quinta-feira, 2 de julho de 2015

VISITANDO OS REINOS DE PLUTÃO

O diretor de Relatos Selvagens, Damián Szifrón, a partir da linguagem do cinema construiu um universo em que podemos entrever alguns aspectos do mundo de Plutão. Embora sejam apenas alguns aspectos, é evidente a manifestação do clima plutoniano nos comportamentos sociais e individuais de suas personagens. Acompanhe o texto e opine.

I o filme, suas histórias e significados

O cinema é bom apoio para o estudo dos símbolos da mitologia e da astrologia. Esse filme se compõe de um conjunto de histórias sem ligação entre si, mas que apresentam em comum o lado selvagem da natureza humana. São experiências explícitas no mundo contemporâneo mais do que nunca. Com um humor ácido, ironia e surpresas, ele nos desconcerta. O mundo de Plutão é desconcertante. A sensação será sempre de medo e de susto.

A apresentação do filme reúne as personagens em um plano de vingança. Daí em diante, assistimos a outras cinco histórias em que as emoções de raiva, frustração e impotência ultrapassam os limites do bom senso de maneiras variadas: um acerto de contas do passado de duas funcionárias em uma lanchonete; o encontro de dois motoristas em uma estrada e seus acessos de fúria; um engenheiro envolvido com questões urbanas e burocráticas acaba sendo preso e levado ao papel de anti-herói, por servir de porta-voz à coletividade; um atropelamento com morte e a construção de uma rede de corrupção; a traição e a hipocrisia social e familiar em uma festa de casamento.
Elas carregam significados e, portanto, dizem mais do que parece.

II UM mundo profundo e escuro
A narrativa do filme apresenta a natureza humana lidando com situações de pressão que não são suportadas. Rompe-se com a realidade ordinária. Estamos saindo dos limites de Saturno e acessando outros. Nesse caso, entramos nos terrenos pós saturninos. Adentramos o cenário de Plutão.  

Onde se pode chegar em uma situação de pressão? Em três histórias o limite é a morte. Os toques de humor não diminuem o impacto que elas promovem por causa do nível de violência mais ou menos explícito. Em duas delas há um suposto final feliz.  E ironia. Nada pode nos prometer que as questões foram realmente solucionadas. Nesses casos temos, na verdade, apenas a resolução dos conflitos de forma um tanto patética com abrandamento do clima na narrativa. Um tostão de alívio.

As indicações caracterizam o terreno intenso do Plutão que lida, entre outras coisas, com questões de morte, de poder e de violência. A romper os limites de Saturno, as pessoas lidam com outros aspectos em seus comportamentos. Vejamos como acontece essa passagem.

Em todas as histórias, um limite é extrapolado. O cenário de estresse e lutas por poder as personagens agindo na dinâmica de Plutão, do escondido e do proibido. Os critérios de convivência social são perdidos e/ou abandonados. As estruturas saturninas e organizadoras da ordem social que sustentam tal convivência se rompem. As defesas são postas abaixo, os comportamentos se liberam dessas estruturas, e andam por outros parâmetros que não são os da realidade ordinária. O que poderíamos chamar de racionalidade, sai da órbita de controle.  Lá está um espaço de intensidade além dos limites possíveis ao ego.

E descobre-se o que está mais além, o lado irracional, o instintivo ou o amoral que habita além das convenções sociais. Nesse filme, o selvagem que habita o nosso lado escondido é revelado de forma trágica e cômica, ás vezes beirando o absurdo. Manifestam-se as camadas profundas do indivíduo. Eis o mundo de Plutão.

A partir dessa coleção de relatos, podemos refletir sobre as possibilidades de rompimento desses critérios de convivência social. Não escapamos da proximidade dos perigos que nos rondam e que ficam mais explícitos em épocas de crise como a da atualidade. Perante a sensação de impotência e de injustiças, a raiva cresce. Nesse momento, estamos à beira do descontrole e da perda de consciência. O terreno é propício à explosão da violência.

O recado pode ser mais ou menos esse: na convivência social a sanidade e loucura andam lado a lado, separadas por um fio. Pelas pressões a que estamos sujeitos na vida somos afeitos a uma ordem sem moral sob o comando da natureza instintiva. Como lidar com isso?

O filme é tão envolvente que nos esquecemos da belíssima seleção de fotos de animais que serve de pano de fundo para a apresentação dos informes iniciais do filme.

Tais animais são o espelho daquela parte que escondemos ou preferimos não aceitar. Só que os animais vivem como devem: lutando pela sobrevivência em uma ordem sem moral, ou melhor, sob o comando do instinto e da Natureza. É sua sina.

Nós recebemos a linguagem e a consciência que nos conduzem a outras dimensões de compreensão. Temos outras demandas da vida. Cada vez que ultrapassarmos os limites de nossa humanidade estaremos rompendo também nossos compromissos com tais privilégios. Por mais justo que nos pareçam os argumentos para tais atitudes, devemos respeitar uma ordem maior de critérios diferente daquela que organiza o plano material.

Mesmo que nos deparemos com as feias e injustas nem sempre podemos fazer algo. Perante elas, muitas vezes, estamos impotentes. No âmbito individual ou no coletivo podem se manifestar, então, as questões irracionalidade.

Como lidar com essas situações de estresse sem que nos percamos em comportamentos indesejáveis? Aceitar a submissão a forças maiores pode ser a chave para não extrapolar limites. A ordem moral e ética de convivência social deve reger nossos atos. O filme abre espaço para reflexão a respeito das questões desse mundo submerso de Plutão em que temos poucas alternativas de negociação. Não é fácil acatar certas situações de nossas experiências, mas pior é visitar os terrenos de Plutão.
Que o filme nos sirva de aviso.




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