quinta-feira, 15 de outubro de 2015

CRÍTICA DE CINEMA, ALGUMAS ANOTAÇÕES

A crítica, oras bolas! Polêmica, esnobe, fora do mundo real, paralela à linguagem das pessoas normais. Conhecemos esse senso quase comum. Mas, ela está lá. Lemos. Necessitamos, queremos. O que é e para que serve ela?
É um viés intermediário, ponte entre a simples leitura e uma mais ampla compreensão. É outra leitura possível a partir da descrição e análise de algum dos recursos do cinema. Daí, é necessário um pouco mais. Ir para o centro da obra, dar com o enigma do filme, descobrir a escondida intenção de seu autor. Ela deve tornar visível o que não é explícito. E o aspecto técnico não deve ser prioritário, segundo Inácio Araújo.
Trata-se de outro tipo de leitura com postura que pode ser de amor. Isso é o que nos diz Jean Douchet. Segundo ele, o aspecto estético pode ser o primeiro limite a nos mover, mas ele deve ser apenas o primeiro. Ele nos instiga para irmos além do silêncio que podemos experimentar perante o êxtase de beleza de uma obra.
Em seguida, para melhor entender esse fazer crítico vêm em nossa ajuda Roland Barthes e Manoel de Oliveira oferecendo também seus caminhos.
O primeiro nos traz a fotografia que é arte umbilicalmente ligada ao cinema. Roland Barthes diz: “Se verdadeiramente se quer falar da fotografia em nível sério, temos que colocá-la em relação com a morte. É verdade que a fotografia é uma testemunha, mas uma testemunha do que já não existe” . Eis a fotografia vista como um enigma fascinante e fúnebre. Esse é também um aspecto do cinema, que nos apresenta uma realidade que é presença ausente, ressurreição.
A segunda referência para aumentar nossa compreensão vem da análise de um filme de Manoel de Oliveira, O Estranho Caso de Angélica. Não por acaso, a personagem é um fotógrafo às voltas com as descobertas da fotografia e da morte. A personagem é posta em conflito na descoberta do sentido da morte e do amor, tudo para aclarar a vida. Entramos nesta obra e testemunhamos a criação de um mundo de sonho e de amor, de morte e de revelação, a partir do mundo da fotografia que nos indica realidades paralelas, amplificação, redundância. Há um enigma nesse filme a ser desvendado. Pela fotografia e pela técnica, pela narração de uma história. Humana e estranha. Como a vida, como a morte.
Diz Douchet que “O único interesse da crítica consiste em tentar efetuar o ato criador inversamente. A partir da casca, sentir e revelar a seiva que a fez nascer.”

Não há certeza de que tenhamos ou sequer possamos atingir a essência do gesto criador de Manoel de Oliveira nesse filme. Mas a leitura crítica será sempre assim inconformada e rebelde em direção à maior e mais significativa compreensão de um filme.
Ainda que insatisfeita, essa travessia, salto além do simplesmente possível, é o que de melhor temos perante a grande obra. Quanto maior a obra, maior a insatisfação da crítica. Mesmo assim, fará valer mais a leitura, a fruição do filme, o nosso tempo.
PS: As informações desse texto foram coletadas no primeiro encontro do curso de Crítica de Cinema ministrado por Inácio de Araújo, na Escola de Cinema em 8/10/2015. São Paulo. Também nas leituras de Roland Barthes, El Grano de la Voz(Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2013) e em Jean Douchet, A Estranha Obsessão (Cahiers du Cinéma, 122, ago1961. Tradução de Bruno Andrade).
Inácio Araújo, crítico de cinema.  http://cursoinacioaraujo.blogspot.com.br/


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