quarta-feira, 10 de setembro de 2014

CRÔNICA

O carro do meu pai estava estacionado do outro lado da rua de costume. Quando abri o portão este rangeu e um pouco de sua cor saiu em minha mão. Passando pelo jardim bem cuidado e entrando na casa, o cheiro de avós já entrava pelo meu nariz e congelava meu cérebro. Velhice estava em todo o lugar, os mesmos livros empilhados do mesmo jeito, a mesma TV no mesmo canal de esportes, os mesmos porta-retratos nos mesmos lugares, tudo ali sempre fora assim desde que eu me considero gente.

Meu avô no sofá, como sempre, com seus óculos que não são trocados nunca, nos cumprimenta com um "tchau" e se dirige à cozinha onde a minha avó está postada ao lado do fogão, como sempre, vestindo seu pijama e com bobs no cabelo, usando uma meia calça por conta da dor na perna, que tem desde sempre.

A carne está na churrasqueira enquanto meu pai checa de cinco em cinco minutos, minha mãe já se sentou conversando com a minha avó fazendo caras e bocas a cada opinião sem estrutura que minha vó projeta e bate no lustre empoeirado do qual a lâmpada está queimada fazem anos e ainda não foi trocada. Está queimada desde 2008... Desde que meu tio morreu. Aquela casa congelou depois disso. Minha tia foi embora pra França levando minha prima bagunceira, o que tirou um  tanto da juventude do lugar. Mas o que mais me assusta é a reação da minha avó. Note que eu disse "é", e não "foi", pois, de certo modo, ela está arrastando esse luto. Ela cita o filho toda vez que vamos lá, e, o que soa como situação de filme de terror, ela não desmontou seu quarto. Tudo está lá. Sua cama está arrumada, seus filmes estão empilhados em sua mesa, as fotos de todos os lugares para onde ele viajou e as coisas que ele trouxe dessas viagens... Tudo isso está ali, congelado naquele único cômodo da casa em que bate sol. Vendo aquelas fotos eu sempre penso que talvez meu tio tenha vivido que meus avós.

Enfim, após fazer minha ronda pela casa, me sento na mesa, minha avó passa a mão engordurada pelo meu cabelo de um modo brusco, mas carinhoso. Minha mãe reage de modo habitual de descontentamento com a ação, mas eu compreendo e aceito o suco que me é oferecido de bom grado. Mesmo emanando minha simpatia educada, um pensamento constante passa pela minha cabeça: por favor, que eu não acabe assim.


Autora: Isabel Giannotti - estudante do ensino médio - 15 anos


Esta crônica foi produzida durante o curso "A Crônica: conhecendo e escrevendo. Cotidiano, experiência e criação" no espaço Gaia Cultural em São Paulo/SP, durante os meses de Maio e Junho de 2014.


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