quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O TEXTO LITERÁRIO DE ÍTALO CALVINO


Estou lendo o livro AS CIDADES INVISÍVEIS, de Ítalo Calvino que nos traz Marco Polo e  Kublai Khan, duas personagens do século XIII em uma conversa imaginada.

Os relatos de viagem do mercador veneziano, que junto ao pai e tio andou pela Rota da Seda, são fonte de informação importante a respeito do Oriente.  Kublai Khan, neto de Gengis Khan, foi chefe do Império Mongol e tornou-se lenda na Europa depois da visita de Marco Polo.

Essa é uma pálida e rapidíssima visão da história real a partir da qual a genialidade de Ítalo Calvino constrói seu livro.                                                                                                                                                                     Na primeira contracapa, há a sugestão para que o leiamos lentamente. Não dá para ser de outra forma. Não me pergunte o motivo. Pelo menos a minha leitura está sendo aos poucos, bem aos poucos. Cada capítulo em geral uma página e meia me leva a espaços tão incríveis que eu desejo aí ficar e ficar e ficar.

São descrições de cidades visitadas pelo mercador italiano, em pequenos textos divididos em nove partes, com numeração em forma de quebra cabeça. A decifrar, ou simplesmente neles de perder num emaranhado de significados poéticos e ilógicos.

Entre esses capítulos, há pedaços da conversa entre Marco Polo e Kublai Khan. Mas, isso quando acontece, me acorda para outro nível da narrativa, porque eu já me tinha esquecido e estava sozinha na viagem do veneziano, tendo me colocado como uma parceira de viagem por cidades imaginadas e impossíveis.
No trecho abaixo, há um diálogo entre Marco Polo e o chinês:

 “Marco polo descreve uma ponte, pedra por pedra.
- Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? – pergunta Kublai Khan.
- A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra – responde Marco-, mas pela curva do arco que estas formam.
 Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta:
- Por que falar das pedras? Só o arco me interessa.
Polo responde:
- Sem pedras, o arco não existe.”

Ítalo Calvino nos conta nesse pequeno trecho que o exercício de pensar a realidade é complexo. Ele diz: Cuidado, não nos enganemos, a realidade pode ser diferente daquilo que imaginamos dela.

Mas isso é apenas uma percepção pessoal. Você poderá ler de forma diferente descobrindo nesse pequeno diálogo outros aspectos e significados.

Fica o convite para um encontro com Marco Polo, para acompanhá-lo na visita a cidades descritas ao imperador mongol. Uma viagem ilógica, insensata e poética, porque são especiais, muito particulares, os jeitos de um grande autor falar da vida e da natureza humana.

O texto  de Ítalo Calvino nos convida à experiência de fruição e de prazer. Através dele podemos até chegar à sensação de liberdade. As palavras descrevem um imaginário rico de sinais da realidade. São somente sinais, o resto é poesia. 

(SP: Companhia das letras, 1990.p.79)

Um comentário:

  1. É um livro belíssimo. Ganhei o meu do Paulo Lima, em 97, e tornou-se um dos meus livros favoritos. De vez em quando releio. É sempre uma nova descoberta.

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