sexta-feira, 18 de julho de 2014

CENAS DO COTIDIANO: UM DIA (IN)COMUM NA VIDA DOS PAULISTANOS


15 de maio de 2014. Em princípio, uma quinta-feira como outra qualquer. Ao sair do trabalho, num cliente situado à Avenida São Luís, em frente à Biblioteca Mário de Andrade, opto por tomar o metrô, a partir da estação República, com direção à estação Paulista. 

Considerando-se o trajeto até a Praça da República e o deslocamento de uma única estação de metrô, saí com 30 minutos de antecedência, tempo razoavelmente suficiente para chegar adiantado ao meu destino. 

Tudo correu perfeitamente bem durante a caminhada até a estação de metrô. Entretanto, assustado, noto que há um volume de pessoas bastante grande aguardando para descer a escada que nos levaria da rua até o piso onde se encontram a bilheteria e as catracas de acesso às linhas de trem. Neste momento, dou-me conta que estou prestes a entrar numa fria. Mas, persistente que sou, resolvo prosseguir. 

Exatos cinco minutos depois, consigo chegar ao final da escada e, eis que, para um espanto maior ainda do que o anterior, vejo-me diante de seis ou sete filas enormes, adequadamente organizadas, com destino às catracas de acesso aos trens. Passados mais cinco minutos, noto que me desloquei três, no máximo quatro metros. 

Impaciente, como todo bom paulistano, penso no tempo que estou perdendo e que poderia ser utilizado para alguma atividade produtiva. Ideia: retirar um livro da mochila e começar a ler. Raciocínio: na pior das hipóteses, não precisaria nem me dar ao trabalho de andar. 

O movimento cadenciado das pessoas, a passos curtíssimos, me levaria ao destino almejado sem qualquer esforço ou necessidade de concentração no trajeto. Dito e feito: cheguei à catraca de acesso sem sequer perceber o tempo que se passara. A partir do momento em que abri o livro, o tempo passou a ser medido em páginas lidas (duas páginas e meia até a catraca). Transposta a catraca, vi-me obrigado a ficar atento aos passos, ao caminho e às pessoas à minha volta. 

Confesso que demorei mais que o usual para descer as escadas que me levariam até a plataforma de embarque. Todavia, estava a desfrutar da leitura leve e agradável do último romance de Daniel Galera (Barba ensopada de sangue), e mais uma página se fora. Dentro do trem, devidamente acomodado para não correr o risco de cair, continuo a deleitar-me com o livro. Em três ou quatro minutos, chegamos à estação Paulista. 

Distraído, assustei-me quando vi as pessoas entrando e falando: “... não desçam. A Polícia Militar jogou bombas de gás lacrimogênio dentro do Metrô... continuem dentro do trem... não desçam... está perigoso...”. Atônito, imóvel, estupefato, assustado, congelado, quando sai do estado de letargia, já era tarde. As portas haviam se fechado e o trem iniciava o movimento. Neste momento o livro já voltara para a mochila e meus olhos estavam a observar o semblante das pessoas e as conversas cruzadas. 

Olhos vermelhos, muito vermelhos, uma irritação muito forte. Uma senhora vertia lágrimas incessantemente. Uma garota pedia por vinagre (qual seria a lógica? O vinagre combateria os efeitos do gás? Como utilizá-lo? Cheirá-lo? Derramá-lo nos olhos? Esta não, que ideia estúpida.). Alguns jovens portando bandeiras, confesso que não pude identificar se havia alguma insígnia ou brasão, e questionando a ação da Polícia Militar: “... é um absurdo. A polícia deveria nos proteger. São uns truculentos. Somos tratados como bandidos. Nunca vi coisa igual...”. Não consegui prestar atenção em mais nada. 

Chegando à estação Faria Lima, desembarquei, assim como todos que não conseguiram descer na estação Paulista. Passei a me mover com mais vagar, sem pressa. Deixando as pessoas passarem, esperando que a plataforma se esvaziasse. Procurei por uma escada rolante e subi tranquilamente. Não conseguia pensar em nada. 

Estava me movendo, apenas me movendo. Ao sair da estação, já na Rua Teodoro Sampaio, pude recuperar meus pensamentos e comecei a fazer conjecturas: e se as pessoas de dentro do trem, quando na estação Paulista, entrassem em pânico? E se as pessoas que estavam na plataforma do trem na estação Paulista, em pânico, resolvessem forçar a entrada nos trens, sem qualquer tipo de comunicação, apenas para fugir dos efeitos do gás lacrimogêneo? E se houvesse pânico entre as pessoas de dentro e de fora do trem? 

Enfim, e se o pânico se instalasse diante da situação exposta, a quarenta ou cinquenta metros abaixo do nível da rua, e todos buscassem as escadas, todos querendo fugir dali para se dirigir à rua? E se? E se? Foi quando me dei conta que estávamos na cidade de São Paulo, em pleno horário de rush do metrô, num dia de semana, num período em que estavam ocorrendo manifestações dia sim dia não, e que, talvez, apenas talvez, tudo isto estivesse tão enraizado na cabeça das pessoas que ninguém, excetuando-se eu e mais duas ou três pessoas, tivesse se espantado com o ocorrido. 

O trem continuou seu trajeto, as pessoas seguiram para seus destinos, mais pessoas entrando e saindo do metrô e tudo ocorreu como vinha ocorrendo dia após dia nesta cidade caótica, neurótica e apaixonante. Parece que em São Paulo, no cotidiano, os imprevistos são rapidamente absorvidos e a vida segue seu curso. Ou seria este o meu olhar para aquela cena do cotidiano paulistano?

Autor: Maurício Avelino Sampaio - Consultor Financeiro

Esta crônica foi produzida durante o curso "A Crônica: conhecendo e escrevendo. Cotidiano, experiência e criação" no espaço Gaia Cultural em São Paulo/SP, durante os meses de Maio e Junho de 2014.



Nenhum comentário:

Postar um comentário