terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

HACKSAW RIDGE, O FILME

Ana Maria M. González 

“Tenho que ser fiel ao que acredito.”
“Se você tem uma crença, você é isso.”




O título original é Hacksaw Ridge, o nome de uma aresta de monte, um penhasco de mais de 120 metros de altura localizado em Okinawa no Japão que os soldados têm que subir para avançar nos objetivos vencendo os japoneses que se multiplicam lá em cima saídos de túneis subterrâneos. Uma tarefa para homens dispostos a morrer. Guerra é isso: confronto com a morte.

Candidato a prêmios da Academia? Com certeza. Filme de 2016, da Austrália, dirigido por Mel Gibson. Andrew Garfield é Desmond Doss, filho de família de pequena cidade da Virgínia, pai violento e mãe amorosa, um irmão com quem na infância brincava e brigava muito.  Ele é também o soldado que não quer empunhar a arma, por questões de fé religiosa.

Essa decisão é difícil de ser mantida e as consequências dela advindas constituem a primeira parte da narrativa. Ele faz tudo para estar ao lado de seus pares no serviço militar, mas os superiores não concordam facilmente com a ideia. Quando ele consegue a permissão para ir como médico com seu batalhão, começa a segunda parte em que ficamos sabendo como é a presença de Desmond na guerra sem arma para se defender.

E todos descobrem que o soldado magrelo que parecia fraco e covarde, na verdade, é mais do que isso.  Para registrar a crueldade da batalha, pode ter havido certo exagero do diretor no sangue espirrando dos corpos, nas cabeças voando, na fumaça e fogo se espalhando pela tela em meio a barulho imenso. Sem faltar aspectos de rituais japoneses (ops!).

Nesse espaço de luta intensa, ocorre o feito de Desmond. Ele conseguiu ao final da batalha, salvar 75 de seus companheiros de tropa que ainda estavam vivos, mas sem condições de se movimentar. De forma engenhosa e inteligente, com esforço e coragem, ele se coloca a serviço do compromisso assumido. Estar na guerra sem matar. Pelo contrário, salvou muitas vidas.

Mas, no conjunto da obra há detalhes que só um mestre do cinema como Mel Gibson poderia imaginar.

CRENÇA PESSOAL E DEVER CÍVICO

Paralelamente temos cenas espalhadas aqui e ali, em flashback que vão delineando os motivos para a intrincada decisão de Desmond. Uma sequência de fatos o conduziu a esse comportamento. Uma força maior.

Na infância, vemos dois meninos que parece gostarem de desafios físicos como subir em altas montanhas e se haverem em disputas. Em uma dessas cenas de briga, Desmond bate com uma pedra na cabeça do irmão que desmaia. Hal teria morrido? Os olhos de Desmond assustados falam de um terror interno depois que ele avistou  o quadro da parede que anuncia a lei do Senhor: Não matarás! O pior dos pecados.

A segunda vez, no limite de matar seu próprio pai, no momento em que ele se depara com a própria violência, toma sua decisão que será problema quando ele quer estar junto de seus pares na situação de guerra.

Depois do alistamento, ele vive complicações no exército com seus companheiros de batalhão e com seus superiores para poder manter sua deliberação. Argumentação inteligente e afinada não o salvam de humilhações, constrangimentos e do tribunal militar. A intervenção decisiva do pai -surpresa!- consegue libertá-lo para ir ao combate.

No campo da guerra, Desmond vai descobrir a que veio. Ao final da primeira batalha, quando tudo estava perdido e ainda sem sentido, ele conversa com Deus: “O que você quer de mim?”, pergunta. E continua, “Eu não entendo, eu não consigo ouvi-lo.”  Neste momento alguém no campo de batalha arrasado e cheio de fumaça pede: “Médico , me ajude.” Outra voz, grita: “Socorro!” Senhor!, ele entende esse chamado e mergulha na colunas de fumaça em busca de quem precisa de sua ajuda. É hora de salvar vidas.

Herói? De certa forma sim. Mas há mais do que isso na construção dessa personagem. Há indícios de uma moral cívica e religiosa que constrói um ser humano. Assistimos à integridade sustentada a alto custo. O que parecia fraqueza ou falta de coragem, surge diferente junto a uma grandeza de comportamento, ausência de reatividade, contenção emocional adequada.

Trata-se de uma personagem real que ganha no cinema a homenagem merecida. A descrição de uma biografia que é possibilidade de vermos a nós próprios. De nos percebermos em experiências semelhantes e que muitas vezes não estão longe das que nos cabem na vida. Desmond conseguiu ir atrás de seus desejos mesmo pagando caro. Quanto estamos dispostos a pagar pelo que desejamos? Quantos de nós pode ir atrás de suas crenças e objetivos? Em que colocamos nosso empenho?

E o diretor ainda nos brinda com beleza e cenas de forte apelo metafórico, adequadas à dimensão de grandeza que ele quer dar à personagem: após a guerra, o banho purificador e, após a segunda batalha, a maca sobe em direção aos céus. Um sorriso nos lábios marca a sensação -quem sabe?- da bênção libertadora. Duas cenas com elementos estéticos para significar a sensação bendita de paz pela missão cumprida.

Filmes de guerra não são os meus preferidos, pelo contrário. Em geral fujo deles. Porém este me agradou muito. Ele fala dessa personagem e de sua fé que movimentou as pessoas em torno dele. Diz o capitão: ”Os homens do batalhão não creem como você, mas eles acreditam que você crê.” Portanto, um exemplo a ser seguido por causa da firmeza de defender aquilo que o fez diferente de todos. Ele traz dentro de si convicção, a mola propulsora de ações na vida.

Tudo baseado em uma história real. Incrível não é mesmo? Biografias são sempre incríveis. 

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