segunda-feira, 21 de julho de 2014

INTENSIFICANDO A VIDA

ENTREVISTA E REFLEXÃO

A expressão intensificar a vida - que eu encontrei em uma entrevista com Daniel Piza, jornalista cultural - abre uma série de perguntas. Partindo dela e de algumas colocações que nos oferece Mircea Eliade, filósofo romeno, convido você a me dar uma resposta sua, totalmente sua. O que pode/poderia intensificar sua vida? Como seria uma maneira mais intensa de viver?

INTENSIFICANDO A VIDA

As palavras de Daniel Piza (1970-2011) ocupou minha mente nas primeiras semanas de 2013. Li tal entrevista na época de sua morte que foi prematura. Era muito jovem e já tinha em seu repertório dezessete livros escritos, além de enorme produção em jornais, com comentários sempre atuais e pertinentes nas várias áreas da cultura contemporânea. Fará muita falta. Daí esta visita a algumas de suas idéias.

A entrevista citada procurava recolocar a área do jornalismo cultural no lugar merecido na mídia. Entre outras afirmações, dizia que  “/.../artes e idéias são formas de intensificar a vida, de multiplicar nossas opções, de ir além da vidinha apoiada sobre as muletas emprego & família... Quando olho para meus livros, CDs e DVDs, penso: quanta coisa boa para (re)viver!"”.

Que poder teriam livros, CDs e DVDs para promover força? E qual o valor impresso por Daniel Piza na arte literária e na música, em que medida elas fariam diferença na vida de alguém multiplicando opções? Daniel nos mobiliza a uma percepção diferente, acordada para outras dimensões que o acesso á cultura possibilitaria. Seria uma espécie de janela para a beleza das cores e formas, dos sons na música e para a imensa variedade de concepções de vida em cada página de literatura.

Na verdade, cada uma dessas experiências culturais nos oferece a estética e outros níveis de compreensão e de sensibilidade. Um movimento para além do meramente histórico, em que emprego e família fariam parte como repertório de experiências. A cultura abriria um leque de possibilidades em que o contato com símbolos e imagens traria uma validade universal. O homem com alternativas de acesso a essas manifestações estariam prontos para irem além das muletas e apoios que teriam um poder limitador. Apoiar-se representaria estabelecer dependência e segurança. Uma aposta para não correr riscos. O preço seria caro: não ir muito longe.

Neste contexto, cabe uma citação de Mircea Eliade, segundo o qual o símbolo e a imagem pertencem à substância da vida espiritual. O filósofo ainda diz que há uma “importância existencial das imagens para o homem moderno” (texto escrito em 1952): elas teriam o poder de romper “o universo fechado” do ambiente quotidiano e desvendaria para ele [o homem]um mundo mais vasto e rico “carregado de significações espirituais e de promessas”. Essas palavras de Eliade completam o pensamento de nosso jornalista. Mesmo com simplicidade, as palavras de Daniel Piza nos conduzem aos níveis dos símbolos e das imagens presentes nas manifestações de arte que amplificam as possibilidades da existência humana. 

A participação na vida cultural pode trazer o que Daniel chama de intensificação da vida. Isso seria uma maneira de escaparmos de uma monótona existência materialista e limitadora de tudo o que podemos e não ousamos.

Daniel Piza talvez não tenha pensado nessas questões. Mas abriu janela para a reflexão. Essa é a possibilidade que temos quando nos propomos à leitura de blogs, jornais, livros e imagens de todo o tipo. Encontramos surpresas e a confirmação (ou não) para nossa maneira de ver o mundo. Encontramos parcerias e outro tipo de alimento. Ler é enxergar pelos olhos de outros, através de suas palavras, dos sons e imagens por eles escolhidas. Assim ampliamos nossa visão e aprendemos com outras perspectivas. Intensificamos nossa vida, nossa biografia.        

Ao longo dos últimos quatro anos, tenho visitado biografias. Entre elas, encontrei Beethoven e Liszt, nos quais procurei a vocação criativa pelos sons. Na vida e obra do chinês Ai Wei Wei, um dos responsáveis pelo estádio Ninho de Pássaro, observei a resistência à opressão política. No cinema do faroeste e de seus mocinhos, encontrei a manifestação do mítico heróico. No inesperado romantismo de Woody Allen e na magia de Selton Melo, encontrei a esperança e a ordem superior das coisas. Todos esses assuntos tinham dois pontos em comum: tratavam da cultura e falavam daquilo que é permanente busca na natureza humana. Algo que se constrói pelas imagens e símbolos, pelos recursos artísticos que ganham contornos estéticos e, ás vezes, éticos.   
É aí que habita a importância existencial das imagens, de que nos fala Mircea Eliade. Uma força delas que pode fecundar nosso cotidiano, presentes na arte que nos leva para dimensões em que possamos promover veemência em nossas experiências, para além das limitações naturais do nosso contexto histórico. Porque tudo isso alimenta nossa alma, oferece coesão a nossa realidade e quiçá nos livre da fragmentação e da liquidez do mundo contemporâneo.

PS: eliade, Mircea. Imagens e símbolos. Trad. Maria Adozinda O. Soares. Lisboa: Arcádia, 1979,  p.7.



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