quarta-feira, 24 de setembro de 2014

LEITURA EM TEMPOS DE INTERNET


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Esse tema já passou pela sua cabeça, certamente. Ele faz parte das inúmeras transformações que acontecem em nossos comportamentos desde que temos sido invadidos pela tecnologia. Desde que os computadores e a internet chegaram, nossos hábitos nunca mais foram os mesmos. Mesmo que queiramos resistir, algo mudou em nossas vidas particulares ou à nossa volta.  Por exemplo, o conceito de leitura. A propósito, que tipo de leitor você é?  E como você lê o mundo?
  
LEITORES E COGNIÇÃO
 
A estudiosa em semiótica e linguagem, Lúcia Santaella (*) vem se preocupando com esse tema há muito tempo, pois ela já tinha percebido a necessidade de expandir o conceito de leitura. Somos também leitores de signos, de imagens, de sinais, de setas, números e luzes. Tudo à nossa volta significa. A instância da leitura há muito tempo, não cabe apenas à linguagem verbal.   
 
Santaella apresenta quatro tipos de leitores que foram se desenvolvendo junto às novidades de cada época, às vezes de forma lenta, outras, rápida. Talvez aquele que tem durado mais é o leitor contemplativo, que apareceu junto à tipografia de Gutenberg no século XIV que trouxe a massificação do livro, e durou até meados do século XIX. Esse leitor se entrega solitariamente à sua prática ledora, sem pressa, em relação íntima com o texto impresso.

Depois apareceu o movente que lidou com uma plataforma diferente para a apresentação de conteúdos no jornal e aprendeu a elaborar a imagem, tanto na fotografia e depois na TV. Ele se adaptou à aceleração dos centros urbanos. Ele sabe identificar a história se construindo, como no cinema e no HQ. A percepção tornou-se uma atividade instável. 
 
De certa forma, este tipo de leitor movente preparou o aparecimento do imersivo, que transita entre os nós e conexões da internet. Este tipo pratica estratégias de navegação pelas redes informacionais construindo uma leitura não mais linear e ordenada de forma estabelecida, mas de acordo com uma escolha associativa, movida por saltos e uma grande liberdade.
 
Não há exclusão de um pelo aparecimento do outro. Essas práticas convivem hoje em dia. Uma prepara a próxima, mas também se agregam em complementaridade. 
 
leitura_2_set14.jpgE há, ainda, o leitor ubíquo. Com seu material tecnológico móvel ele está em todo lugar em todos os momentos. Ele carrega o mundo. Acompanha o último estágio de desenvolvimento das tecnologias e sua atenção é irremediavelmente uma atenção parcial contínua: responde ao mesmo tempo a distintos focos sem se demorar reflexivamente em nenhum deles. 
 
O nível de atenção é apenas um sinal de outras diferenças cognitivas importantes entre esses quatro tipos de leitor. Cada prática de leitura com seu contexto e plataforma de apoio desenvolve um perfil cognitivo em que o funcionamento mental tem características diferenciadas para o bem ou para o mal. E no desenrolar do raciocínio, observa-se que cada tipo de leitor tem a partir dessas especialidades cognitivas uma determinada espécie de apreensão da realidade. A profusão de linguagens e de códigos de cada plataforma cria formas e estruturas de pensamento e outros modos
 de ver e de sentir o mundo.  
 
Há exigência de flexibilidade mental para acompanhar essas novas experiências no caldeirão de outras mudanças que desmontam todas as certezas. Não sabemos o que vem depois. Não podemos dizer o que está certo ou errado em muitas questões. Podemos supor que cheguem também novos conceitos na educação que vive o embate entre a formalidade e a informalidade próprias ao contexto da internet e da mobilidade ubíqua. Podemos descartar uma ou outra forma de aprendizagem? Como nos salvar da precariedade dos conteúdos? Formar pessoas ainda é intenção da educação? Se aprendizagem é transformação, como vivê-la nessa atmosfera de fusão entre virtual e materialidade? 

 
LEITURAS DE LETRAS E DE IMAGENS, LEITURAS DE MUNDO 
 
Saltamos de um para outro tipo de leitura. Somos múltiplos tipos de leitor. Vivemos uma época em que o mundo é sem tamanho e sem medição. Ele deverá caber em nossas expectativas e possibilidades de percepção. Cabe também que as alimentemos da melhor forma possível. E quando escrevo essa última frase, tremo porque o conceito de melhor é totalmente variável hoje em dia. Assim é. Fragmentação, relativização, globalização, ampliação, estas são as normas. Os tempos andam bicudos, diz um provérbio português.     
 
Será inevitável a representação de mundo em nossas atitudes e experiências vividas. Observar para escolher bem é a única maneira de sobrevivermos às dificuldades de hoje em dia. Cada um terá o mundo que quiser. Ou puder.  
 
Ler com mais qualidade as letras, as imagens e a virtualidade será uma alternativa? De que aspectos seu mundo é constituído? 
 
Podemos atravessar os livros, página por página. O livro é terra para ser cavada. É geografia de parágrafos, capítulos, personagens e ideias. Objeto para ser cheirado, amassado. Podemos apalpar o mundo nos livros.
 
violetas_super_6_a-_edit.jpgE também podemos nos perder em imagens no escuro do cinema e na aceleração dos centros urbanos e na explosão da propaganda. Na velocidade de tudo isso temos ido com o vento soltando os cabelos e pensamentos. Desde que chegou a imagem está aberta à invasão pelos olhos, roubando-nos a atenção e a alma. 

Com liberdade insuspeitada, sem culpa, navegamos pelos canais da internet, viajando em meio aos dendritos e conexão totalmente virtuais. Delírio. Imaginação. 
 
Ainda que nos assustemos com a ubiquidade, é caminho sem volta. Perigos em cada esquina, sem certo, nem errado. Sem lenço, sem documento? Outra rebelião. Outra nova jovem revolução. Vamos?
 
A última ilustração é intencionalmente essa com violetas, para não dizer que não falei de flores. By Geraldo Vandré.
 

(*) O conteúdo deste artigo baseia suas informações teóricas na palestra realizada na 23ª. Bienal do Livro de São Paulo no dia 29 agosto, por Lúcia Santaella: Tipos de leitores e seus perfis cognitivos. Professora e pesquisadora, ela publicou 38 livros e recebeu o prêmio Jabuti em 2002, 2009 e 2011 e os prêmios Sergio Motta em Arte e Tecnologia e Luis Beltrão, maturidade acadêmica.
 
       

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