sexta-feira, 5 de setembro de 2014

ZEZÃO, GRAFITEIRO E ARTISTA

“Sou urbanóide, skate e grafite.”
Zezão

Temos notícias de grafites desde o Império Romano. Estiveram presentes nos movimentos de 1968, pelos muros de Paris. Atualmente, no Brasil, os grafiteiros têm chegado às galerias de arte. Zezão fez uma exposição na Galeria Zipper em São Paulo no primeiro semestre deste ano. Fui entrevistá-lo em seu ateliê Overground. Saiba um pouco de sua história e do mundo do grafite.

flops ou arabescos?



Os grafites, pelos tempos afora, sempre tiveram a função essencial de dar voz a quem não pode se fazer escutar por outros meios. É a palavra inscrita espontânea e intencionalmente para gritar algo que o silêncio e a ausência não podem tolerar, em local que não foi pensado para essa finalidade.

Em inglês o grafite e a pichação são enunciados pela mesma palavra. Felizmente em português temos duas porque são dois eventos urbanos diferentes, mesmo que nem sempre possamos dizer quais são os limites entre eles. Os dois são interferências feitas em geral por jovens no espaço coletivo; são modos de ocupação da cidade. Ambos têm algo de inadequado ou mesmo de transgressão. Hoje em dia, o grafite ganha o nome de street art ou arte urbana. Os grafiteiros Osgêmeos, Kobra e Zezão percorreram essa trilha: começaram nas ruas e conquistaram os espaços da arte.

Zezão é da terceira geração de grafiteiros dos anos 90 em São Paulo, com influência do hip hop e do underground americano. O filme Traços de uma vida a respeito de Jean Michel Basquiat , final dos anos 70 em Nova York, ampliou sua maneira de pensar.

Depois de deixar o skate, começou a desenhar o próprio nome, que é a maneira clássica de todos que iniciam o caminho do grafite.

Em 1995 foi para a rua. Os primeiros lugares visitados e abandonados foram a fábrica Klabin e o moinho Matarazzo.  Em 2000, teve a notícia de um buraco que dava para uma galeria subterrânea. Entrou para ver o que tinha. Ele confessa que daí em diante virou rato. E vieram também a linha do trem, as tampas de bueiro, os córregos, os becos por onde se distribuíram seus arabescos delicados e elegantes em dois tons de azul.  Ops, arabescos não. São flops. Desenvolveu assim uma de suas mais importantes marcas, sua assinatura.

Como a permissão para a pintura nem sempre acontece, em geral, as intervenções carregam consigo algo de proibido. Talvez por essa atitude transgressora, tenha havido época de muita repressão pela sociedade e pela polícia. Até que a repressão diminuiu e, após 2003, começa a haver o reconhecimento desse trabalho. Em 2006, as galerias de arte abrem espaço.

Zezão pôde crescer junto a essa abertura e aceitação do grafite. Depois, sentiu necessidade de experimentar outros suportes. Experimentou a foto, o pincel. Aproveitou os objetos coletados na rua tais como pedaços de porta, madeiras velhas e outros em colagens.

Em 2007, veio o primeiro convite para ir a Nova York. Daí em diante não parou mais de viajar, com exposições em galerias, museus ou murais pelo mundo afora. Proximamente, mais um mês em São Francisco, onde ficou em maio deste ano pintando muros, fachada da galeria, lancha e locais abandonados. Experimenta a cada viagem uma larga troca entre os grafiteiros de cada lugar, que se agregam para o trabalho em conjunto. O grafite é a linguagem de tribos urbanas. Conhece todos os subterrâneos das cidades por onde passa. Tem afinidade com os escondidos, em meio a angústias e buscas.  Hoje em dia também participa de projetos sociais, revitalização de locais e de palestras.  E completará vinte anos de carreira em 2015. Muito a celebrar. (*)

Mas, nos perguntamos: grafite é arte? O que é arte?

Efemeridade e permanência

Zezão diz que resposta fácil à pergunta “o que é arte?” será necessariamente precária. Segundo ele, fazer grafite  não é fácil . É sorte. É um mundo sem glamour.

Talvez mais do que o produto pronto, para ele vale a experiência com a corda do rapel, com o risco implícito a cada situação.  Gosta de preparar-se para sair, de juntar o material, as tintas, de montar a mochila. Em contato com a rua e seus submundos, se deparando com histórias construídas na contramão com suas personagens bizarras pelo meio. Cada trabalho é o retrato de um momento de sua vida. Assim intenso, com depressão, dor e descoberta de sentido. 

Seja nas catacumbas de Paris, seja nas galerias do Tietê, nos canais de esgoto ele anda sempre com o pé nas águas. O desejo é fazer desenhos, deixando sua marca, aquela que foi treinada na fase de experimentação de traços e de cores. É da arte a intenção de identidade. É necessidade, uma busca de algo único e singular.

Nessa trajetória por uma expressão, buscou combinações de cores e chegou ao azul que foi se espalhando pelos cantos e becos. E a questão das águas aconteceu para  Zezão, porque ela estava lá quando ele chegou. Acabou sendo assunto de sua arte. Não foi intencional, mas era o esgoto e o rio Tietê. Era o local da sua arte.

Por que o azul? É a cor da espiritualidade, o céu, a paz, o mar e a água. O trabalho provocou uma aproximação com a água em sua limpeza e/ou sujidade.

Não há dúvida de que grafite é arte. Uma arte diferente daquela a que estamos acostumados, pois ela irrompe em um contexto estranho e radical. Mas apresenta os aspectos da produção e de um ritual do fazer artístico, integrado á vida do artista. Como ele diz, grafite envolve postura e atitude.

Outra diferença nessa arte é sua efemeridade. Grafiteiro em princípio não é artista de ateliê, segundo ele. E os grafites somem com as águas que lavam e com o tempo que gasta.

Que bom Zezão, que você colabora para que a cidade seja mais humana.  Você faz arte limpa de intenções. E a cidade fica viva e grita sua dor a partir do contraste que você aponta com seu traço e assinatura. Tem razão, Zezão, não dá para falar de arte. Você faz arte, cada vez que uma necessidade imensa de representação o impele para a rua. Você manifesta assim aquilo que de melhor a natureza humana tem. Você a salva. A arte é isso, salvação da natureza humana de suas fragilidades e pecados. Pela sensibilização e pelo gesto que produz o belo.

“Não sei me denominar”, ele diz. Nem precisa, Zezão. Está tudo claro, claro como os seus desenhos a pulsar nos lugares em que estão colocados. Vibram acesos tais faróis de luz muito viva, mesmo que sejam apagados pelas águas que sobem ou pelo tempo que dilui. O desenho aparecerá em outro lugar. Ou no mesmo lugar, efêmero e renitente, como ecos, insistindo e brigando pelo espaço e presença.

Grafites são feitos para o uso da cidade, para o usufruto de todos. Generosamente, você vai colorindo de azul celeste e de colorido os feios da urbe. Obrigada, Zezão. A temporalidade do gesto permanece ao lado da efemeridade do traço. É assim a vida. É assim a arte do grafite.


(*) Para mais informações e imagens visite o youtube e o site   http://www.zezaoarts.com.br/zezao.asp

Nenhum comentário:

Postar um comentário