![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8p3OdrBbM22x75A8hHMda0Qwa0yby_pQBsIC3y1jZxxrngdVn2FGgD9_wGu0t0bxDqPCLImnCn6UstnPAVaf4q-IrJRyeu4C45abDqTtb66XURLbFW4tQTs9IiNBd0oZ0DbrqxOSSS_Q/s320/Relatos+selvagens+1a+jun15.png)
uma história e mais cinco
Antes da apresentação do filme, temos uma delas: uma
vingança junta todos os personagens em uma viagem de avião com destino para a
morte. Outras duas pessoas em terra (supostamente os pais do culpado) também
são atingidas. A narrativa é curta e foi colocada no início intencionalmente. De
certa forma somos incluídos como protagonistas pela forma como a cena é
construída.
Daí em diante, assistimos a uma série de situações em que as
emoções de raiva, frustração e impotência ultrapassam os limites do bom senso
de maneiras variadas, mas com o mesmo humor ácido e clima de susto.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjoXvHdsy8ApNrGbLdIaBz-zkIlPfp25YaA12gx_tYo2vgEVy1cbXyiOk6ILeH48eIsV1DruEpO-pshyZ6cmID2bug0QnsBg2-R_bMxEngRqiUT3MEbmIDz080eN_brElHDTrgmha3U5SM/s320/Relatos+selvagens+4+jun15.png)
A segunda nos mostra dois motoristas em uma estrada e uma
fala impensada que conduz os dois a acessos de fúria, cada um à sua vez. Ambos
morrem carbonizados. Final absurdo? Sem dúvida. Mas, também cômico.
No terceiro episódio, um engenheiro especialista em
implosões se depara com questões urbanas e burocráticas. Não suporta pressões,
vive reveses pessoais e profissionais e é preso. Mas, acaba sendo levado ao
papel de herói, por servir de porta-voz à coletividade, mobilizada pelas redes
sociais. Há vazão de uma demanda
reprimida. Na verdade, há a criação de um anti-herói que restaura a
moral de todos os que se consideram injustiçados pela máquina do Estado.
No quarto, o filho de uma família rica se envolve em um
atropelamento com morte e daí em diante assistimos ao desenvolvimento da
corrupção mobilizada pelo pai, advogado e autoridades envolvidas. Mas, quem
paga a conta é o elo mais fraco do sistema social. Esta história é a menos
cômica, mas nos traz temas que estão a nossa volta como as outras.
E a última história nos traz a traição, a hipocrisia social e a família com seus trejeitos. Uma
festa de casamento é o local ideal para
o desmascaramento destas questões e ainda assistimos a um happy end
insuspeitado.
Tudo é forjado na cinematografia, como em todo o tipo de
arte. Os recursos e sua linguagem mediam a conversa entre o autor e seu
público. Qual seria a intenção do diretor a partir destas histórias?
O lado selvagem da natureza humana
A leitura que faço do filme está ligada a um aspecto da
natureza humana em situações de pressão. Em todas as histórias, há a
ultrapassagem de um limite. Os critérios de convivência social são perdidos
e/ou abandonados. As estruturas que sustentam tal convivência se rompem. As defesas são postas abaixo, os
comportamentos se liberam dessas estruturas, e andam por outros parâmetros que
não são os da realidade ordinária. O que poderíamos chamar de racionalidade,
sai da órbita de controle. Lá está um espaço de intensidade além dos
limites possíveis ao ego.
E descobre-se o que está mais além, o lado irracional, o
instintivo ou o amoral que habita além
das convenções sociais. O selvagem que habita o nosso lado escondido é
revelado de forma trágica e cômica, ás vezes beirando o absurdo. Manifestam-se as camadas profundas do indivíduo.
Onde se pode chegar
em uma situação de pressão? Em três histórias o limite é a morte. Os toques de
humor não diminuem o impacto que elas promovem por causa do nível de violência
mais ou menos explícito. Em duas delas há um suposto final feliz. E ironia. O amor poderá vencer a hipocrisia
na história do casamento? A consagração do anti-herói na coletividade eliminará
a repetição da insatisfação que foi a causa deflagradora da história? Nesses
casos temos, na verdade, apenas a resolução dos conflitos de forma um tanto
patética com abrandamento do clima na narrativa. Um tostão de alívio.
A partir dessa
coleção de relatos, podemos refletir sobre as possibilidades de rompimento dos
critérios de convivência social. Não parece haver solução que nos salve dos
perigos que nos rondam o tempo todo. Perante a sensação de impotência, a
injustiça, a raiva estamos sempre à beira do descontrole e da perda de
consciência.
O recado pode ser
mais ou menos esse: na convivência social a sanidade e loucura andam lado a
lado, separadas por um fio. Pelas pressões a que estamos sujeitos na vida somos
afeitos a uma ordem sem moral sob o comando da natureza instintiva. Cabe a
advertência para nossa reflexão, pois é melhor sabermos onde mora o perigo,
para podermos lidar com ele.
Lúcido e desconcertante, o filme nos faz pensar a respeito
de temas presentes em nossas vidas: a vingança
e a injustiça, os motivos e comportamentos reles que movimentam os preconceitos
sociais, a impotência perante a máquina do Estado, a corrupção na sociedade
privada e pública, as relações entre os sexos e a família. E revela uma parte
de nossa natureza que não é fácil de aceitar e ainda é difícil de administrar
individual e socialmente.
O filme é tão envolvente que nos esquecemos da belíssima
seleção de fotos de animais que serve de pano de fundo para a apresentação dos
informes iniciais do filme. Tais animais são o espelho daquela parte de nós que
escondemos ou preferimos não aceitar. Só que os animais vivem como devem,
lutando pela sobrevivência. É sua sina. Nós recebemos a linguagem e a
consciência que nos conduzem a outras dimensões de compreensão. Temos outras
demandas da vida. Cada vez que ultrapassarmos os limites de nossa humanidade
estaremos rompendo também nossos compromissos com tais privilégios. Por mais
justo que nos pareçam os argumentos para tais atitudes. Como lidar com isso sem
que nos percamos em terrenos que não nos cabem? Como ele abre espaço para
reflexão, que o filme nos sirva de aviso.
Civilização é repressão ! Impossível a convivência sem o estabelecimento de regras. Nos dias atuais há a sensação de que não conseguimos mais conter "os animais que nos habitam ". Mera impressão ou realidade global ? Adorei sua análise do filme. Bjs !
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