sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

AS BANDEIRAS E A VIDA

A matéria de jornal falava da aproximação entre Cuba e EUA depois de décadas de afastamento. Foi uma notícia que recebi como um presente de caráter pessoal com alegria que extrapolou os limites do bom senso. 

Como a foto que ilustrava a matéria chamou minha atenção, entrei em seus detalhes, nos limites concretos dos objetos e das coisas. 

Andei pela pintura descascada das paredes, pelos metais sem brilho e enferrujados das balaustradas da sacada e pelos contornos de madeira das janelas. Mergulhei na aparência decadente do prédio.

Em vasos de variados tamanhos, a vegetação ganha uma função decorativa e outra de respiração sobre o caráter envelhecido de tudo. Uma gaiola, com pano em cima, esconde um passarinho?  Um sol traz luz e provoca sombras.

Sobressai, entretanto, a imagem colorida de duas bandeiras colocadas juntas, duas nações que se aproximam. Meu olhar parou buscando o que elas ganham de função nesse cenário cheio de sinais de um tempo de estagnação, como se um passado tristemente longo teimasse em se fazer presente. 

Que significados elas têm? Será um colorido fresco e renovado, uma aragem de futuro?

Mas, é a pessoa que me interessa mais. Fixei o olhar nessa possível autora do arranjo que está na sacada. Mergulhei em seu íntimo procurando seus sentimentos. Tentando descobrir em sua vida os tempos anteriores à possibilidade desse arranjo de bandeiras.  Decepção, frustrações acumuladas? Desejos contidos? Vivi suas dores. Senti os olhos opacos. Uma dor no peito que lembrava a renitente restauração da desesperança. Foi tempo demais.  
   
E também senti sua alegria atualizada. Não, isso seria impossível. Senti somente o mero reflexo dela na alegria possível a mim. 

Tal imagem movimentou meu cotidiano que foi revolvido de várias maneiras. Não entrei no viés político. Meu interesse é a experiência humana acima das crenças e ideologias que costumam se mostrar incompetentes e precárias.

Nesse clima passei o Natal. Esse acontecimento batizou os meus momentos de comemoração, abrindo imaginados e longínquos espaços de uma ilha no Caribe onde nunca estive.

Estabeleci parceria com essa pessoa na sacada. Para ela a esperança voltou. Da sacada ela olha uma nova realidade. Ela me visitou e ficou. Inspirou-me. 

Essa foto foi guardada como o mais querido presente deste Natal. Esteve comigo na passagem para o novo ano.  

Também está hoje, e talvez ainda ficará como um símbolo ao longo do tempo.

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