segunda-feira, 29 de setembro de 2014

TIRANDO A TAMPA, SOLTANDO O VERBO

Homens chegam menos frequentemente ao atendimento astrológico do que as mulheres. Também se submetem menos do que nós a terapias, etc. Fato normal em nossa cultura.  Mas, alguns rompem essa barreira cultural e entram na roda da busca de respostas. Se expõem e dão a cara pra bater. Esta crônica apresenta aspectos do atendimento de um deles. Hélàs! Além de trazer um homem nesse trabalho de auto-observação, é um exemplo do que ocorre no momento íntimo desse encontro entre cliente e profissional, mesmo sem entrar em detalhes que não caberiam aqui.

TIRANDO A TAMPA, SOLTANDO O VERBO

Chega tímido e retraído nas maneiras. Pouco confortável no terno,  pescoço avermelhado, apertado no colarinho, pasta e guarda-chuva na mão.  Conversa com voz baixa, mal levantando os olhos.
Entra na sala. Constrangido? Acomoda a pasta e o guarda-chuva (que parece enorme nesse momento) na cadeira ao lado. Senta-se na pontinha da cadeira. Só um tempo depois se acerta com mais conforto.

Começo a leitura de seu mapa escolhendo com cuidado as palavras, procurando uma brecha para entrar no íntimo dessa sensibilidade.

Não demorou muito e ele logo começa a participar. Dialoga e pergunta sobre as questões que desfilam em meu discurso. Para minha surpresa solta a fala, descontraidamente.

E não pára mais. Percebo que a timidez deu lugar a uma confiança que se destrava na língua. Aponto para a mudança percebida. Confirma a característica desse verbo generoso. 

Com surpresa, percebo que será das consultas que ultrapassam o horário normalmente considerado regular. Às vezes, isso ocorre por necessidade dos temas abordados ou por temperamento do consulente, como era este caso. Dispunha-me, claro, a dar o tempo necessário para essa fala. Que tudo corra a contento.

E foi um rio de prosa que correu. Correu, correu. Uma enxurrada. A curiosidade aberta se escancarava nas descobertas e nas dúvidas. Se esparramava em tudo o que não ficasse claro. Enfim, confirmando minhas primeiras impressões, alongou-se o encontro. Lembrei-me da sua chegada e sorri internamente. Surpresa interessante. Estava tudo lá no seu mercúrio, aquele que nos conta da comunicação, da maneira de funcionar o pensamento. Esta lá seu jeito tímido precisando de um impulso para se expressar. 

Só que, o meu discurso acabara havia muito tempo e as dúvidas já se elaboravam por tempo alongado. E as perguntas continuavam. 

Eu não conseguia encerrar a conversa, pois lá vinha um acidente de percurso, outra dúvida. Entendi que era necessária alguma atitude da minha parte. Que fazer? Foi difícil, mas consegui dar por finalizada a entrevista.

E restabeleceu-se também a aparência tímida, guardada temporariamente em algum lugar. Aconteceu o que parecia não ter retorno. Não era o que eu esperava que acontecesse. A aparência contida de fragilidade se reconstituiu. 

Mas, apesar dessa retomada da postura inicial, não estranhei quando, à saída, de guarda-chuva e pasta na mão, dirigiu-se a mim polidamente já saindo:

- Posso fazer só mais uma perguntinha ?

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