A crítica, oras bolas! Polêmica, esnobe, fora do mundo real, paralela
à linguagem das pessoas normais. Conhecemos esse senso quase comum.
Mas, ela está lá. Lemos. Necessitamos, queremos. O que é e para
que serve ela?
É
um viés intermediário, ponte entre a simples leitura e uma mais
ampla compreensão. É outra leitura possível a partir da descrição
e análise de algum dos recursos do cinema. Daí, é necessário um
pouco mais. Ir para o centro da obra, dar com o enigma do filme,
descobrir a escondida intenção de seu autor. Ela deve tornar
visível o que não é explícito. E o aspecto técnico não deve ser
prioritário, segundo Inácio Araújo.
Trata-se
de outro tipo de leitura com postura que pode ser de amor. Isso é o
que nos diz Jean Douchet. Segundo ele, o aspecto estético pode ser o
primeiro limite a nos mover, mas ele deve ser apenas o primeiro. Ele
nos instiga para irmos além do silêncio que podemos experimentar
perante o êxtase de beleza de uma obra.
Em
seguida, para melhor entender esse fazer crítico vêm em nossa ajuda
Roland Barthes e Manoel de Oliveira oferecendo também seus caminhos.
O
primeiro nos traz a fotografia que é arte umbilicalmente ligada ao
cinema. Roland Barthes diz: “Se verdadeiramente se quer falar da
fotografia em nível sério, temos que colocá-la em relação com a
morte. É verdade que a fotografia é uma testemunha, mas uma
testemunha do que já não existe” . Eis a fotografia vista como um
enigma fascinante e fúnebre. Esse é também um aspecto do cinema,
que nos apresenta uma realidade que é presença ausente,
ressurreição.
A
segunda referência para aumentar nossa compreensão vem da análise
de um filme de Manoel de Oliveira, O Estranho Caso de Angélica. Não
por acaso, a personagem é um fotógrafo às voltas com as
descobertas da fotografia e da morte. A personagem é posta em
conflito na descoberta do sentido da morte e do amor, tudo para
aclarar a vida. Entramos nesta obra e testemunhamos a criação de um
mundo de sonho e de amor, de morte e de revelação, a partir do
mundo da fotografia que nos indica realidades paralelas,
amplificação, redundância. Há um enigma nesse filme a ser
desvendado. Pela fotografia e pela técnica, pela narração de uma
história. Humana e estranha. Como a vida, como a morte.
Não
há certeza de que tenhamos ou sequer possamos atingir a essência do
gesto criador de Manoel de Oliveira nesse filme. Mas a leitura
crítica será sempre assim inconformada e rebelde em direção à
maior e mais significativa compreensão de um filme.
Ainda
que insatisfeita, essa travessia, salto além do simplesmente
possível, é o que de melhor temos perante a grande obra. Quanto
maior a obra, maior a insatisfação da crítica. Mesmo assim, fará
valer mais a leitura, a fruição do filme, o nosso tempo.
PS:
As informações desse texto foram coletadas no primeiro encontro do
curso de Crítica de Cinema ministrado por Inácio de Araújo, na
Escola de Cinema em 8/10/2015. São Paulo. Também nas leituras de
Roland Barthes, El Grano de la Voz(Buenos Aires: Siglo Veintiuno
Editores, 2013) e em Jean Douchet, A Estranha Obsessão (Cahiers du
Cinéma, 122, ago1961. Tradução de Bruno Andrade).
Inácio
Araújo, crítico de
cinema. http://cursoinacioaraujo.blogspot.com.br/
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