segunda-feira, 28 de julho de 2014

O DESTINO

Somente aqueles que são discípulos da morte sentem a doçura da vida.
                   Rubem Alves, Ostra feliz não faz pérola
 


O tema do destino, que nos visita vez ou outra, nem sempre é recebido com simpatia, pois nos lembramos dele somente em tempos difíceis. O filme A culpa é das estrelas o trouxe à baila com as tonalidades claras da adolescência. Não recebeu estrelas dos críticos, mas teve público fiel que lotou as salas com choros e lenços aos montes. Tudo que não estivesse ligado à história de amor passou despercebido à audiência. Mas ele fala também de matemática e de seus infinitos, do poder da literatura, das bolinhas encantatórias do champagne.

Após observarmos alguns de seus aspectos, passaremos ao tema do destino.

 
A HISTÓRIA PARA ADOLESCENTES

Baseado no livro de John Green, o diretor Josh Boone nos traz dois adolescentes com câncer: Gus (Ansel Elgort) e Hazel (Shailene Woodley).
Desculpemos o diretor por alguma abordagem mais óbvia como o evidente turismo em Amsterdã e algumas situações improváveis. Por outro lado, suas personagens alternam entre dúvidas da juventude e aspectos de complexidade sem cair em autopiedade ou vitimização. Há foco nos dois protagonistas e economia nos detalhes à volta deles. Há simplicidade no desenvolvimento da história e muita, muita beleza.  



Na primeira cena do filme, mãe e filha estão em consultório de terapeuta. A queixa apresentada é a depressão da filha. Na verdade, o ceticismo de Hazel e sua capacidade de encarar a realidade com os pés no chão, em explícito sentido de realidade, não cabem na imagem de vida que a mãe pretende para sua filha. Ir ao grupo de apoio seria a possibilidade de ela se livrar desse provável estado depressivo. Acaba aceitando a sugestão da mãe. Lá encontra Gus que tem dentro de si o sonho do herói e um extremo otimismo. Em nome da honra ele quer abraçar sua história e fazê-la grande.
Esse encontro no grupo de apoio promove situações que vão desde o confronto de ideias até a imersão de um na vida do outro. A divergência entre suas visões de mundo estimula o relacionamento. A influência exercida entre eles é o eixo principal da narrativa. A mudança dos dois ao longo da convivência passa por situações variadas. A obsessão de Hazel pelo final do livro de Peter Von Houten, cuja história é interrompida no meio de uma frase torna-se o ponto de mutação na vida dos dois.

A visita à casa em que Anne Frank morou em Amsterdã é outro momento importante. A jovem morta aos quinze anos tem imagens pelas paredes da casa e as palavras de seu diário são lidas em gravação. Tais imagens e frases mobilizam Hazel. Nesse momento Anne Frank e Hazel são duas adolescentes em situação de crise existencial. Um diálogo especial se estabelece entre elas. Hazel, então, aceita o amor de Gus.

Mas essa história não tem final feliz tal como se espera de um filme para adolescentes.

ASSUNTO DE "GENTE GRANDE"

Logo de início, somos apresentados à perspectiva próxima da morte. O filme traz o tema do destino elaborado com delicadeza. Tanta, que os jovens nem percebem. O tema central será o embate dos protagonistas em volta do amor e da perplexidade perante a vida que lhes coube. São jovens e a esperança não cabe em seu vocabulário.

A culpa seria das estrelas? Quem estabeleceu essa fatalidade? Os oráculos de todos os tempos puderam responder a essa pergunta? As artes divinatórias puderam em algum momento da história humana, resolver a questão de um destino implacável? Para nossas personagens ele é injusto. A vida surge como uma prisão. Sem aberturas, sem liberdade.

Por outro lado, como uma obra acaba no meio de uma frase? As personagens simplesmente somem. Por quê?  Hazel e Guz vão em busca de uma resposta. Essa suspensão literária no tempo e no espaço transforma-se em uma triste metáfora de suas histórias. Peter van Houten, o autor do livro, acaba sendo tão implacável como a divindade que nega justiça à existência na adolescência. Não existe resposta. Essa é a busca de uma lógica onde não há lógica possível. Na literatura e na vida.

Porém há algo que alivia o absurdo. É o sentimento do amor aparece abrindo espaços que são infinitos dentro das possibilidades concretas de uma vida que se perde em um destino perverso.

O diálogo a respeito dos números e do infinito acrescenta ao texto narrativo uma conta que foge ao pensamento racional. É a derrocada lógica matemática. Cria-se Uma eternidade dentro dos dias numerados do nosso pequeno mundo. Porque alguns infinitos são mais infinitos que outros.

Substitui-se a falta de lógica em um destino duro, por outra matemática, por outra conta de multiplicar. É aí que, então, o infinito e as estrelas fazem sentido. Nas cenas de abertura e de encerramento do filme Hazel faz contato com a abóbada celeste. Outra metáfora se estabelece: a das estrelas como símbolo de liberdade. Entramos no terreno da pura poesia em que a transcendência da matéria pode ser exercida. Se elas podem estar comprometidas com a questão do destino e da morte precoce, também falam de imensidões. 

O garçom do restaurante holandês conta a história de Don Pérignon que, segundo ele, quando produziu o champagne teria dito estar provando estrelas. Na história do casal enamorado em momento de celebração, elas  dão-lhes espaços encantados.


Essa é a via possível para escapar da Moira, a lei primordial que paira sobre todos. Ou para suportar o sofrimento que ela gera. Não se afasta de nós a imagem das moiras gregas, as três irmãs, que estão sempre a fiar, a tecer e a cortar os fios de nossa frágil existência. Da Grécia antiga ainda ouvimos o barulho da roca de fiar. Sem escolhas, assistimos ao destino agindo a despeito de nossa vontade.

A menos que possamos contar com os espaços encantados de estrelas e de infinitos momentos de amor.                    

PS: Lembra-se da carta escrita por Vanessa Andrade, a filha do cinegrafista morto em manifestação em fevereiro deste ano?  A análise dessa carta permite hipóteses interessantes de possíveis relações entre a vida dela e a de seu pai. Há a mobilização de ciclos temporais, tais como a que Vanessa vive e é presente na vida de todos nós. O estudo indica significados de acordo com a teoria astrológica. Caso não conheça, experimente observar como isso ocorre. O texto está em  http://coisasdoimaginario.blogspot.com.br  no marcador Biografia.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário