sexta-feira, 1 de agosto de 2014

ALMOÇO DE DOMINGO


Na minha crença de criança, todos os domingos seriam como aqueles em que almoçávamos na casa da minha avó materna.  Muita gente reunida, avós, tios e primos, muita conversa e muitas risadas.  E, é lógico, a macarronada com frango que só a avó fazia tão bem.

Mas os melhores domingos, mesmo, já começavam na sexta-feira:  dia de fazer o nhoque.  Primeiro, porque era a única casa que eu conhecia que tinha uma mesa enorme, na copa, que era lavada com água e sabão! Sim, porque depois de toda a trabalheira para fazer a massa do nhoque, enrolar e cortar os pedacinhos, a massa que grudava na mesa tinha que ser raspada com uma faca e a mesa, lavada.  Nessa hora começava o melhor do dia para mim e para os primos que eventualmente estivessem por lá: lavar a mesa e o chão da copa e da cozinha, preparando a casa para o final de semana.

Já viram coisa melhor (para as crianças) ou pior (para os adultos) que crianças, água e sabão, com direito a molhar a roupa?  Só quem viveu sabe como é bom...  E essa “faxina” demorava sempre o dobro do que deveria, com a avó tentando impor uma certa ordem e a tia ralhando com a criançada que exagerava na bagunça.

E quando terminava, nós sempre achávamos que havíamos feito um ótimo trabalho porque, enfim, tudo estava limpo e seco, e então podíamos ir brincar no quintal.  E a avó e a tia exaustas, é claro, por terem feito todo o trabalho e ainda tomado conta da meninada para que ninguém se machucasse.

Mas aí a gente começa a crescer e as coisas vão, pouco a pouco, mudando.  Cada família vai adquirindo novos compromissos, os adolescentes vão formando novos amigos e novas rotinas, os avós vão envelhecendo e perdendo o vigor, e os almoços dominicais vão escasseando.

E aí a gente se dá conta que cresceu, e que não tem volta.  É a faculdade, o primeiro emprego, a ansiedade para entrar na vida adulta, tudo vai nos afastando desses rituais da infância, mesmo porque eles também, praticamente, já não existem mais.  Passamos tantos anos tão ocupados com o nosso próprio crescimento e com os compromissos que temos que cumprir, que demoramos um bom tempo até nos darmos conta da importância que eles tiveram para o nosso crescimento.


Essas reuniões caóticas, com todo mundo falando ao mesmo tempo e rindo por qualquer bobagem, mas recheadas de carinho e amor familiar, nos deram estrutura para dar a devida importância a amizades duradouras e desinteressadas, ao trabalho árduo antes de esperar pela recompensa, ao respeito pelos mais velhos, a amores que somam ao invés de dividir, à ética e à honestidade como parte da personalidade e não como qualidades a serem perseguidas, aos relacionamentos saudáveis, à alegria como parte da vida e ao sonho como mola propulsora para nos levar à frente.


E assim o tempo vai passando e a nós cabe a responsabilidade de proporcionar  novos almoços de domingo.  Para o núcleo familiar que ainda temos, para os novos membros que chegaram e para os que ainda vão chegar e, assim, ir passando essa chama para as próximas gerações, para que esse sentimento de pertencer a alguma coisa e a algum lugar não se perca no materialismo que tenta dominar as nossas vidas. 

Autor: Luiza Bueno - Agente de Turismo

Esta crônica foi produzida durante o curso "A Crônica: conhecendo e escrevendo. Cotidiano, experiência e criação" no espaço Gaia Cultural em São Paulo/SP, durante os meses de Maio e Junho de 2014.


Nenhum comentário:

Postar um comentário