelas pressões a que estamos sujeitos na vida somos
afeitos a uma ordem sem moral sob o comando da natureza instintiva. Como
lidar com isso?
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj1cotjy42tddLks7lj261cayl6xaGAFJ51M1lCrBSQXk2FNeX7vDZQLF0muP03Ox2Wbr4xZXUp9RhMX6UjvneXLLUKavu84ZE7fg8TYySNDFqdMV3i8VAbQvChKc6pzKwAcKLBdDcKNWc/s320/Relatos+selvagens+gd+10a+jun15.png)
Tais animais são o espelho daquela parte que escondemos ou
preferimos não aceitar. Só que os animais vivem como devem: lutando pela
sobrevivência em uma ordem sem moral,
ou melhor, sob o comando do instinto e da Natureza. É sua sina.
Nós recebemos a linguagem e a consciência que nos conduzem a
outras dimensões de compreensão. Temos outras demandas da vida. Cada vez que
ultrapassarmos os limites de nossa humanidade estaremos rompendo também nossos
compromissos com tais privilégios. Por mais justo que nos pareçam os argumentos
para tais atitudes, devemos respeitar uma ordem maior de critérios diferente daquela
que organiza o plano material.
Mesmo que nos deparemos com as feias e injustas nem sempre
podemos fazer algo. Perante elas, muitas vezes, estamos impotentes. No âmbito
individual ou no coletivo podem se manifestar, então, as questões irracionalidade.
Como lidar com essas situações de estresse sem que nos
percamos em comportamentos indesejáveis? Aceitar a submissão a forças maiores
pode ser a chave para não extrapolar limites. A ordem moral e ética de
convivência social deve reger nossos atos. O filme abre espaço para reflexão a
respeito das questões desse mundo submerso de Plutão em que temos poucas
alternativas de negociação. Não é fácil acatar certas situações de nossas
experiências, mas pior é visitar os terrenos de Plutão.
Que o filme nos sirva de aviso.
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